Acórdão nº 3922/07.2TBVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução16 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.

AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB – Companhia de Seguros S.A., Alega resumidamente que, no dia 25/11/2004, foi vítima de um acidente de viação em que foram intervenientes o ciclomotor de passageiros de marca Piaggio, modelo TYPHOON-50 2T, de matrícula 00-00-00, conduzido pela A., sua proprietária e o veículo automóvel ligeiro/misto, de matrícula 00-00-00, segurado na Ré.

O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do CX (descreve a pertinente factualidade).

Desse acidente resultaram para a A. numerosos ferimentos e perdas materiais (que igualmente concretiza em pormenor).

Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes indemnizações parcelares: - a título de danos patrimoniais a quantia global de 7.202,39 € (abrange 4.260.69 referente às I.T.P., temporárias e permanentes, 941.70€ referente ao valor dos objectos danificados com o acidente, 1.250 € correspondente ao valor do ciclomotor à data do acidente, visto ter ficado irrecuperável e 750€ de propinas que teve de pagar para repetir duas cadeiras).

- a título de danos não patrimoniais, pelos ferimentos, suas sequelas e dores, a quantia de 30.000.00€.

- pela privação do uso do seu veículo logo que pôde usá-lo (isto é, durante o período em que sofreu de incapacidade parcial de 40%, 20% e 10%) até ser ressarcida pela Ré de modo a poder adquirir novo meio de transporte, peticiona uma indemnização que deve ser calculada à razão de 20€ por cada dia de privação.

Tudo acrescido dos juros legais desde a citação até integral pagamento.

Contestou a Ré.

Aceitou alguns danos patrimoniais, impugnando outros, assim como impugnou os danos não patrimoniais e pela privação do uso.

Não discutiu a culpa do seu segurado, antes a aceitando.

Alegou, designadamente que o valor do ciclomotor, cuja perda total foi considerada, era, na data do acidente e antes dele, de apenas 700€, valendo os salvados 150€, sendo certo que por carta remetida à A. em 11/4/2005, a Ré lhe deu a conhecer esses valores, pondo-lhe à disposição a quantia de 550€, ficando os salvados para a A, o que ela recusou. Assim, a demora em receber tal indemnização só à A. pode ser imputada.

Alega também que a paralisação do veículo não é um dano que, só por si, deva ser indemnizado, sendo necessário que se prove a existência de um dano concreto decorrente dessa paralisação.

Replicou a A.

Em 30/1/2008 a Ré veio requerer a consignação em depósito da quantia de 5.497.69€, correspondente aos danos emergentes (4.260.69€), abrangendo, ainda, os 550€ julgados devidos pela perda do veículo e 685€ a título simbólico pela privação do uso do veículo destruído no acidente.

Em 20/8/2008 a A. recebeu o valor consignado em depósito (5.495.69€).

Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

Instruídos os autos e lida a decisão de facto, proferiu-se sentença final que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à A: - 6.502.39€ a título de danos patrimoniais (sendo 4.260.69€ pelas incapacidades parciais para o trabalho, 550€ pelo valor comercial do veículo, deduzido já do valor dos salvados, 941.70€ pela deterioração de diversas peças de vestuário o outros objectos e 750€ de propinas).

- A esta quantia deduziu a de 4.810.69 consignada em depósito e já entregue à A.

- A título de dano não patrimonial, a quantia de 685€ pela privação do uso do veículo que a Ré também consignara e foi já entregue à A. e 20.000.00€ pelos ferimentos sofridos no acidente, suas sequelas e correspondentes sofrimentos.

- Fixou os juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais e desde a sentença sobre os não patrimoniais.

Recorreram a A. e a Ré, tendo a primeira impugnado, vários pontos de facto tidos por incorrectamente julgados.

Conhecendo da apelação da A. a Relação reapreciou a prova gravada, tendo alterado alguns dos pontos de facto impugnados, mantendo outros; fixou em 30.000€ os danos não patrimoniais emergentes dos ferimentos sofridos no acidente, dores que provocaram à A. e respectivas sequelas; fixou em 700€ (sem descontar os salvados, que ficarão para a seguradora, a menos que a A. pretenda ficar com eles) a indemnização a pagar pela perda total do ciclomotor; fixou, finalmente, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, recorrendo à equidade, em 1.500€.

- No mais, manteve o decidido.

-Quanto aos juros não alterou o decidido pela sentença de 1ª instância, mas determinou que não são devidos juros sobre o montante consignado pela Ré e já recebido pela A.

Porém, quanto à quantia consignada relativa a danos patrimoniais os juros serão contados até à data da consignação.

Quanto ao montante dos danos não patrimoniais os juros fixados incidirão apenas sobre a quantia ainda em dívida.

Novamente inconformadas, voltam a recorrer quer a A. quer a Ré, agora de revista e para este S.T. J .

