Acórdão nº 267/08.6TTCVL.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução10 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – 1.

AA, com os sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho da Covilhã, o ‘Instituto do Turismo de Portugal, IP’, pedindo a declaração da ilicitude do despedimento, com condenação do R. na sua imediata reintegração e no pagamento das importâncias que discriminou, com juros de mora.

Alegou para o efeito, em resumo útil, que prestou a sua actividade de formadora, assessora de coordenação e orientadora educativa, por conta, sob a autoridade e direcção do R., desde 15 de Setembro de 2003 e até 14 de Novembro de 2008, mediante contrato de trabalho dissimulado sob as vestes de sucessivos contratos de prestação de serviço, tendo sido despedida verbalmente, na última data referida, sem instauração de processo disciplinar e sem justa causa.

Mais pediu a condenação do R. no pagamento de € 150,00 por cada dia de atraso na sua reintegração, a título de sanção pecuniária compulsória, e na regularização da sua situação junto da Segurança Social e do Fisco.

  1. O R. contestou, aduzindo, em sua defesa, que a A. nunca foi sua trabalhadora dependente, mais afirmando não a ter despedido, mas apenas prescindido dos seus serviços.

    Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente.

  2. Inconformado, o R. apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu conceder parcial provimento à Apelação e, em conformidade: - Declarou que entre A e R. foi celebrado um contrato de trabalho, com início no primeiro dia útil de Setembro de 2003, o qual terminou por despedimento ilícito operado pelo R. com efeitos no dia 17.11.2008; - Que tal contrato é nulo, desde a sua outorgação e, em virtude disso, condenou o R. a pagar à A. as quantias de € 3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; € 5.617,20, a título de indemnização por antiguidade; € 2.726,66, a título de remunerações intercalares, incluindo férias, subsídios de férias e de Natal e respectivos proporcionais; € 13.924,40, a título de subsídios de férias e de Natal, devidos até ao término do contrato (17.11.2008), tudo com juros de mora, na forma discriminada.

  3. Não se resignando, a A. requereu a aclaração do Acórdão e interpôs recurso de Revista, cujas alegações rematou com a formulação destas conclusões: 1. Previamente à alegação acima plasmada, a A. procedeu a requerimento de aclaração, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 669.º do C.P.C., a incidir sobre a condenação ou não do R. na regularização da situação da A. perante a Segurança Social e a Fazenda Nacional e também sobre a inexistência de fundamentação da opção pelo montante de € 5.617,20, a título de indemnização por antiguidade; 2. Independentemente da aclaração que se produza, a A. não se conforma com o Acórdão recorrido, designadamente, sendo esse o objecto do recurso, na parte em que o mesmo considera que ‘o contrato de trabalho vertente nos Autos é nulo, desde a respectiva outorga’, negando por consequência o pedido de reintegração da A. – isto sem prescindir da condenação na substitutiva indemnização por antiguidade, a título subsidiário e caso não se conceda na reintegração; 3. Admitindo a procedência do acima exposto e como decorrência do mesmo, pede-se ainda condenação do Réu, a) "IV) (...) no pagamento à autora da quantia (diária) de € 150 (cento e cinquenta euros) por cada dia de atraso na reintegração, a título de sanção pecuniária compulsória; V) (...) no pagamento à autora da quantia indemnizatória de € 3.000 (três mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, vincendos desde a data da presente decisão e até integral e efectivo pagamento, compulsados à taxa legal de 4% ao ano; VI) (...) no pagamento à autora da quantia indemnizatória global de € 32.181,57, acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano" [acrescidas das prestações retributivas que se venceram desde a data da sentença em primeira instância, cuja actualização deve ser feita aquando da prolação da sentença por esse venerando tribunal, até à efectiva reintegração]; 4. Ainda no que tange ao objecto: independentemente da procedência do acima exposto, no que tange à reintegração da Autora - caso esta proceda ou não -, e para o caso de o pedido de aclaração ser indeferido ou do mesmo não resultar tal condenação, deve, como já decorria, aliás, da sentença do Tribunal do Trabalho da Covilhã, que se cita, o Réu ser condenado "na regularização da situação da Autora perante a Segurança Social e Fazenda Nacional".

  4. E a titulo subsidiário, caso o Réu não seja condenado na Reintegração da Autora, e, bem assim, seja indeferido o pedido de aclaração ou do mesmo não resultar tal condenação, como infra, sendo certo que haveria, em tal caso, lugar à indemnização por antiguidade, a verdade é que tendo em conta o grau de ilicitude recorre-se ainda do montante fixado a título de indemnização por antiguidade.

  5. As conclusões a que chegou a sentença proferida pela primeira instância, de que não há qualquer causa de nulidade dos contratos de trabalho vertente nos autos e que os mesmos foram validamente celebrados, são, a todos os níveis, inabaláveis.

