Acórdão nº 536/03.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. AA intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Euro 2004 - Sociedade Promotora da Realização em Portugal da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 379.723,91€ acrescida de juros de mora desde a citação,correspondente aquela quantia a remunerações, subsídios vários e outras regalias a que tinha direito como administrador da Ré e que não auferiu por ter sido destituído do cargo sem justa causa.

  1. Alegou o A. que foi eleito pela assembleia geral da ré Vice-Presidente do Conselho de Administração para o quadriénio 2000/2003 em conformidade com o estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 33/2000, de 14 de Março e que logo iniciou funções.

  2. Sucede, porém, que foi destituído de administrador por deliberação da assembleia geral da ré de Outubro de 2001 constando do registo comercial o Av1 - Ap.00/00000.09.09 a cessação de funções do ora autor por ter sido destituído em 4-1-2001.

  3. Tal destituição foi tomada sem justa causa. Por isso assiste ao A.

    o direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos que se traduzem na perda das remunerações, subsídios, seguros, despesas a efectuar com cartão de gasolina e com a utilização de telemóvel tudo no montante reclamado acima indicado.

  4. Contestou a Ré sustentando o seguinte: 1.º - Ser parte ilegítima visto que os dois únicos accionistas da ré - o Estado e a Federação Portuguesa de Futebol - acordaram em Regulamento Interno aprovado pela assembleia geral assegurar o pagamento das despesas e responsabilidades respeitantes ao pessoal designado e contratado por cada um deles, o que é o caso do autor que foi nomeado accionista por indicação do accionista Estado.

    1. - Ocorrer a caducidade do mandato do autor visto que a cessação de funções do autor decorreu da alteração dos estatutos da ré operada pelo Decreto-Lei n.º 267/2001, de 4 de Outubro.

      5.1. Com efeito, a partir da entrada em vigor deste diploma, ocorrida no dia seguinte ao da sua publicação, o conselho de administração passou a ser composto por um presidente, um vice-presidente e cinco administradores sendo indicados o vice-presidente e 3 administradores pela UEFA e os dois restantes administradores pela FPF (artigo 12.º dos estatutos); de acordo com os estatutos com a redacção anterior dada pelo Decreto-Lei n.º 33/2000, de 14 de Março o conselho de administração era composto por presidente e vogal nomeados pelo accionista Federação Portuguesa de Futebol, vice-presidente e vogal nomeados pelo accionista Estado sendo o terceiro vogal nomeado de comum acordo entre os respectivos accionistas.

      5.2. Ora, no entender da ré, com a entrada em vigor dos novos estatutos deu-se a caducidade do mandato do autor visto que o Estado, não obstante continuar a deter a qualidade de accionista, perdeu o poder de indicar qualquer membro do conselho de administração.

      5.3. A caducidade do mandato é justificada pela ré nos seguintes termos: a) o autor não dispunha de qualquer direito adquirido à manutenção no cargo até ao termo do mandato.

      1. A sua permanência no cargo estava condicionada à representação do Estado no respectivo conselho de administração como entidade portadora e representativa dos seus interesses, situação que o legislador quis que se deixasse de verificar.

      2. Esta situação é diversa daquela que ocorreria se o autor fosse substituído, sem justa causa, mas mantendo o Estado a possibilidade de continuar a nomear representantes seus para o Conselho de Administração.

    2. - Verificar-se, finalmente, que o autor , nos termos do artigo 403.º do Código das Sociedades Comerciais, apenas tem direito à indemnização pelos prejuízos efectivamente sofridos, ou seja, pelos danos emergentes e nunca pelos lucros ou regalias cessantes, constatando-se que o autor reclama os lucros cessantes derivados da cessação antecipada do seu mandato.

      5.4. A indemnização que pode ser reconhecida a título de lucros cessantes será aquela que decorre do Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro) sendo certo que, à luz deste diploma, não são considerados gestores públicos os indivíduos designados por eleição para os órgãos de gestão de sociedades de capitais públicos ou participadas.

      5.5. Quanto a estes, a sua exoneração pode fundar- -se em mera conveniência de serviço mas, em tal caso, “ quando as funções forem prestadas em regime de comissão de serviço ou de requisição, a indemnização eventualmente devida será reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como administrador e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções”.

      5.6. E - prossegue a ré - “ mesmo na hipótese de se consideraraplicável o Estatuto do Gestor Público ao caso sub judice , a qual não se admite nem concede, seria forçoso concluir que a indemnização a atribuir ao autor estaria limitada à diferença entre o vencimento auferido como gestor e o vencimento atribuído à categoria de origem, à data da exoneração, multiplicada pelo número de meses em falta para o termo do mandato. E, além disso, se o valor apurado ultrapassasse o valor do vencimento anual como gestor, seria este o valor da indemnização e não outro.

