Acórdão nº 81/04.8TBVLF.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente na Rua M... S... B..., ..., ...º Esq., V..., 4... M..., propôs a presente acção com processo ordinário contra BB e mulher CC, residentes em F... de T..., freguesia de T..., T..., V... N... de F... C..., pedindo a sua condenação na restituição da quantia de € 26.186,89, outro tanto peticionando para sua ex-mulher, DD, filha dos RR., cuja intervenção activa requereu.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que enquanto casado com a filha dos RR. viveu, como casal, numa casa pertença destes e em cujos custos de construção comparticipou, pagando alguns materiais e mão-de-obra, própria e alheia, no valor global de € 52.373,76, montante este em que os RR. se enriqueceram e o A. e ex-mulher se empobreceram.

Os RR. contestaram impugnando a matéria alegada para lá da dada como provada na acção com base em acessão industrial imobiliária que entre as partes correu termos (acção ordinária nº 129/98), que em seu entender constitui caso julgado, limitando a procedência da acção à importância de € 2.912,98, correspondente à comparticipação do A. e ex-mulher nas despesas de construção da casa dos RR..

O A. formulou pedido de condenação dos RR. por litigância de má fé, em multa e indemnização extensiva ao pagamento dos honorários de mandatário, sustentando ainda não dever acolher-se o pedido dos RR. de dispensa de pagamento de honorários, face à junção de procuração forense.

No despacho saneador, como questão prévia, foi tacitamente indeferido este último pedido, com base em certo entendimento jurisprudencial.

Após afirmação de que nos autos, no confronto com a acção ordinária nº 129/98, não se patenteia a situação de caso julgado, foi seleccionada a matéria de facto, com os factos assentes e organização da base instrutória, de que houve reclamação por parte do A., com parcial deferimento.

Desta decisão reclamou o A., por obscuridade e contradição (na parte relativa ao indeferimento da reclamação).

Por despacho de 28.9.07 foi indeferido esse pedido com fundamento em que a lei processual não prevê a rectificação da decisão proferida sobre a selecção da matéria de facto, nem pode aplicar-se por analogia o disposto no art. 669º do CPC.

Inconformado com este indeferimento recorreu o A., de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O A. requereu a ampliação do objecto de perícia proposta pelos RR. e, após a oposição destes por impertinência, por despacho igualmente de 28.9.07, foi indeferida a ampliação.

Discordante desta decisão, recorreu também o A., de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, tendo sido a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 14-7-2010, julgado improcedentes os agravos, mas procedente a apelação e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenando-se os RR., a título de enriquecimento sem causa, a restituir ao A. metade das importâncias (materiais assinalados e mão-de-obra) com que contribuiu para a edificação do prédio urbano a que corresponde o art. matricial nº ... da freguesia de T..., concelho de V... N... de F... C..., pertencente aos RR., nos valores parciais já líquidos de € 498,00 e € 249,40 e nas demais a apurar em liquidação posterior, em último caso com recurso a juízos de equidade e eventual consideração do valor do uso da habitação de que beneficiou o casal do A., sendo a outra metade imputada ao ex-cônjuge mulher.

1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Os Réus, ora Recorrentes, decidiram construir uma casa, a partir de uma garagem e armazém existente ao lado da sua casa de habitação e nela alojar a filha, o genro e as netas. O aqui Recorrente, então seu sogro, encomendou materiais, contratou trabalhadores, acompanhou a obra e pagou parte da mão-de-obra.

  1. - O Recorrido suportou as despesas relativas à grade da varanda e ao portão de entrada, no montante de 498,00 euros, e as relativas aos assentamentos de pedra no valor de 249,40 euros. Realizou as obras de canalizador, abrindo roços nas paredes e lajes e instalando as respectivas canalizações de águas e esgotos, bem como colocou as torneiras e louças, tendo ainda pago parte dos materiais aplicados.

