Acórdão nº 12/09 9T2STC.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB, mulher CC e DD.

Pediu se declarasse o seu domínio e a condenação dos Réus a reconhecerem-no dono do prédio rústico denominado “D...”, situado na freguesia e município de Santiago do Cacém, restituindo-lho livre de pessoas e bens e, apenas os primeiros Réus, a demolirem todas as construções aí implantadas com excepção de um prédio destinado a habitação “actualmente averbado em nome do 1.º Réu cujo valor, desde já, o Autor se propõe pagar aos 1.ºs Réus.” Contestaram os demandados deduzindo pedidos reconvencionais de remição do arrendamento rural, mediante o pagamento ao demandante do valor do terreno ou, se tal não procedesse, a sua condenação a pagar-lhes as benfeitorias no valor de 154.000,00 euros.

Na Comarca do Alentejo Litoral (Santiago do Cacém) foi proferida sentença a declarar o Autor dono do referido prédio, a condenar os 1.ºs Réus a reconhecerem tal direito e a restituírem o imóvel livre de pessoas e bens.

O 2.º Réu foi absolvido do pedido.

A reconvenção foi julgada procedente parcialmente e o Autor condenado a pagar aos 1.ºs Réus a quantia de 50.500,00 euros pela benfeitoria (casa de habitação) ordenando-se o cancelamento de inscrições prediais.

O Autor e os Réus BB e CC apelaram para a Relação de Évora.

Nessa instância foi julgado procedente o recurso do Autor, que foi absolvido do pedido reconvencional, e improcedente a apelação dos Réus.

Vêm agora os Réus pedir revista.

E assim concluíram a sua alegação: - O A./recorrido pediu a final, na sua petição, que os RR/recorrentes fossem condenados a demolir todas as construções implantadas no prédio rústico de que o A. é proprietário, com excepção da benfeitoria constituída por um prédio destinado a habitação com duas divisões e 40m2 de superfície coberta, inscrito na matriz sob o art° 686° da freguesia de Santiago do Cacém em 1937 e actualmente averbado em nome do 1° R, cujo valor, desde já o A. se propõe a pagar aos 1°s RR.

- E, no art° 34° da sua réplica, escreveu o A.: no que respeita à benfeitoria, aceita-se que o R. a tenha adquirido pois encontra-se actualmente inscrita em seu nome na Repartição de Finanças de Santiago do Cacém e por essa razão — e só por essa — o A. declarou estar disposto a pagar ao l R. o valor daquela.

- É consabido — e é jurisprudência uniforme — que aos Tribunais de recurso está vedada a apreciação de questões novas, estando os seus poderes de sindicância limitados às questões levantadas pelas partes na 1.ª Instância. Ora se logo na petição inicial, o A. se propôs pagar aos 1°s RR o valor da benfeitoria/casa de habitação, art° 686 da freguesia de Santiago do Cacém, propósito que confirmou no art° 34° da sua réplica, é óbvio que não podia ter sido acolhida a sua pretensão de, em sede de apelação, ser revogada a sentença no segmento em que condenou o A. a pagar aos 1°s RR. o valor da referida benfeitoria.

- Daí que o aliás douto acórdão recorrido, ao revogar o referido segmento da douta sentença da 1.ª Instância, salvo o devido respeito, violou o disposto nos art°s 264° (principio dispositivo), 268° (princípio da estabilidade da instância) e art° 273° (alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo), todos do CPC.

- Acresce que não colhe o argumento aduzido pelo Tribunal a quo — nulidade do contrato de compra e venda da benfeitoria por inobservância de forma legal — porquanto as benfeitorias (ainda que consistam em construções), constituem, conforme resulta do art° 1345°/5., CPC, direitos de crédito (e não direitos reais), não estando a validade da sua transmissão condicionada à sua formalização por escritura pública (art° 578°/2, CC, a contrario).

- Deve ser reconhecido aos aqui recorrentes o status de arrendatários do prédio em causa, porquanto: - A cessão da posição contratual a favor do 1.º R. foi aceite e reconhecida pelos então proprietários do prédio rústico em causa, que, inclusivamente, antes de vender o prédio ao A., deram aos RR. o direito de preferência (doc. 7, in fine, junto com a contestação/reconvenção), como aliás já tinham reconhecido a anterior cessão ocorrida em 12/9/1974.

