Acórdão nº 6845/07.3TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA(1): AA- “O... S... – Actividades Hoteleiras, Ldª”, com sede em S. Mamede de Infesta, Matosinhos, propôs a presente acção declarativa com processo comum, sob a forma de processo ordinário, contra BB-“E...–Actividades Hoteleiras, Ldª”, com sede em B... do M..., G..., pedindo que, na sua procedência, seja anulado o contrato de trespasse outorgado entre a autora e a ré, com fundamento no disposto pelos artigos 253º, 254º, nº 1 e 287º, todos do Código Civil, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia que dela recebeu, no total de €80000,00, nos termos contratados, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.
Na contestação, a ré conclui pela improcedência da acção, não se anulando, inerentemente, o contrato de trespasse, com base nos fundamentos admitidos pela autora, e, decorrentemente, deverá a ré ser absolvida dos pedidos e, em sede reconvencional, pede que seja declarado incumprido o contrato definitivo de trespasse celebrado entre as partes, por motivo doloso imputável, única e exclusivamente, à reconvinda e, em consequência, que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, condenando-se a reconvinda a pagar à reconvinte, a título de danos resultantes da responsabilidade contratual, o montante indemnizatório global de €32500,00, acrescido de juros, calculados à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção até integral e efectivo pagamento.
Na réplica, a autora defende a improcedência do pedido reconvencional e conclui como na petição inicial.
A sentença julgou a acção e a reconvenção, parcialmente, procedentes, e, em consequência, declarou nulo, por falta de um requisito legal, o contrato de trespasse celebrado entre a autora e a ré, condenando esta a pagar àquela a quantia de €61 250,00.
Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou a ré BB“E... – Actividades Hoteleiras Lda” a restituir à autora AA-“O... S... – Actividades Hoteleiras Lda”, o preço do trespasse do estabelecimento comercial de cafetaria/pastelaria, denominado CC-B...G..., que recebeu da última, até ao limite de €75 000,00, subtraído do valor do gozo daquele estabelecimento pela autora, durante 11 meses, que se vier a liquidar, mantendo, no mais, a sentença impugnada.
Deste acórdão da Relação do Porto, a ré interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – O Venerado Tribunal da Relação do Porto deveria interpretar o disposto nos n.s° 1 e 2 do artigo 14° do Decreto-Lei 168/97 de 4 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 57/02 de 11 de Março, de forma restritiva, concluindo que se trata de uma nulidade atípica, da qual não se podia conhecer oficiosamente; 2ª - Tanto mais que, a questão da validade não foi alegada por nenhuma das partes, nem constitui a causa de pedir; 3ª - Outrossim, as partes bem sabiam da inexistência do alvará, o que aliás consta expressamente dos contratos existentes nos autos, sendo que, pese embora tal facto, as partes quiseram contratar, pelo que o negócio em causa deveria ser analisado e interpretado por recurso ao artigo 405° do Código Civil; 4ª - Ainda que se entenda que a nu/idade do contrato de trespasse podia ser declarada, deveria o Tribunal Judicial de Matosinhos notificar previamente as partes para se pronunciarem sobre o novo objecto de decisão, não o tendo feito trata-se de uma "decisão surpresa", que traduz numa nulidade processual, por não ter sido dado cumprimento ao princípio do contraditório estatuído no artigo 3o n.° 3 do C.P.C.; 5ª - A nulidade em causa foi tempestiva e adequadamente arguida através do meio próprio - que se entende ser o recurso de apelação interposto, porquanto foi a própria sentença que deu cobertura, ratificou e contemplou a omissão processual enunciada, afirmando até expressamente inexistirem nulidades; 6ª - Para finalizar, brotará dos argumentos expostos que em termos decisórios nos autos tomou-se conhecimento de questões de que não se podia conhecer, corroborando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto o entendimento já tido em primeira instância, em clara incompatibilidade com o princípio do dispositivo e consequente violação do preceituado nos artigos 3o, 264°, e 668° n.° 1 alínea d) do C.P. C.
