Acórdão nº 294/06.8TVPRT.91.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | ÁLVARO RODRIGUES |
Data da Resolução | 17 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra: 1.º.
BB, S.A.
, 2.º.
CC 3.ª Construtora do N....... – Indústria e Construção, Planeamento e Transacções Imobiliárias, Lda e 4.ª.
CC – Construções, E.I.R.L., pedindo que: – Seja declarado nulo, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, o contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos junto aos autos como doc. 4; – Seja igualmente declarada nula, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, a escritura de dação em cumprimento junta aos autos como doc. 3; – Seja ainda declarada a nulidade, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, a procuração irrevogável junta aos autos como doc. 5; – Seja por último declarado nulo, de tal facto se extraindo todas as legais consequências, o substabelecimento junto aos autos como doc. 6; – Sejam os Réus solidariamente condenados a restituírem à Autora os quatro prédios urbanos, descritos na competente Conservatória do Registo Predial de Olhão com os nºs 4.188/Quelfes, 4.189/Quelfes, 4.190/Quelfes e 4.204/Quelfes, inscritos na respectiva matriz predial urbana sob os artigos, respectivamente, 4715, 4716, 4717 e 4728; Ou, alternativamente, – Sejam os Réus solidariamente condenados a entregar à Autora a quantia correspondente ao valor de tais imóveis, que se aceita ser, no global, de € 300 143,48; – Sejam os Réus, solidariamente, condenados a pagar à Autora os juros moratórios contados à taxa legal aplicável, sobre a referida quantia de € 300.143,48, desde a data da respectiva citação até integral cumprimento da obrigação de reintegração da Autora.
Alegou que o direito de propriedade relativo aos quatro imóveis atrás identificados, todos sitos em Quelfes, Olhão, passou da esfera jurídica da Autora para a esfera jurídica da Ré BB, S.A. (actual denominação da sociedade Companhia Geral de C.......P.....P......, S.A.), através dos vários actos jurídicos que pretende ver anulados: “contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos”, celebrado em 27/11/2002; “procuração irrevogável”, outorgada em 06/12/2002; “substabelecimento”, outorgado em 17/10/2003; “escritura pública de dação em cumprimento”, celebrada em 18/12/2003.
O referido contrato de consolidação fez com que a Autora, representada pelo Réu CC, assumisse a obrigação de pagar à Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) os referidos débitos da Ré Construtora N......., S.A. e do Réu CC – Construções, E.I.R.L., negócio que é estranho ao objecto da Autora, que colide com o escopo lucrativo da sociedade Autora, que atenta contra os interesses patrimoniais da Autora e dos seus sócios, que não apresenta qualquer contrapartida para a Autora e que não se justifica por qualquer interesse da sociedade Autora, razão pela qual é nulo tal negócio, como são nulos todos os actos jurídicos posteriores, não podendo vincular a sociedade Autora.
A Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) não podia ignorar a falta de poderes para o Réu CC representar validamente a Autora em tais actos, actuando em conluio com este, no ensejo de, injustamente, se locupletar à custa do património da Autora, que nada lhe devia ou deveu, conluio esse que abrange também os Réus Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L., os quais enriqueceram, porquanto se viram libertos da respectiva obrigação perante a Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.), sem que para o efeito tivessem ressarcido quem por eles ficou onerado na obrigação de que se libertaram, i.e., a Autora.
Declarada a nulidade, deve ser restituído à Autora tudo o que esta entregou à Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente, sendo responsáveis, solidariamente, a Ré BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.), o Réu CC, visto ter praticado acto contrário aos seus deveres legais de gerente, e as Rés Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L., por enriquecimento sem causa.
Regularmente citados, todos os Réus apresentaram contestação.
O R. BB, S.A. (C.......P.....P......, S.A.) invocou o abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium (cujo conhecimento foi relegado para final no despacho saneador), uma vez que quem propôs e negociou a cessão de créditos com o banco Réu foi a sociedade Autora, validamente representada pelo seu gerente, sociedade que vem agora propor a presente acção, peticionando a nulidade do negócio celebrado; e impugnou, refutando-a, a versão da Autora, alegando que o contrato de cessão de créditos celebrado é válido e do mesmo não resultou qualquer prejuízo para a Autora.
De facto, tal contrato não traduz uma assunção de dívida por parte da Autora, mas sim uma cessão de créditos do banco Réu para a Autora, cessão de créditos que teve como contrapartida o pagamento do preço de valor equivalente ao crédito cedido, preço que veio a ser pago, pela Autora, mediante dação em pagamento de quatro prédios de sua propriedade, sendo certo que os prédios tinham valor equivalente ao do preço fixado para a cessão de créditos e sendo ainda certo que a Autora ficou titular dos créditos cedidos, podendo exigir o seu pagamento dos devedores, pagamento esse que até foi efectuado.
Os Réus CC, Construtora N......., S.A. e CC – Construções, E.I.R.L. invocaram a excepção dilatória de caso julgado; e impugnaram a versão da Autora, alegando que o Réu CC actuou com o conhecimento e sem qualquer censura por parte dos outros sócios da Autora, não extravasando o âmbito dos poderes representativos que lhe foram conferidos pela lei, que o negócio reverteu em benefício da Autora, até porque esta era devedora ao Réu CC de várias quantias, a título de suprimentos, tendo querido pagar, com este acto, parte dessa dívida.
A Autora replicou, afirmando a inexistência do caso julgado.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de caso julgado e relegado para final o conhecimento da excepção peremptória de abuso do direito.
Após a legal tramitação e realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido.
Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação do Porto que, dando provimento ao recurso interposto, revogou a sentença recorrida, declarando a nulidade do contrato de consolidação, confissão e cessão de créditos, da escritura da dação em cumprimento, da procuração irrevogável junta aos autos como doc. 5 e do substabelecimento junto aos autos como doc. 6 e, outrossim, condenou solidariamente os Réus a restituir à Autora os 4 (quatro) prédios urbanos identificados nos autos.
Foi a vez de o Réu BB, SA, inconformado, vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª- Os negócios cuja nulidade se pretende ver declarada são contratos onerosos celebrados entre as sociedades que os outorgaram.
2a- Mediante um desses contratos a recorrida adquiriu, pelo preço de €300.143,48 os créditos que o banco recorrente detinha sobre as demais sociedades rés.
3a- Tendo para pagamento desse preço, equivalente ao valor dos créditos comprados, dado em pagamento quatro prédios do seu património, que detinham um valor equivalente ao dos créditos adquiridos.
4a- Este contrato, por não se tratar de qualquer liberalidade mas sim de um acto oneroso, não violou o disposto no art. 6o do CSC, nem em qualquer outra disposição legal, não tendo traduzido para a recorrida qualquer prejuízo patrimonial.
5a- O douto acórdão recorrido ao não ter entendido dessa forma não fez uma correcta aplicação do disposto nos art. 236° e 237° do CC e no art. 6o do CSC.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a Autora pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.
FUNDAMENTOS Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade: 1. A sociedade Autora (AA – Fomento e Gestão Imobiliária, Lda.) encontra-se abrangida por plano...
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