Acórdão nº 7116/06.8TBMAI.P1.SI de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Herança Jacente de BB, representada pelos filhos deste, CC, DD, EE, FF e GG e contra a Caixa Geral de Aposentações, todos devidamente sinalizados nos autos, pedindo que se declare que tem direito às prestações por morte do seu falecido companheiro, BB e que a 2ª ré seja condenada no respectivo pagamento a seu favor.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que o referido BB, que estava aposentado e era beneficiário da 2ª ré, faleceu, no dia 01/03/2006, no estado de divorciado. A autora é divorciada e com ele viveu, ininterruptamente, desde 1999 até à data do seu decesso, em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, vivendo ambos da pensão de reforma que aquele auferia, no montante de € 1.170,62. O falecido não deixou bens e ela, autora, está desempregada e não possui meios nem rendimentos para prover à sua subsistência e também não consegue obter do seu pai (único ascendente sobrevivo) meios para custear as suas despesas alimentares, nem das suas duas filhas maiores, nem dos seus seis irmãos, por insuficiência económica de todos eles para a auxiliarem, o mesmo acontecendo com a herança do seu falecido companheiro, que igualmente não possui bens ou activos.

Concluiu que se verificam os requisitos de aplicação do regime previsto nos artigos 8º e 25º do DL 322/90, de 18/10, 2º a 4º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/01, 3º alínea e) e 6º n.os 1 e 2 da Lei nº 7/2001, de 11/05.

Ambos os réus contestaram. A Caixa Geral de Aposentações (abreviadamente, CGA), aceitou o óbito do BB e a qualidade de seu beneficiário, mas impugnou, por desconhecimento, a demais factualidade alegada na petição inicial, acrescentando que a autora não alegou todos os factos de que depende a procedência da sua pretensão. Quanto a esta, sustentou, ainda, que a situação em apreço não se reconduz à legislação invocada por aquela mas sim ao estabelecido nos artigos 6º do DL 135/99, de 28/08 e 41º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo DL 142/73, de 31/03, na redacção dada pelo DL 191-B/79, de 25/06.

Pugnou, a final, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Herança Jacente excepcionou a sua própria ilegitimidade passiva e impugnou grande parte da factualidade alegada na petição inicial, tendo concluído pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela sua absolvição do pedido por improcedência da acção.

A autora replicou a ambas as contestações.

Foi proferido despacho saneador, tendo a ré Herança Jacente sido declarada parte ilegítima e absolvida da instância, e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos.

Foi proferida sentença que, sustentando que a autora não logrou “demonstrar que não pode obter alimentos do ex-cônjuge” e que “a herança do falecido não tem bens ou que estes são insuficientes para a atribuição de alimentos”, julgou a acção improcedente e absolveu a ré CGA do pedido.

Inconformada, apelou a autora para a Relação do Porto, que, por acórdão de 10/11/2009, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

