Acórdão nº 3304/06.5TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – 1.

AA, devidamente identificado, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, contra «BB – Equipamentos de Escritório, Ld.ª», pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, a ré condenada a: a) Reconhecer o contrato de trabalho existente com o A.; b) Efectuar os descontos para a Segurança Social desde a data de admissão do A.; c) Atribuir ao A. a antiguidade e categoria que lhe pertenciam se tivesse sido contratado nos termos legais; d) Pagar ao A. as seguintes quantias: i. € 23.000,43,a título de compensação devida pela falta de gozo de férias; ii. € 5.466,40, a título de subsídio de férias do período gozado; iii. € 4.050,04, a título de retribuição e subsídio de férias do período gozado nos anos de 1993 a 1996; iv. € 13.470,92, a título de subsídio de Natal; v. € 30,093,49, a título de prejuízo sofrido pelo pagamento das despesas de deslocação abaixo do valor legal e pela falta de atribuição de veículo automóvel; vi. € 1.352,34, a título de prejuízo sofrido por falta de pagamento de chamadas telefónicas; vii.€ 2.400, a título de comparticipação para estudos; viii.€ 1.144,37, a título de despesas de saúde por falta de atribuição do direito ao subsídio de doença; ix. € 3.104,48, a título de juros vencidos por falta de pagamento atempado de subsídios de férias e de Natal; x. Juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, em resumo útil, que: -Trabalha sob as ordens, direcção, e autoridade da R., como técnico de equipamentos, dedicando-se à assistência técnica e reparação de equipamentos comercializados pela R., desde 07 Agosto de 1992; - Não obstante o contrato que vigorou entre A. a R. fosse um verdadeiro contrato de trabalho, foi-lhe conferida a aparência de um contrato de prestação de serviços, nomeadamente através da subscrição de dois acordos escritos com essa designação, o primeiro celebrado aquando da sua admissão, e o segundo em 02/09/1996, ambos elaborados pela R.; - A R. nunca permitiu ao A. o gozo de mais de duas semanas de férias por ano, obstando ao gozo dos demais 12 dias úteis do ano; - A R. nunca pagou ao A. subsídios de férias, nem subsídios de Natal; - A R. tem técnicos ao seu serviço, com quem outorgou contratos de trabalho, e fornece a estes viatura e telemóvel de serviço, custeando todas as despesas inerentes aos mesmos, ao contrário do que sucede com o A., que tem que utilizar automóvel e telemóvel próprios; - O A. efectua as deslocações em serviço com viatura própria, mas a R. tem reembolsado tais despesas com montantes inferiores aos legalmente estabelecidos; - Apesar de até Dezembro de 2002 a R. ter suportado a totalidade das facturas de telemóvel do A., a partir dessa data deixou de o fazer, passando a pagar apenas uma parte das mesmas; - A R. não atribuiu ao A. as regalias que proporciona aos seus empregados, a saber, seguro de saúde (abrangendo cônjuge e filhos), e comparticipação de despesas de estudo dos filhos.

A ré foi citada e contestou, dizendo, no essencial, que: - Este Tribunal carece de competência, em razão da matéria, para apreciar o pedido de condenação da R. a pagar à Segurança Social as quantias correspondentes aos descontos para esta entidade; - Ainda que assim se não entendesse, os créditos relativos a contribuições para a Segurança Social vencidos até 03/10/2001 encontram-se prescritos; - O vínculo que vigorou entre A. e R. não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como um contrato de prestação de serviços.

O A. respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.

Proferido despacho saneador, foi a excepção de incompetência absoluta julgada improcedente, tendo o conhecimento da excepção de prescrição sido relegado para a sentença final.

Foi ainda dispensada a realização da audiência preliminar bem como a selecção dos factos assentes e controvertidos.

A R. agravou do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta.

Admitido o recurso foi o mesmo julgado procedente, tendo a R. sido absolvida da instância relativamente ao pedido de condenação na efectivação de descontos para a Segurança Social, bem como no pagamento dos respectivos juros de mora.

O A. apresentou articulado superveniente, alegando que a R. lhe comunicou a cessação o contrato, prescindindo do seu trabalho com efeitos a partir do dia 02/03/2007, pelo que considera que foi ilicitamente despedido.

Em consequência, pede que para além dos pedidos inicialmente formulados, a R. seja ainda condenada a: - Pagar ao A. as retribuições vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença; - Pagar ao A. todos os danos patrimoniais que lhe causou; - Reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, podendo o A. optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização não inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade; - Pagar ao A. juros de mora sobre as quantias acima referidas.

