Acórdão nº 329/06.4TBAGN.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução07 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA - SEGUROS GERAIS, S.A intentou contra BB acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação do réu no pagamento de € 70.492,52 - mais as quantias que poderá ter que liquidar posteriormente -, acrescida de juros de mora vencidos, bem como de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, invocando o direito de regresso que lhe é conferido pelo preceituado nos arts. 19°, al. c), do DL nº 522/85 e 81°, n.° 2, do Código da Estrada, alegando, em síntese, que: - através de contrato de seguro do ramo automóvel garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 00-00-00; - tal veículo, no dia 29/03/2003, tripulado pelo ora Réu, circulando na Estrada Municipal 522-1, concelho de Arganil, atropelou os peões CC e DD, provocando ferimentos a ambos; - o acidente ocorreu por culpa exclusiva do réu, pois que este, em virtude do estado de alcoolemia em que se encontrava (apresentava uma TAS de 2,12 g/l de álcool no sangue) e da velocidade que imprimia ao veículo 00, não conseguiu dominar o mesmo; - em consequência do sinistro, pagou aos aludidos lesados, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente, as diversas importâncias que discrimina, no montante global de € 70.492,52; - poderá ainda ter de pagar, por força do aludido contrato de seguro e relativamente ao referido acidente, a quantia em que vier a ser condenada no processo nº 39/03.4 TAAGN, a correr termos no T.J. de Arganil, onde, contra si, foi deduzido pedido de indemnização cível por EE, pai do peão CC.

O Réu, citado em 13/09/2006, na contestação que ofereceu, além de se defender por impugnação - negando a sua culpa na produção do acidente, a falta de nexo de causalidade entre este e a alegada alcoolemia e afirmando a culpa exclusiva dos peões -, invocou a prescrição do direito de indemnização da autora quanto aos montantes por esta pagos até 04/09/2003 (inclusive), num total de € 11.280.91, sustentando, quanto a eles, ter decorrido já o prazo de três anos a que se reporta o art.º 498, n.º 2, do Código Civil (CC).

A autora respondeu, defendendo a improcedência da arguida prescrição, já que, segundo sustenta, tendo efectuado vários pagamentos parciais aos lesados no montante global que peticiona e ocorrendo o último desses pagamentos em 27 de Outubro de 2005, só a partir desta data deve iniciar-se a contagem do prazo prescricional em causa.

Foi admitida ampliação do pedido deduzida pela A. (condenação do Réu no pagamento de € 43.405,82, relativos a prejuízos patrimoniais sofridos em consequência do acidente).

No despacho saneador, julgou-se improcedente a arguida excepção da prescrição, pelo que se procedeu à selecção dos factos considerados assentes, elaborando-se ainda a base instrutória da causa.

Inconformado com a decisão proferida quanto à excepção da prescrição, apelou o R. para a Relação, sendo tal recurso admitido para subir a final.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a reembolsar a Autora na percentagem de 80% - correspondente ao grau de culpa atribuído ao R. no desencadear do acidente - do montante líquido de € 114.607,25; e, em igual percentagem, do montante que esta venha, eventualmente, a ser condenada a pagar no âmbito do processo que lhe foi movido pelo pai do menor CC, a liquidar posteriormente, sendo caso disso.

Inconformado com a sentença, dela apelou o R e, subordinadamente, a A..

A Relação, no acórdão ora recorrido, julgou improcedentes os recursos - quer o principal, quer o subordinado - interpostos da sentença ; mas julgou procedente o recurso interposto do saneador, na parte em que se julgara improcedente a excepção da prescrição, decisão esta que revogou, julgando tal excepção procedente e, consequentemente, considerando prescrito o direito da Autora relativamente às quantias, por si peticionadas, respeitantes aos pagamentos que efectuou até 04/09/2003 (inclusive), no montante global de € 11.280.91, nessa parte absolvendo o Réu do pedido.

E, assim, julgando a acção parcialmente procedente, o acórdão recorrido condenou o R. a reembolsar a Autora na percentagem de 80% do montante líquido de € 103.326,34, e, bem assim, em igual percentagem do montante que a Autora vier a ser eventualmente condenada a pagar no âmbito do processo que lhe é movido pelo pai do menor CC, a liquidar posteriormente, sendo caso disso.

  1. Inconformados com tal sentido decisório, recorreram, quer o R., quer a A., encerrando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I – No recurso do R.: 1- Dão-se por reproduzidas as doutas decisões de 1ª e 2ª Instâncias, e bem assim os factos provados constantes e descritos nas mesmas.

    2- O pedido invocado pela Recorrida, ao abrigo do disposto na alínea c) do art. 19° do DL n.° 522/85, de 31/12, e a prova que consta dos autos, são insuficientes para desencadear o funcionamento de um qualquer direito de regresso a favor da mesma.

