Acórdão nº 283/10.8TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução05 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA, representado pelo avô, BB, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “CC Seguros de Vida, S.A.”, pedindo a sua condenação da ré a cumprir o contrato de seguro, mediante o pagamento ao BCP, do capital em dívida no âmbito de um contrato de mútuo e o remanescente ao A., até ao montante de 50.000€, acrescido de juros à taxa legal, devidos desde 5/12/2007, tudo a liquidar em execução de sentença.

Para tanto alegou, em suma, que seu pai celebrou um seguro de vida com a ré no âmbito de um contrato de mútuo com hipoteca, celebrado com o BCP, beneficiário do mesmo seguro; o mesmo progenitor de quem é herdeiro, foi vítima de homicídio perpetrado, nomeadamente, por sua mãe, entretanto julgada e condenada por tal acto e por via dele, declarada a sua indignidade sucessória em acção própria; a ré recusou-se a efectuar o pagamento do capital seguro, apesar de interpelada pelo referenciado BCP.

Citada, a Ré Seguradora contestou dizendo que a obrigação se extinguiu dado que um dos herdeiros foi a responsável pela morte do tomador de seguro, extinguindo-se a sua obrigação de pagamento ainda pelo facto de a morte não ter advindo de eventos naturais e aleatórios; mais alegou que sendo o mutuo relativo a crédito habitação, o imóvel também é da propriedade da mãe do A. e não apenas do pai, pelo que o seguro não pode beneficiar a homicida; mais referiu que não são devidos juros desde a interpelação do BCP, pois este conformou-se com a recusa da ré e ainda que pudesse existir remanescente, os juros a ele relativos, são devidos apenas desde a citação por fim, impugnou que o A fosse beneficiário do apontado remanescente e concluiu pela extinção da sua obrigação, pela ilegitimidade activa quanto aos juros e ainda pela absolvição por improcedência.

O A. respondeu pugnando pelo indeferimento de todas as excepções alegadas, dizendo que é o único filho do falecido, e mesmo que não figure na proposta de adesão os beneficiários, sempre o remanescente integrará a herança, pelo que reverterá para os herdeiros, neste caso o A.; em relação à morte do pai, esta deve ser considerada acidental, por via de facto que é aleatório e imprevisível; quanto à alegada extinção do contrato, argumenta que não é herdeiro da homicida e o Banco beneficiário tão pouco tem algo a ver com essa situação; por fim, em relação à ilegitimidade, entende que a questão não é processual mas de mérito.

Considerando que o estado dos autos lhe permitia conhecer imediatamente do pedido, a Senhora Juíza proferiu saneador sentença e na procedência da acção, condenou a Ré Seguradora a pagar ao BCP o capital em dívida, por via do contrato de mútuo e o remanescente ao Autor, até ao montante de €50.000, acrescidos de juros, à taxa legal, devidos desde 5/12/2007 até integral pagamento.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal e concluiu a sua alegação do seguinte modo: 1- A apólice de seguro contratada com a recorrente não prevê expressamente o caso de o Beneficiário ser entidade diversa do herdeiro e ter sido este quem matou a pessoa segura.

2- Aplica-se por isso, e atendendo à data da celebração do contrato de seguro (2003) e à data da morte (2007), o Cód. Comercial.

3- No art°. 458, n°. 1 do Cód. Comercial estabelece-se que o segurador não é obrigado a pagar a quantia segura se o segurado foi morto pelos seus herdeiros. O estatuído nesse n°. 1 só não é aplicável ao seguro de vida contratado por terceiro (§ único do art°. 458).

4- No caso sub judice o seguro não foi contratado por terceiro, pelo que opera a exclusão do n°. 1 do art°. 458º, não devendo a recorrente ser obrigada a pagar qualquer quantia.

5- A exclusão é oponível ao Beneficiário designado (BCP) ainda que este seja pessoa diversa do herdeiro homicida.

6- A declaração de indignidade sucessória da homicida não a exclui da categoria ou qualificação de herdeiro mas é tão só uma causa especial de incapacidade sucessória.

7- A exclusão prevista no art°. 458º baseia-se em princípios de moralidade e de ordem pública, visando não só preservar a essência do Seguro (o que se garante são eventos aleatórios, não intencionais) mas também prevenir actos criminosos e benefícios ilegítimos.

8- A interpretação atrás feita é a que melhor se coaduna com a letra e com o espírito do art°. 458º do Cód. Comercial, em especial do seu n°. 1.

9- Mas além disso, no presente caso, um qualquer pagamento ao Banco seria clamorosamente imoral.

Com efeito, 10- Dado que ambos os cônjuges se constituíram devedores ao Banco do empréstimo concedido, dado que a propriedade do imóvel a que o mútuo se refere a ambos pertencia (e pertence), dado que o mútuo ainda não está pago, se o segurador (a recorrente) fizer algum pagamento ao Banco isso iria beneficiar directamente a homicida DD pois quanto menor for o montante a pagar ao Banco (enquanto mutuária), menor a sua obrigação e maior o seu benefício.

11- Não foi bem interpretado e aplicado o art°. 458 do Cód. Comercial, pelo que deve a, aliás douta, sentença ser revogada, decidindo-se que por força do estabelecido no n°. 1 do art°. 458º a recorrente não está obrigada a pagar a quantia segura.

Sem prejuízo: 12- Não está provado, nem foi sequer alegado pelo autor, que aquando da comunicação / interpelação à recorrente o BCP indicou, de forma fundamentada, o valor em dívida à data do falecimento do segurado.

13- Tal especificação era indispensável pois nos termos da apólice o montante a pagar ao Banco não seria necessariamente o limite máximo do capital (50.000,00 €) mas sim o valor em dívida à data do falecimento, que podia ser igual, superior ou inferior ao capital.

14- Assim, o eventual crédito do BCP sobre a recorrente é ilíquido.

15- Nos termos do n°. 3 do art°. 806 do Cód. Civil se o crédito...

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