  5. No saneador as partes foram julgadas legítimas e no processo, após as vicissitudes que os autos documentam, foi proferida sentença em 28-11-2008, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 309.320,38€ acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

  6. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação, por acórdão de 1-7-2001, concedeu-lhe provimento, revogando a sentença e absolvendo o réu do pedido.

  7. Sustenta o autor, nas conclusões da respectiva minuta de revista para este Supremo Tribunal, que o dever de indemnizar é consequência natural da destituição ad nutum e, contrariamente ao que defende o Tribunal da Relação, estão alegados e provados prejuízos como decorre da matéria de facto.

  8. Tal valor é o referido no artigo 257.º/7 do Código das Sociedades Comerciais, traduzindo-se no pagamento aos destituídos sem justa causa de uma indemnização calculada na base dos vencimentos que aufeririam se continuasse em funções até ao final do período de vigência em curso do contrato de administração, dispensando-se qualquer tipo de prova quanto à verificação dos prejuízos.

  9. Por outro lado, o autor alegou e provou ter sofrido prejuízos efectivos, constituindo entendimento da doutrina e jurisprudência que se aplicam as regras de revogação do mandato, para efeitos de atribuição de indemnização, aos administradores destituídos sem justa causa e antes do termo do mandato, por analogia, designadamente com os artigos 1156.º e 1172.º, alínea c) do Código Civil por força do disposto no artigo 987.º/1 do mesmo diploma e com os artigos 430.º/3 e 257.º/7 do Código das Sociedades Comerciais.

  10. Ora o artigo 1172.º, alínea c) limita o cálculo da indemnização ao lucro cessante que corresponde à perda de remuneração até final do mandato correspondente à frustração de um ganho.

  11. Não se pode frustrar legítimas expectativas e o normal plano de vida daí decorrente, mesmo ao quadro superior de uma empresa, seja ou não administrador, sob pena de se violar o princípio da estabilidade contratual, o princípio da confiança e o direito à estabilidade e segurança no trabalho, direito fundamental consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, sendo inconstitucionais todas as limitações ao direito à indemnização face ao disposto no artigo 62.º/1 da Constituição.

  12. Aliás, em sede de ónus da prova, o autor provou o seu direito à indemnização, não provando a ré que o autor obteve de imediato lugar com remuneração e demais benefícios complementares idênticos, mostrando- -se, consequentemente, violados os artigos 53.º e 62.º da Constituição, os artigos 406.º, 987.º/1, 1156.º, 1170.º, 1172.º, alínea c), 562.º, 564.º/1, 342.º/1 e 2 do Código Civil, 257.º/7 e 430.º/3 do Código das Sociedades Comerciais, bem como os princípios da boa fé, da estabilidade contratual e da confiança.

  13. E ainda que não tivesse o recorrente alegado factos relativos ao seu direito, o Tribunal deveria relegar a fixação do montante da indemnização para liquidação em execução de sentença.

  14. Deve, assim, a acção ser julgada procedente e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 309.320,38€, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com a destituição sem justa causa do cargo de administrador da ré.

  15. Por sua vez a ré, na sua minuta, requer a ampliação do âmbito do recurso, sustentando, nesta parte em desacordo com o acórdão, que, com o envio dos autos para elaboração da base instrutória - refira-se que houve uma primeira decisão da 1ª instância que julgou a acção improcedente considerando que a destituição do autor resultou da alteração legal dos estatutos e não de deliberação da ré - não se formou caso julgado quanto à questão da não caducidade do mandato do réu como administrador.

  16. Esta questão, no entender da ré/recorrida, não se deve considerar precludida pois o caso julgado do acórdão que determinou a baixa dos autos para elaboração da base instrutória não a deve abranger.

    Verifica-se que a eleição do autor pela assembleia geral fez-se, em conformidade com os estatutos então em vigor fixados pelo Decreto-Lei n.º 33/2000, com base na nomeação do Estado. Ora, face às alterações subsequentes do estatuto da ré introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 267/2001, deixou o autor de dispor de suporte legal para continuar a exercer o seu mandato que se extinguiu automaticamente em consequência dessa alteração legislativa. Não tem, portanto, a ré, porque o mandato do autor cessou por via legislativa, de pagar qualquer indemnização; uma tal responsabilidade, a existir, cabe ao Estado que é o responsável pelos danos resultantes do exercício da função legislativa. Ou seja, a...

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