  2. - O Recorrido - que pretendia fosse reconhecida a titularidade da casa, por via da acessão imobiliária, a seu favor e da ex-mulher - viu declarada a improcedência da acção interposta contra os aqui Recorrentes com base em dois fundamentos: decisão de construir da iniciativa dos próprios réus e a não exclusividade na construção (proc. Nº 129/1998 T.J.V.N. Foz Côa) 4ª- Na presente acção, o Autor, alegando o seu contributo para a casa, agora com base no enriquecimento sem causa pediu o seu ressarcimento, com base no enriquecimento sem causa dos aqui Recorrentes.

  3. - A douta sentença proferida em 1ª instância negou a procedência com base na invocação da figura da obrigação natural. Por sua vez, o douto Tribunal da Relação, com um voto de vencido, disse verificarem-se no caso os requisitos do enriquecimento sem causa, basicamente, por se ter defendido que "a participação do A. na construção da obra não visou altruisticamente beneficiar os sogros " e que, com o divórcio, "quem disso beneficiou foram os próprios Réus que viram o seu património aumentado".

  4. - O Tribunal da Relação não ponderou devidamente todos os argumentos desenvolvidos na robusta argumentação da sentença da 1ª instância: Com, efeito não pode ser ignorado na ponderação do caso: a) A base económica do casamento traduzida "no dinheiro auferido pelo Autor, os serviços prestados pela mulher cônjuge e nas ajudas dos sogros" b) A conduta do Autor, pautada pelas " mais elementares normas de civilidade e de justiça pois que: "ao financiar a adaptação da casa dos seus sogros para que melhor (em seu próprio entender .. .) ela pudesse servir de casa de morada da família que compôs com a sua esposa e filhos, o aqui autor agiu como mandam as mais elementares normas de civilidade e de justiça".

    c) O carácter justo da acção do Recorrido: "O que está vedado ao autor, precisamente pelo carácter justo que teve a sua acção, é accionar judicialmente qualquer dos aqui réus" d) O tratamento por igual quanto à contribuição de ambos os cônjuges (um, com dinheiro, o outro, com a sua disponibilidade e apoio pessoal): "porque exigências de modernidade social e jurídica impedem a separação, a esse nível, de qualquer dos elementos do casal” e) O princípio análogo defendido pelo STJ, no acórdão citado, 18.12.2008: "Este procedimento" (suportar um custo para obras) "é comum e sociologicamente um dado da nossa convivência social que exprime solidariedade familiar, pelo que, razoavelmente, incute confiança e estabilidade que não podem ser traídas por vicissitudes ... " f) Todo o trabalho invisível da ex-cônjuge do Recorrido: "não houvesse todo o trabalho invisível de suporte do agregado - aquilo a que o povo ainda chama "cama, mesa e roupa lavada ", bem como a guarda e educação das crianças - e jamais sobraria, da profissão do autor cêntimos suficientes para pagar fosse o que fosse ao carpinteiro GG-"A..." ou ao "perito" HH." 7ª- "O autor, ao prover às necessidades do casal integrado pela interveniente e filhos de ambos, cumpriu uma obrigação natural; pode reaver o que prestou, de livre vontade de eventuais beneficiários, não pode accioná-los judicialmente ".

    (sentença, fls. 11-12) 8ª- Além de que o mesmo acórdão é fundadamente passível da critica constante dos fundamentos da douta declaração do distinto desembargador que votou vencido, ao quais se reeditam: São eles: a) A verificação no caso de causa justificativa para a deslocação patrimonial: "é que as obras efectuadas vieram efectivamente a cumprir o destino que era a sua causa, visto que foram efectivamente gozadas pelo Autor e seu agregado familiar" b) Uma conduta que traiu as expectativas e confiança criada nos Réus: "o facto de o A. ter com participado na remodelação da casa que era pertença dos RR. sem então exigir daqueles o que quer que fosse, só podia criar nos RR. a convicção de que jamais lhe solicitaria as verbas despendidas ... " c) A condenação dos aqui Recorrente como um sacrifício que excederia sempre os limites impostos pela boa-fé por virtude do "sacrifício económico insuportável que poderia significar ..

  5. - As particularidades físicas da casa que se fez e do teor da sua documentação permitem adquirir uma compreensão plena do caso, do ponto de vista do entendimento relativo à obrigação natura e da confiança e expectativas criadas: 1. Particularidades físicas: - as mesmas escadas...

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