Acórdão nº 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução24 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, contra ela, e outros instaurada, no Tribunal da Comarca de Amarante, pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, com vista a obter o pagamento da quantia de € 142.947,26 e juros, figurando como títulos executivos dois contratos de mútuo celebrados entre a exequente e a sociedade “AA - Sociedade Hoteleira, L.da”, nos quais a oponente figura como fiadora, deduziu a executada BB oposição à execução, alegando, em síntese, que desconhece todo o histórico das relações entre exequente e devedora principal, mas que os juros, contados há mais de cinco anos, se encontram prescritos, mais aduzindo que é nula a cláusula vigésima dos contratos, que estabelece a solidariedade dos fiadores, a qual não lhe foi explicada, tendo ela entendido que devia pagar apenas a sua quota parte das quantias mutuadas, caso esta não fosse paga pela devedora e depois de todo o património desta responder pelo pagamento da dívida.

Conclui pela procedência da oposição, pedindo que (i) seja reconhecido e declarado o seu direito à divisão, nos termos do nº 2 do artigo 649º do Código Civil; que (ii) lhe seja reconhecido o direito de recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do principal devedor e que (iii) se declarem prescritos os juros contados há mais de cinco anos.

Recebida a oposição, a exequente contestou, concluindo pela sua improcedência, bem como da excepção da prescrição dos juros, por se haver interrompido com o reconhecimento da totalidade da dívida por parte da oponente. Alega, também em resumo, que não é crível que a oponente, professora universitária, desconheça o significado jurídico das expressões “solidários” e “principais pagadores”, e que os contratos, embora seguindo um modelo - tipo para a modalidade de financiamento, tem um conteúdo essencialmente particularizado, tendo todas as cláusulas sido objecto de negociação entre as partes, as quais são claras e não contêm qualquer complexidade, sendo o seu conhecimento completo e efectivo perfeitamente possível por quem use de diligência comum, a quem bastará uma reflexão mediana, acrescentando que à oponente não assiste o direito à divisão, uma vez que renunciou ao benefício da excussão prévia.

Foi proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância, julgou prescritos os juros vencidos até 30 de Outubro de 2002, tendo sido a oponente, em consequência disso, absolvida desta parte do pedido executivo.

A sentença julgou a oposição improcedente, devendo a execução prosseguir os ulteriores termos.

Inconformada, apelou a oponente para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 23/09/2010, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.

De novo, inconformada, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª - Nos termos do n.º 3 do artigo 5º do DL n.º 446/85, “o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, sendo essa prova essencial para que as cláusulas em causa sejam eficazes relativamente à parte contratante.

  1. - Quer pelo teor do documento quer pelo depoimento das testemunhas não existe qualquer dúvida que nos encontramos perante um contrato de adesão ou, se assim não se entender, perante um contrato que contém cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.

  2. - Tal foi confirmado na douta decisão recorrida quando se pondera que a testemunha CC, funcionário da Caixa Geral de Depósitos, confirmou em audiência de julgamento “(…) que os contratos não são todos iguais e que as cláusulas dos contratos de mútuo são todas negociadas embora, quando concretizava essa afirmação genérica, se tenha referido aos prazos, às garantias e às taxas de juro, concluindo que a única coisa que varia são os nomes das pessoas” e que “no mesmo sentido foi o depoimento da testemunha DD, também funcionário da Caixa Geral de Depósitos”.

  3. - O DL n.º 446/85, de 25/10, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31/01 e pelo DL n.º 249/99, de 07/07, introduziu no ordenamento jurídico português o regime da fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais, enquanto exteriorização dos direitos do consumidor.

  4. - Este diploma aplica-se, nos termos do n.º 1 do artigo 1º às “cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”.

  5. - Este regime abrange, conforme dispõe o artigo 2º do mesmo diploma, “salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros”.