    3- Não estão, desde logo, verificados os pressupostos concretos e necessários para a procedência desse direito de regresso, pois a Recorrida não provou (como era seu ónus), a existência de um nexo de causalidade adequada entre a TAS e a acção lesiva.

    4- Além de que nada do elenco da prova produzida nos autos permite a conclusão de que a condução com uma taxa de alcoolemia no sangue foi a causa concreta do acidente, isto é, a "conditio sine qua non" sem a qual este não teria ocorrido.

    5- Os raciocínios e as presunções de que se socorreu, quer a douta sentença recorrida, quer o douto acórdão para postular a existência de tal nexo de causalidade são juridicamente inadmissíveis.

    6- O exercício pela Seguradora/Recorrida do direito de regresso, segundo o disposto na ai. c) do art. 19° do DL 522/85, tem natureza excepcional e os pressupostos da sua verificação são apertados e foram alvo de clarificação através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.° 6/2002. de 28/05. que fixou a seguinte jurisprudência: "A alínea c) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela Seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente." 7- A lei, a jurisprudência uniformizada do STJ e a jurisprudência maioritária exigem a alegação e prova pela seguradora (sendo apenas dela esse ónus) de que 1) o condutor circulava e agia sob o efeito de álcool; e de que 2) existiu um abstracto e também concreto nexo de causalidade necessária e de efectiva adequação entre a condução sob a influência do álcool (TAS) e o acidente ocorrido (acção lesiva).

    8- De acordo com a teoria da causalidade adequada (art. 563° do Código Civil), para que se verifique e exista o exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, é necessário que o facto (a presença de álcool no sangue) tenha sido, em abstracto e de acordo com um juízo de probabilidade, condição adequada, idónea ou apropriada à produção do acidente, exigindo-se também que o "agir" (e não o "estar") sobre a influência de álcool tenha sido a concreta causa e a base do dano, em termos de "conditio sine qua non", sem a qual o mesmo nunca teria ocorrido.

    9- O [eventual] direito de regresso da Recorrida contra o Recorrente só existiria - e não existe! - se esta provasse (o que não logrou fazer) este duplo nexo causal, não sendo, pois, idóneo e suficiente para determinar a procedência do direito de regresso a alegação e prova de que o condutor estivesse sob a influência do álcool e que o álcool influenciasse "o comportamento do demandado, diminuindo-lhe as capacidades de atenção, reacção e de visão".

    10- Na verdade, é do conhecimento geral que os efeitos do álcool variam de indivíduo para indivíduo e que, frequentemente, se produzem acidentes similares ao relatado nos presentes autos, sem que o condutor esteja alcoolizado e/ou tenha agido sob a influência do álcool.

    11-0 ónus da prova deste duplo nexo de causalidade (em abstracto e em concreto) cabe, indiscutivelmente, à seguradora, pois é ela quem invoca o direito de regresso em seu benefício (art. 342° do Código Civil), e não pode decorrer do recurso a presunções.

    12 - Está, aliás, uniformizado pelo Acórdão do STJ n.° 6/2002 e é jurisprudencialmente unânime (vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 08/04/2003) que "não existe nenhuma presunção do nexo de causalidade" e que "não sendo este facto notório, exige-se à seguradora a sua alegação e prova", 13 - "O direito de regresso tem, pois, de ser demonstrado [pela seguradora] nos termos gerais de direito, uma vez que nenhuma disposição do Decreto-Lei n.° 522/85 veio afastar o regime geral da responsabilização, criando presunções, alterando o ónus da prova ou outro circunstancialismo que se desvie do regime geral." (cit. Acórdão do STJ n.° 6/2002) 14 - Sucede que, embora não se permitam presunções do aludido nexo causal, o douto acórdão recorrido, que aqui se dá por reproduzido, entendeu que factos existem provados que permitem concluir, por via de presunção judicial, que a condução do Réu sob influência do álcool, com uma TAS de 2,12 g/l é responsável pela produção do acidente e, neste seguimento, concluiu pela verificação dessa relação de causalidade, através de, salvo o devido respeito, um incorrecto e inadmissível recurso a presunções judiciais e legais (de culpa e de negligência).

    15 - Ora, ao recorrer a tais presunções para fundar o nexo de causalidade, o Tribunal a quo - de forma legalmente inadmissível e violadora da citada jurisprudência uniformizada, que proscreve tal entendimento - dispensou a Seguradora do seu ónus da prova do referido nexo de causalidade adequada e inverteu as regras do ónus da prova, fazendo-o erradamente recair sobre o Recorrente.

    16 - Ao presumir a verificação do nexo de causalidade adequada...

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