A autora não apresentou contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. No dia 30 de Junho de 2006, os sócios da autora outorgaram com a ré um contrato que designaram de promessa de trespasse e, nos termos da cláusula segunda do sobredito contrato, convencionaram as partes o seguinte: "pelo presente contrato, a primeira outorgante promete trespassar aos segundos ou a quem estes indicarem (nomeadamente a uma sociedade que irão constituir os segundos outorgantes), livre de quaisquer ónus ou encargos ... o aludido estabelecimento comercial." (Cfr. doc. de fls. 202 a 206) – A).
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Convencionaram as partes que o preço do trespasse do aludido estabelecimento comercial seria de €150.000,00, pago do seguinte modo: a) a quantia de €10.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, que na data da respectiva outorga a aqui ré recebeu dos sócios da aqui autora (Cfr. doc. de fls. 202 a 206); b) a quantia de €25.000,00, a título de reforço do sinal no prazo de cinco dias a contar da assinatura do presente contrato (Cfr. doc. de fls. 202 a 206); c) a quantia de €40.000,00, na data da celebração do contrato definitivo, a efectuar até 31 de Julho de 2006 (Cfr. doc. de fls. 202 a 206); d) A quantia de €75.000,00 a ser paga em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas de €1.250,00 (Cfr. doc. de fls. 202 a 206) – B).
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No dia 16 de Agosto de 2006, os sócios da aqui autora e a aqui ré outorgam um aditamento ao contrato-promessa de trespasse, assinado em 30 de Junho de 2006, e, nessa data, procederam ao pagamento da quantia de €20.000,00, como reforço do sinal, obrigando-se a entregar montante igual de €20.000,00, na data da celebração da escritura, a efectuar até dia 31 de Agosto de 2006 (Cfr. doc. de fls. 207-208) – C).
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Posteriormente, no dia 31 de Agosto de 2006, foi outorgado o respectivo contrato de trespasse definitivo entre autora e ré, tal como ressuma do doc. de fls. 18 a 20 – D).
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No mesmo dia, autora e ré outorgaram outro contrato definitivo de trespasse (referente ao mesmo contrato-promessa de trespasse e aditamento), tal como ressuma do doc. de fls. 21 a 25 – E).
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Desde a data da outorga do contrato-promessa de trespasse, até ao dia 31 de Agosto de 2006, data da outorga do contrato definitivo, a autora pagou à ré a quantia total de €75.000,00, como havia sido convencionado – F).
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Depois do aludido em F), a autora liquidou à ré mais três prestações, no montante de €1.250,00, e vencidas em 1 e 30 de Setembro, e 30 de Outubro de 2006, num total de €3.750,00, sendo que, a partir de Novembro de 2006, não mais pagou – G).
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Ainda convencionaram o seguinte: "O presente contrato é celebrado sob as condições resolutivas: a) De a primeira outorgante (aqui ré) obter o licenciamento do estabelecimento, competindo-lhe diligenciar junto da Câmara Municipal de Matosinhos para esse fim, nomeadamente apresentar todos os requerimentos pertinentes e os projectos, incluindo os de especialidade, que venham a ser solicitados; b) De o proprietário do estabelecimento a que alude a cláusula 11 (aqui ré) não exercer o direito de preferência que legalmente lhe assiste no trespasse do mesmo ou não o impugnar judicialmente – H).
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Ainda convencionaram o seguinte: "No caso de se verificar alguma das condições anteriormente referenciadas, a segunda outorgante poderá resolver o contrato, ficando a primeira obrigada a devolver à segunda todas as quantias que por esta lhe tenham sido entregues, no prazo de cinco dias a contar da resolução." – I).
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No dia 30 de Janeiro de 2007, a autora remeteu à ré a carta de fls. 26, onde se lê, além do mais, "Em conformidade com o contrato de Trespasse celebrado em 31 de Agosto de 2006, sob as condições resolutivas de ser concedido licenciamento ao estabelecimento, objecto de contrato, no qual o Exmo. Sr. fica encarregue de diligenciar junto da Câmara Municipal de Matosinhos, nomeadamente a apresentar todos os requerimentos pertinentes e projectos, incluindo os de especialidade, que venham a ser solicitados, ficam congelados os pagamentos das prestações mensais devidas, por aplicação do referido contrato, até que se faça prova de que se encontra a decorrer o processo de licenciamento" e "assim, em consequência disso, deverá V. Ex...
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