Acórdão nº 1561/07. 9TBLRA.C.1.S.1. de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 26.406,17 euros, acrescido de juros contados da data em que se apropriou do dinheiro do casal (Março de 2002).

Fundou o seu pedido em acto ilícito ou, subsidiariamente, em enriquecimento sem causa.

Alegou, nuclearmente, que foi casada com o Réu sob o regime de comunhão de adquiridos; que o casamento foi dissolvido por divórcio em 10 de Janeiro de 2003; que, durante o casamento, Autora e Réu eram titulares de contas bancárias sendo que, em Outubro de 2001, ambos tinham aforrado 52.812,33 euros em contas poupança e em títulos; que o Réu, prevendo a ruptura do casal, fez uso daquelas poupanças sabendo que metade era pertença da Autora.

O Réu contestou excepcionando a prescrição e, em impugnação, alegou que a administração era de ambos os cônjuges; que ambos podiam fazer levantamentos e depósitos sem prestarem contas; que parte do depositado nem sequer lhe pertencia pois destinava-se a acertar contas com seu patrão de quem era vendedor e cujo produto das vendas ali depositava; que utilizou parte do depósito para concluir e mobilar a casa do casal; que, quando confrontado com o pedido de separação da mulher, perdeu a cabeça e gastou milhares de euros em casinos.

Na 1ª Instância (Tribunal Judicial de Leiria) a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido.

A Autora apelou para a Relação de Coimbra mas sem sucesso, já que, e para alem da alteração à matéria de facto, manteve o julgado.

Vem, agora, pedir revista.

E assim conclui a sua alegação: - Os factos provados resultam numa conclusão de direito que existia uma situação de conflito entre recorrente e recorrido e que os levantamentos da conta comum do casal foram realizadas de forma voluntária pelo recorrido sem o consentimento da recorrente; - Pelo que violou o seu direito patrimonial e familiar que decorre do artigo 1724.º do Código Civil.

- Quem tem a gestão de uma conta bancária, existindo uma situação de confronto com a parte contrária e procedendo-se ao levantamento de dinheiro de uma conta comum, sem dar explicações ou justificações credíveis para o efeito à contraparte, - Permite-nos concluir, em termos concretos, como comportamento doloso.

- O dano, para a Recorrente é evidente ficou sem parte do seu património.

- Verificando-se todos os requisitos, impostos pela lei e previstos no art.º483 do Código Civil, deve o Recorrido ser condenado a indemnizar a Recorrente do valor peticionado.

- Da violação do disposto no artº 473 do Código Civil e da existência de enriquecimento sem causa.

- Ainda que se não verificassem os pressupostos da indemnização por actuação ilícita do Recorrido, sempre teria a Recorrente direito a ser ressarcida por efeito do enriquecimento sem causa.

- Estando provado que o Recorrido procedeu ao levantamento dos valores depositados na conta do casal, existe um enriquecimento do Recorrido; que resultou no empobrecimento da Recorrente, ou seja, existe um nexo de causa e efeito entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro; não havendo causas justificativas para a deslocação patrimonial que se verificou, conforme ficou provado.

- Por aplicação dos princípios do enriquecimento sem causa, sempre a Recorrente deve ser compensada pelo Recorrido no valor peticionado.

Não foram oferecidas contra-alegações.

A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:

  1. Autora e Réu casaram a 19 de Setembro de 1992, sob o regime de comunhão de adquiridos.

  2. A acção de divórcio deu entrada em 5 de Julho de 2002.

  3. O casamento entre autora e réu foi dissolvido por sentença judicial, transitada em julgado no dia 10 de Janeiro de 2003.

  4. Durante a constância do casamento, autora e réu eram titulares da conta nº ... do Banco Nacional de Crédito E) No processo de inventário que correu seus termos por apenso ao processo de divórcio com o nº 610-A/2002, no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, réu, na qualidade de cabeça de casal, não relacionou os bens e valores depositados na conta referida em c), facto que foi objecto de reclamação por parte da autora.

  5. A reclamação da autora não teve provimento por se ter entendido que o valor reclamado não podia ser relacionado por já não existir aquando da instauração do processo de divórcio.

  6. Na conta referida em D) encontravam-se depositadas as poupanças do casal, correspondendo: a) conta poupança habitação ..., no valor de € 2.538,54; b) Imoprazo P..., no valor de € 12.682,25; c) Imoprazo P..., no valor de €20.121,04; d) Acções, no valor de € 5.905,00; e) BNC euro taxa fixa, no valor de €7.773,95; f) BNC valor, no montante de € 3.791,55; Tudo no total de € 52.812,33. (1º) H) Os valores referidos na alínea anterior, até Outubro de 2001, foram angariados durante o tempo de casamento por ambas as partes, como resultado do trabalho dos elementos do casal. (2º) I) Já há alguns meses antes da instauração do inventário, o casal tinha problemas de relacionamento. (3º) I-1) O réu procedeu ao levantamento de todos os valores referidos em G). (5º) J) Em Março de 2002, o saldo da conta era de € 3,01. (6º) Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.

  1. Regime de comunhão de adquiridos.

  2. Contas colectivas.

  3. Responsabilidade civil do cônjuge.

  4. Enriquecimento sem causa.

  5. Conclusões.

  6. Regime de comunhão de adquiridos.

Do acervo factual acima transcrito resulta, apenas – e na parte que, ora, aqui releva – que o casal da Autora e Réu era titular de uma conta bancária, onde estavam depositadas “as poupanças do casal”, que tinham sido angariadas “durante o tempo de casamento por ambas as partes, como resultado do trabalho” dos cônjuges e que o Réu procedeu ao seu total levantamento.

Está também assente que a Autora e o Réu foram casados sob o regime de comunhão de adquiridos.

Numa primeira abordagem, teremos de afirmar que, face ao disposto no artigo 1724.º do Código Civil, quer o produto do trabalho dos cônjuges, quer os bens adquiridos na constância do casamento (para além do estatuído nos artigos 1733.º, n.º 2 e 1728.º, n.º 1 (desde que não excepcionados, v.g., pelos artigos 1722.º, 1723.º e 1728.º do Código Civil) se integram na comunhão, considerando o princípio de que, ao invés da comunhão geral, a ideia base é que, depois do casamento, só se comunicam os bens adquiridos a titulo oneroso.

Nas palavras do Prof. Pereira Coelho (in “Curso de Direito da Família”, 1987, p. 478) “os bens comuns constituem uma massa...

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