- Não colhe a invocação do n°1 do art° 36° da Lei n° 76/77, de 29 de Setembro, uma vez que tal preceito é inconstitucional, no segmento em que proíbe a cessão da posição contratual a terceiros, ao mesmo tempo que a permite (e o subarrendamento ou comodato) desde que feita a uma sociedade cooperativa agrícola, com o que viola o disposto nos art°s 62° e 13°, da CRP (com efeito, se a Constituição garante a todos o direito à propriedade privada, não pode depois a Lei ordinária retirar ao proprietário o direito de aceitar, ou não, que o arrendatário de um prédio rústico seu transmita a terceiro, por meio de cessão, a sua posição contratual, ao mesmo tempo que privilegia as cooperativas agrícolas em detrimento das outras sociedades agrícolas e dos agricultores em nome individual, competindo em exclusivo ao proprietário — porque goza de modo pleno e em exclusivo dos direitos de uso e fruição do que lhe pertence - aceitar ou não, a cedência e a inerente substituição de um arrendatário por outro.

- Atento o disposto no art° 204°, da CRP, não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, pelo que não deveria o douto acórdão recorrido ter decretado a nulidade da cessão com base na proibição do n°1 do art° 36° da Lei n° 76/77.

- Ora, sendo válida a cessão da posição contratual de 19/05/1987, segue-se que a acção tem de improceder: a existência de uma relação de arrendamento sobre o prédio reivindicado, aceite e reconhecida pelos anteriores proprietários ao longo de 13 anos, é facto impeditivo da restituição da coisa reivindicada, conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência.

- Já o pedido reconvencional (principal) deverá proceder: sendo os recorrentes arrendatários, por nessa qualidade terem sucedido aos primitivos arrendatários, estando as terras em mato a quando do seu arrendamento, os recorrentes têm o direito de remir o contrato de arrendamento de 20/10/1895, nos termos do DL 547/74 e Lei 108/97, pagando ao proprietário/senhorio o valor do terreno: 2.056,25€.

- Flui do supra exposto que o douto acórdão recorrido, ao aplicar ao caso vertente o art° 36° da Lei 76/77 — preceito que é inconstitucional - violou o disposto no art° 204°, da CRP, pelo que deve ser revogado.

- Subsidiariamente, para o caso de a acção ser julgada procedente: devem os recorrentes ser indemnizados de todas as benfeitorias existentes no prédio, ou porque eles próprios as implantaram (duas delas após licenciamento camarário) ou porque as adquiriram, por cessão, aos anteriores arrendatários, não tendo o douto acórdão recorrido aplicado aos factos o disposto no art° 1273°, CC, que assim também foi em parte violado.

Contra alegou o recorrido em defesa do julgado.

As instâncias deram por definitivamente assente a seguinte matéria de facto: - A propriedade do prédio rústico, denominado “D...”, sito na freguesia e concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob a ficha n° 00287/030186, está inscrito a favor do Autor, pela inscrição G-3 (alínea a) dos factos assentes); - O referido prédio está inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 114°, secção M, de freguesia de Santiago do Cacém (alínea b) dos factos assentes); - Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 19 de Dezembro de 2000, lavrada a fls. 29 a 30 do Livro 116-F do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, EE e marido, FF, GG, casado com HH, II e mulher, JJ, LL, MM, NN e mulher, OO, PP e marido, QQ, declararam todos, com excepção da OO, que prestou o seu consentimento, vender o prédio rústico identificado nas alíneas anteriores, pelo preço de € 33.918,26 / 6.800.000$00 (alínea c) dos factos assentes); - Por escritura pública celebrada em 15 de Agosto de 1895, lavrada a fis. 180 a 200, do Livro 147, do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, RR declarou dar de arrendamento o prédio rústico identificada nas anteriores alínea a) e b) a SS e mulher, TT, pelo prazo de 200 anos, mediante a renda anual de 45,942 litros de trigo (alínea d) dos factos assentes); - Sobre este prédio encontra-se construída uma casa, com duas divisões, com a superfície coberta de 42 m2, inscrita na matriz sob o artigo 686°. da freguesia de Santiago do Cacém, cuja titularidade se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor de UU (alínea e) dos factos assentes); - UU faleceu a 23 de Agosto de 1993, no estado de divorciado (alínea f) dos factos assentes); - A casa descrita na alínea e) encontra-se inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 686 do concelho e freguesia de Santiago do Cacém, estando a sua titularidade inscrita a favor do Réu BB (alínea g) dos factos assentes); - A 14 de Outubro de 1999, o referido encontrava-se inscrito na mesma Repartição de Finanças a favor de UU (alínea h) dos factos assentes); - Por escritura de 12 de Setembro de 1974, A...G..., J...M...R...S..., em representação de J...B... e mulher, L...de J..., J...M...B... e mulher, M...G..., G...C... e seu marido, D...G...M..., A...de M... e mulher, C...da E...

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