A R. respondeu ao articulado superveniente, sustentando que se limitou a denunciar o contrato de prestação de serviços, nos termos previstos na sua cláusula décima primeira.

Admitido o aditamento de novos pedidos e causa de pedir, nos termos expostos no articulado superveniente, realizou-se a audiência de julgamento.

A final, veio a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. de todos os pedidos formulados.

  1. O autor, inconformado, interpôs recurso de Apelação, sem sucesso, já que a Relação de Lisboa, julgando improcedente a impugnação, manteve a sentença recorrida.

    Ainda irresignado, insurge-se ora mediante o presente recurso de Revista, cujas alegações remata com este quadro conclusivo: 1 - Refere o douto acórdão que a factualidade apurada é escassa para poder concluir pela existência de um contrato subordinado; no entanto, fez um raciocínio a contrario sensu, não dando relevância a factos e indícios que claramente revelam a existência de um contrato de trabalho.

    2 - E fundamenta tal decisão no facto de não ter ficado provado se o A. cumpria efectivamente algum horário, com o facto da retribuição ser variável, não haver retribuição de férias e demais subsídios, nada se provou quanto ao regime de faltas e (poder) disciplinar, indica a emissão de recibos verdes como outro indício de prestação de serviços e refere que o local de trabalho no caso dos autos não é factor de distinção.

    3 - Ora, trata-se de indícios com cariz meramente formal; estes factos afiguram-se nada decisivos em face da divergência que está na origem do presente litígio.

    4 - Os factos mencionados, nomeadamente, a falta de retribuição de férias e demais subsídios, a fixação da forma de retribuição, emissão de recibos verdes, são destinados a disfarçar a natureza da relação de trabalho e resultam de uma contratação que pretende fugir às obrigações legais, laborais e fiscais.

    5 - Quanto ao horário de trabalho, ficou provado que a R. fixou ao A. o horário de trabalho das 9h às 12h30, das 14h às 18h que consta dos acordos por aquela elaborados, que não admitiu quaisquer sugestões quanto ao seu teor (cfr. factos 3, 4 e 5).

    6 - Ora, salvo melhor opinião, o que constitui indício de subordinação jurídica é o facto de ter sido fixado um horário de trabalho dentro do qual o A. tem que prestar a sua actividade, por contraposição à prestação de serviços que é livremente prestada sem sujeição a horário, e não o facto de o A. cumprir ou não o horário.

    7 - Justifica ainda o Douto Acórdão que o local de trabalho no caso dos autos não é factor de distinção; mais uma vez não se vê razão em tal ilação, pois a zona geográfica como local de trabalho foi definido pela R., e obviamente no interesse desta, não podendo o A. livremente fixar os locais onde prestar a actividade.

    8 - Quanto ao facto da retribuição ser variável, está longe de ser uma característica do contrato de prestação de serviços, pois a retribuição variável, não raro surge como fórmula especial de pagamento da actividade do trabalhador, exercida em termos de subordinação jurídica (vd. António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.a Edição, pag.142).

    9 - No âmbito das relações laborais é cada vez mais frequente o pagamento de retribuição variável, calculada em função dos resultados do trabalho (vide art.252.0 CT), considerada como um incentivo à produção.

    10 - Irrelevante se mostra, o facto de não de "nada se provou quanto ao regime de faltas e disciplinar", pois tal só se verificaria caso o A. tivesse incumprido, faltasse ou tivesse desobedecido e, atento este comportamento do recorrente, tivesse sido ou não aplicada qualquer sanção por parte da Ré.

    11 - O raciocínio do tribunal a quo, sem qualquer razão de ciência, foi feito a contrario: não existe subordinação jurídica porquanto a actividade foi desenvolvida com autonomia; logo, não estamos perante um contrato de trabalho, devendo a destrinça assentar em raciocínio diverso, ou seja, caso o poder directivo seja ténue (o que não acontece no caso em apreço pois desde o início da celebração dos contratos a R. demonstrou fortemente o seu poder directivo), a subordinação jurídica afere-se com recurso a outros indícios, os quais se encontram explanados infra, de onde claramente resulta que a situação jurídica mantida entre o ora recorrente e a Ré, era de natureza laboral, atenta a posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

    12 - Por conseguinte, ao contrário do decidido no Douto acórdão, que contraria a tendência legislativa actual, bem como a maioria da jurisprudência e doutrina, a...

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