  6. Aos contratos de trabalho celebrados entre a Autora e o Réu, face ao regime implementado pelos Decretos-Leis n.º 277/01, de 19/10, e n."º 141/07, de 27/04, não se aplica a regra da impossibilidade de conversão em contrato sem termo dos contratos de trabalho celebrados; e, por maioria de razão, a consideração do presente contrato de trabalho como tal, seja ou não o mesmo entendido como celebrado ab initio com ou sem termo; sendo ainda correcta a interpretação que é feita na sentença que admite, nas circunstâncias do presente caso, a constituição de relações laborais por tempo indeterminado, sem precedência de processo de selecção; 8. Ainda que assim não se venha a entender, sempre haveria que entender que o Réu, ao alegar que o vínculo dos autos é nulo por violação das normas de recrutamento aplicáveis, age em claro e manifesto abuso de direito – com acolhimento no artigo 334.º do Código Civil –, consubstanciado na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que, durante mais de cinco anos a nulidade do contrato de trabalho celebrado com a Autora nunca foi motivo impeditivo para o Réu receber o seu trabalho (dela), e por isso a trabalhadora confiou, como qualquer pessoa colocada no seu lugar confiaria, que o seu contrato era perfeitamente válido.

  7. E, assim sendo, sendo a conduta do Réu abusiva, a sanção, no caso concreto, consiste em considerar válido o contrato de trabalho da Autora, ainda que se considere que o mesmo não obedeceu e que tal era impreterível – no que não se concede – ao disposto no artigo 8.º, n. 1, da Lei n.º 23/04, de 22 de Junho; 10. Ainda que se venha a declarar a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Réu, o que apenas cautelarmente se admite, tal nunca seria impeditivo da procedência do pedido exarado pela Autora, devendo serem-lhe assegurados todos os direitos como se o contrato fosse válido, designadamente a reintegração ou, aqui se mantendo o pedido subsidiário mas sem prescindir do pedido principal, assim não se entendendo, a indemnização por antiguidade.

  8. Com efeito, o número 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, consagra a possibilidade de os titulares dos órgãos que celebrarem contratos de trabalho nulos, por violação do seu número 1, restituírem ou devolverem as quantias abrangidas pelo facto ilícito em causa, o mesmo que pode dar à origem à reintegração dos trabalhadores.

  9. Porém, quando o Estado ou a pessoa colectiva de direito público em causa obtiver, como no caso dos autos, um qualquer benefício, face ao facto de ter obtido a correspondente prestação laboral, não haverá lugar a nenhuma reposição dos fundos públicos visados - sob pena de o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público obter uma vantagem patrimonial ilegítima.

  10. Ora, se porventura se entendesse que, face à nulidade consequente do que dispõe o número 1 do artigo 7° da lei n. ° 2312004, de 22 de Junho, não haveria lugar a reintegrar o trabalhador (ou a indemnizá-lo em conformidade), então, nessa circunstância, nunca, em nenhuma circunstância, se verificaria a possibilidade de tal nulidade gerar responsabilidade financeira.

  11. Consequentemente, também uma adequada interpretação do n.º 4 do artigo 7.º do referido diploma legal impõe que se admita que as consequências da nulidade decorrente do n.º 1 do mesmo preceito, são a reintegração e, ou a indemnização por antiguidade, reiterando-se aqui o pedido subsidiário - e atempada mente efectuado - desta em relação àquela, mas sem princípio da preferência pelo pedido principal como decorre da natureza do mesma.

  12. Em suma, neste particular e para além do que infra se aduz, ao decidir como o fez, o Acórdão recorrido violou o art. 38.º Decreto-lei n.º 277/01, de 19/10, o artigo 334.º do Código Civil, os artigos 4.º e 7.° da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho e o número 5 do artigo 59.° da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas; e ainda o artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07-12, os artigos 7.º e 8° da lei n.º 23/2004, de 22-06, os artigos 1.º e 15.° do Decreto-lei n.º 141/2007, de 27-04, e os arts. 10.º, 11.º, 12.º, 14.º do Código do Trabalho.

  13. O Tribunal recorrido procede também ao afastamento implícito das normas subjacentes à situação da vida por força de um juízo implícito de inconstitucionalidade, assim como da aplicação expressa de normas inconstitucionais, fruto de uma construção interpretativa equivocada.

  14. Durante mais de cinco anos, a pretensa nulidade do contrato de trabalho da Autora nunca foi motivo impeditivo para o Réu receber o trabalho daquela; e por isso a trabalhadora (aqui Autora) confiou, como qualquer pessoa colocada no seu lugar confiaria, que o seu contrato era perfeitamente válido.

  15. A norma invocada...

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