De novo inconformada, recorreu a autora para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª - No Acórdão, agora recorrido, há dois aspectos centrais em questão, a saber: a demonstração da impossibilidade de obter alimentos do ex-cônjuge e a demonstração da insuficiência de bens da herança; 2ª - Ora, a nulidade gerada pelo não convite para alegação dos factos concretizadores destes aspectos (quanto aos alimentos do ex-cônjuge), ou a sua melhor especificação e esclarecimento (quanto à insuficiência de bens da herança) deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo; 3ª - O certo é que, no que toca a alegação dos factos relativos à impossibilidade de obter alimentos do ex-cônjuge, poderia o Tribunal de primeira instância ter suprido esta falha em dois momentos distintos; 4ª - Primeiro, aquando da elaboração do despacho saneador, nos termos do artigo 508° n.os 1, 2 e 3 do CPC, ou, segundo, poderia ter vindo solicitar à parte - neste caso a recorrente - mediante despacho de aperfeiçoamento, que alegasse os respectivos factos atinentes à impossibilidade de o seu ex-cônjuge poder prover à sua sobrevivência; 5ª - De resto, apesar daquele Tribunal ter constatado no próprio saneador, a necessidade desses factos, o certo é que o M. mo Juiz de primeira instância nada mais disse a esse respeito, tendo efectuado o julgamento, a resposta aos quesitos, e para total e absoluta surpresa, veio a recorrente a constatar que a sua acção é julgada improcedente por ausência de alegação e prova desses mesmos factos; 6ª - Por outro lado, e apesar de uma tal omissão, sempre a oportunidade de prover a uma justa composição do litígio poderia e devia ter sido efectuada através da ampliação da base instrutória até ao encerramento da discussão ou julgamento, permitida pelo disposto na alínea, f) do n.º 2 do artigo 650º do CPC, é balizada pelo artigo 264º; 7ª - A obrigação de colmatar esta dupla omissão justifica-se por vários motivos, desde logo, em honra aos princípios do sistema Constitucional, Processual Civil e de Acesso ao Direito Português; 8ª – Segundo, porque refere o artigo 265º-A CPC que, quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, o Juiz deve, mesmo oficiosamente, determinar, depois de ouvidas as partes, a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo e definir as necessárias adaptações no seu procedimento, devendo entender-se que a iniciativa da adaptação pode pertencer quer ao Juiz, quer a qualquer das partes, podendo esta adaptação consistir tanto na realização de actos que não sejam previstos na tramitação legal e que se mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade e ao acerto da decisão; 9º - Deve, pois, o processo civil ser um processo justo, não bastando assegurar a qualquer interessado o acesso à Justiça: tão importante como esse acesso é garantir que o processo a que se acede apresenta, quanto à sua própria estrutura, garantias de Justiça; 10ª - O artigo 266º n.º l CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem promover o Princípio da Cooperação: por banda do Tribunal este dever desdobra-se, nos deveres de esclarecimento (artigo 266º n.º 2 CPC), de prevenção - prevenindo as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (artigo 508° n.º l, alínea b), 508º-A n.º 1, alínea c), 690º n.º 4 e 701º n.º l CPC) e de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de ónus ou deveres processuais (artigo 266° n.º 4 CPC); 11ª - É precisamente este dever de prevenção, que tem um âmbito mais amplo: ele vale genericamente para todas as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo, sendo quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa actuação; 12ª - A omissão destes deveres e princípios, designadamente, do dever de cooperação, constituirá uma nulidade processual, se, como em regra sucederá, essa irregularidade puder influir ou exame ou decisão da causa (artigo 201° n.º l CPC) - o que sucede in casu, não tendo tal posição sido sufragada pelo Tribunal a quo; 13ª - Daí que a omissão do poder/dever do Juiz em proferir um despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 508º n.os 1, 2 e 3, ou de, nos termos dos artigos 264º n.º 3 e 650º n.º 2 alínea f), vir ampliar a base instrutória (sendo aqui a concretização do princípio da descoberta da verdade material e o pugnar pelo alcance de uma decisão de mérito) influindo na decisão da causa e na justa composição do litígio, como ocorreu nos presentes autos, fere os mesmos de nulidade, artigo 201º C.P.C; 14ª - Por esse facto é que, ao nível do direito processual civil, têm vindo a ser efectuadas diversas correcções ao Princípio do Dispositivo - as partes dispõem do processo como da relação jurídica material, tendo mesmo deixado de se considerar como um dos princípios basilares do processo civil, em benefício do Princípio Inquisitório; 15ª - Daí que, agora, não careçam de alegação e possam ser oficiosamente considerados os factos instrumentais que resultem da discussão da causa (2ª parte do n.º 2 do mesmo artigo 264°); 16º - Assim se permitindo a ampliação da base instrutória até ao encerramento da discussão, permitida pelo disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 650º do CPC, e balizada pelo artigo 264º; 17ª -O que sucede, in casu, é que a recorrente, tendo alegado todos os factos necessários à procedência do pedido, limitou-se a não alegar o atinente à impossibilidade de prestação de alimentos por parte do ex-cônjuge, facto esse que, dada a extensão de matéria vertida, não constitui o núcleo central de factos a alegar (ele próprio), antes faz parte desse núcleo, é certo, mas uma pequena parte, ou seja, seriam um mero complemento de todos os outros factos já alegados e articulados; 18ª - Daí ser fundada a alegação e legítimo aqui esgrimir o argumento de que o M. mo Juiz de 1ª Instância, poderia ter considerado o facto relativo à impossibilidade do ex-cônjuge da recorrente em dar alimentos, nos termos do artigo 264º n.º 3 e 650° n.º 2 alínea f), assim ampliando a base instrutória, ex oficio - visão que o Tribunal da Relação também não acolheu; 19ª - De facto, a actual lei adjectiva civil procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, o que transparece nos princípios da cooperação, descoberta da verdade material e justa composição do litígio...

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