  6. - Acrescentou o DL n.º 249/99, de 07/07, um novo n.º 2 ao artigo 1º, nos termos do qual “o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

  7. - Este diploma impõe a observância de certos requisitos formais (vide artigos 5º, 6º e 8º) materiais ou substantivos (vide artigos 16º a 22º), assentando estes, basicamente, nos princípios da boa fé, da proibição do abuso de direito e do da protecção da parte mais fraca [Ac. do STJ, de 17/06/99, CJSTJ, II, página 149].

  8. - Nos termos do artigo 5º do DL citado, “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”.

  9. - Não foi comunicado à recorrente o sentido, alcance, o significado jurídico e as consequências da inserção na cláusula vigésima das expressões “solidários” ou “principais pagadores”.

  10. - A recorrida faltou ao cumprimento do dever de informação do alcance ou sentido daquelas expressões inseridas na cláusula do contrato, conduzindo a que a executada tenha assinado na convicção de um sentido oposto, sem estar devidamente esclarecida sobre o alcance das referidas expressões, pensando que apenas se encontrava obrigada a pagar a parte correspondente a cada um dos fiadores, que eram oito, em caso de incumprimento da principal obrigada.

  11. - Como supra alegamos, resulta directamente do n.º 3 do artigo 5º do DL n.º 446/85 que “o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, sendo essa prova essencial para que as cláusulas em causa sejam eficazes relativamente à parte contratante.

  12. - Não havendo prova dessa comunicação, e recaindo o ónus de prova sobre a entidade que apresenta as cláusulas contratuais gerais, dispõe o artigo 8° do mesmo diploma que “consideram-se excluídas dos contratos singulares a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º», ou seja, tudo se passa como se efectivamente inexistissem quaisquer cláusulas contratuais gerais, ou a cláusula contratual geral em concreto sobre que incidiu a falta de informação e comunicação.

  13. - No acórdão recorrido, faz-se uma interpretação que, do nosso ponto de vista, não tem correspondência na lei.

  14. - Com efeito, nos contratos em análise, a recorrente intervém na qualidade de fiadora. Como supra se refere, o testemunho dos funcionários da recorrida é esclarecedor no sentido de que tais cláusulas são iguais para todos os contratos apenas mudando o nome dos contraentes.

  15. - Com estes contornos encontramo-nos perante cláusulas contratuais gerais que obrigam o contratante a comunicar o seu conteúdo e alcance, sendo que a consequência da falta de comunicação implica a exclusão das cláusulas em relação às quais se não prove terem sido comunicadas, sendo certo que o ónus da prova de tal facto incumbiria à recorrida.

  16. - No acórdão recorrido, faz-se uma interpretação restritiva do artigo 5º, afirmando-se que “o cumprimento do dever de comunicação a que se reporta o artigo 5º”, basta-se com a entrega da minuta do contrato contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais) com a antecedência que seja necessária – em função da extensão e complexidade das cláusulas - na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão”.

  17. - O nº 4 da base instrutória foi dado como não provado, ou seja, alegou a recorrida que todas as cláusulas dos contratos foram negociadas, não tendo logrado provar tal facto.

  18. - O alcance da lei não se limita à entrega dos contratos com antecedência, por forma a que a parte contratante tenha a hipótese de dizer se quer ou não contratar.

  19. - O que, em nosso entender, se exige é que a parte que apresenta o contrato que inclua cláusulas contratuais gerais comunique e faça ciente a outra parte das obrigações que assume quando subscreve o contrato.

  20. - A omissão da leitura e explicação do teor das cláusulas contratuais, implica que tais cláusulas se considerem não escritas e, consequentemente, estando excluídas do contrato não sejam oponíveis ao contraente.

  21. - Se a lei se bastasse com a simples entrega do texto do contrato à parte contratante para que esta o analisasse, não faria sentido consagrar no artigo 5º que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, uma vez que em todos os contratos sempre é entregue o texto do mesmo. O que se exige, pois, é que fique claro para a parte que contrata quais as obrigações que assumiu com a celebração daquele contrato, sendo que compete a quem apresenta o contrato explicar e fazer ciente à outra parte as obrigações que assumiu.

  22. - Devem, pois ter-se como não escritas...

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