Conclusões Oferecidas tempestivas alegações, formularam as recorrentes as seguintes conclusões:Conclusões da Revista Da Autora 1 - A recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal recorrido no que concerne a dois aspectos: ao não ter fixado um quantitativo diário de 20 euros quanto à privação de uso do ciclomotor e ao não ter fixado, na decisão, a condenação da ré no pagamento da quantia de €1500,00 a título de danos patrimoniais relativos à privação de uso do ciclomotor, em desconformidade com a fundamentação.

2 - O Tribunal recorrido considerou que a recorrente poderia recusar a proposta apresentada pela recorrida, uma vez que, "o valor oferecido era inferior ao valor real do bem, à autora não podia ser imposto que ficasse com os salvados, devendo ser-lhe oferecido valor que lhe possibilitasse a substituição imediata do bem por outro de idênticas características''.

3 - Considerou que resultou provado que, a recorrente continua, até à data de hoje, privada do uso do seu motociclo ou de outro que o pudesse substituir; que, era com esse veículo que a recorrente se fazia transportar todos os dias de e para o trabalho e escola; e que, por se encontrar privada do ciclomotor, a recorrente pede boleia a amigos e familiares e usa transportes públicos, o que lhe causa incómodos e transtornos.

4 - Entende o Tribunal recorrido que, "a privação do uso é indemnizável (...), pois constitui indubitavelmente um dano. (...) Quando não quantificado, deve recorrer-se ao disposto no artigo 566°3 n°3 do C.C., determinando-se a indemnização de acordo com a equidade", o que a recorrente concorda.

5 - A recorrente não concorda na parte em que, o Tribunal recorrido considera que, o "valor pretendido pela recorrente se mostra excessivo", alegando que o valor locativo de um ligeiro é superior ao de um motociclo; que,

6 - A recorrente reclama da recorrida o pagamento da quantia diária de 20 euros, desde á data de 22/06/2005, até efectivo e integral pagamento, acrescido de 30 dias, considerando que, a privação do uso do veículo origina a perda das utilidades que o mesmo é susceptível de proporcionar, perda essa que, não tendo sido oportunamente reparada (mediante a forma natural de reconstituição, com a entrega de um veículo substitutivo), impõe a compensação do lesado na medida equivalente - artigos 562°, 563°, 564° e 566° do CC.

7 - Tem sido entendido (cf, p.e, A, Geraldes, ob. cit, p.53 e Ac RP 5Fev 04 cit) que, regra geral e salvo casos excepcionais (em que se reconheça que a falta do veículo causou danos anormalmente avultados ou, inversamente, não provocou dano algum), a privação do veículo de que o lesado habitualmente fazia uso deve ser compensada por referência à quantia que seria necessária para o aluguer de outro do características semelhantes ao sinistrado, prática que, à luz de um critério baseado nas regras da experiência, nos parece perfeitamente justa e equilibrada (lembre-se que nos situamos no âmbito dos danos não patrimoniais, em cujo ressarcimento a equidade assume particular relevância).

8 - E é assim que, no caso concreto, chegamos a um valor compensatório diário na ordem dos € 20,00, tal como reclamado pela recorrente, o qual é devido desde a data em que a recorrente, após o acidente, passou a ter possibilidade de utilizar o veículo - 22 de Junho de 2005 - até ao fim do período temporal que razoavelmente seja de reputar como necessário para que a mesma encontre no mercado veículo idêntico (Ac RC 2Dez 03 cit), que se calcula em cerca de 30 dias.

9 - Entende a recorrente que, se o Tribunal recorrido considera que o valor locativo de um ligeiro é inferior ao valor locativo de um motociclo com as características do da recorrente, então deveria ter fixado o valor diário do aluguer de um motociclo.

10- A recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal recorrido de que ao fixar um valor diário poderia ser considerado abuso de direito, uma vez que, considera que existe abuso de direito quando o exercício de um direito se afasta da finalidade para a qual esse direito foi criado.

11- Assiste à recorrente o direito de ser indemnizada a título de privação de uso de veículo, o qual lhe é reconhecido pelo Tribunal recorrido.

12- Recai sobre a recorrida o dever colocar à disposição da recorrente um veiculo de substituição ou a quantia que lhe permita adquirir no mercado um veículo em iguais condições, não podendo aquela pretender beneficiar das vantagens inerentes aos pagamentos de seguros e depois não cumprir com as suas obrigações. Como alguém disse, "quem usa os cómodos deve suportar os incómodos".

13- Recai sobre a recorrida a responsabilidade pelo agravamento dos danos derivados da demora em actuar como devia. Na verdade, a recorrida não colocou qualquer veículo de substituição à disposição da recorrente, nem ofereceu a quantia suficiente para que a recorrente pudesse adquirir um no mercado. Se existe agravamento de danos derivados da demora, eles se devem à actuação da recorrida, que até à presente data, poderia ter impedido, e não o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
30 temas prácticos
30 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT