Acórdão nº 557/06.2TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução19 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 28 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, actual Juízo Único, 4.ª Secção, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB PORTUGAL, na qual pede se declare a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré: (i) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescidas de juros legais; (ii) a pagar-lhe «o complemento da retribuição devida de € 661,18/mês, desde 1/05/2005 até à data do despedimento, por fazer parte integrante do seu vencimento e não por respeitar a qualquer contrapartida pela alegada isenção de horário, acrescida dos juros legais»; (iii) a pagar-lhe, «caso […] não opte pela reintegração, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato (1980) até ao trânsito em julgado da decisão final»; (iv) a pagar-lhe € 50.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.

Após a enunciação do pedido, consignou-se o seguinte: «[o]portunamente e até à sentença, reserva-se, pois, a Autora o direito de optar pela indemnização prevista no art. 439.º do Código do Trabalho».

Realizada sem êxito a audiência de partes, a ré foi notificada para contestar, o que fez, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela autora e sustentando que a mesma violou os deveres de lealdade, honestidade, assiduidade, obediência, respeito, urbanidade, cooperação, zelo e diligência, configurando-se justa causa para o despedimento, mais tendo aduzido que «a A. deu o seu acordo expresso ao pedido de isenção formulado pela Ré» e que esta apresentou à Inspecção-Geral do Trabalho, que a autora e a ré renovaram, anualmente, o acordo e o pedido de isenção do horário de trabalho e que «sempre soube a A. que o complemento de retribuição lhe era pago como contrapartida expressa da isenção do horário de trabalho», estando a autora «consciente da isenção e das consequências que isso acarretava», pelo que incorre em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

A ré deduziu, ainda, reconvenção, em que pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia global de € 19.444,52, acrescida de juros à taxa legal, calculados sobre € 18.091,44, desde a notificação da reconvenção à autora até efectivo e integral pagamento, e impetrou a condenação da autora como litigante de má fé, em multa a fixar pelo tribunal e em indemnização à ré, em valor não inferior a € 16.500.

A autora apresentou resposta à contestação, a qual foi mandada desentranhar dos autos por despacho de fls. 1049 a 1051.

No seguimento da audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador e decidido não admitir a reconvenção deduzida pela ré, operando-se, ainda, a selecção da matéria de facto assente e controvertida, com fixação da base instrutória.

Entretanto, a ré, inconformada com o despacho de não admissão do pedido reconvencional, interpôs recurso de agravo da atinente decisão, o qual foi admitido.

Realizado julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados pela autora, e que condenou a autora como litigante de má fé, em multa fixada em 15 UC e no pagamento de indemnização à ré.

  1. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, defendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a natureza de retribuição de base da quantia auferida a título de isenção do horário de trabalho e, ainda, que não se verificava justa causa para a aplicação da sanção de despedimento e que devia ser revogada a sua condenação como litigante de má fé.

    A ré contra-alegou, sustentando a confirmação da sentença recorrida, e mais requereu a ampliação do objecto do recurso de apelação, ao abrigo do preceituado no artigo 684.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, versão a que pertencem as disposições citadas adiante, sendo que a ré, notificada nos termos do estatuído no artigo 748.º, n.º 2, daquele Código, declarou manter interesse no recurso de agravo que interpusera.

    Apreciando os recursos interpostos, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso de agravo da ré e, doutra parte, conceder provimento ao recurso de apelação da autora, revogando a sentença recorrida, tendo: a) alterado a resposta dada ao quesito 51.º; b) considerado «Não provado» o quesito 108.º; c) dado como não escritas as expressões «[j]amais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 101.º), «[n]ão foi dado pela autora um único passo» (respostas aos quesitos 104.º e 107.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (respostas aos quesitos 111.º, 117.º e 121.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado um único passo pela autora» (resposta ao quesito 124.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado pela autora um único passo» (resposta ao quesito 127.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado um único passo pela autora» (resposta ao quesito 130.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 133.º), «[t]ambém não havia registo de ter sido dado algum passo» (resposta ao quesito 136.º), «[t]ambém aqui jamais foi dado sequer um único passo pela autora» (resposta ao quesito 139.º), devendo «passar a ler-se, em cada um desses pontos, e no demais contexto aí consignado que a ‘autora não convocou as empresas do sector para dinamizar a respectiva actividade’»; d) absolvido a autora da condenação como litigante de má fé; e e) declarado ilícito o despedimento de que a mesma foi alvo, condenando a ré a pagar-lhe (i) as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, bem como os respectivos juros de mora, a liquidar oportunamente, (ii) a indemnização por antiguidade, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, também a liquidar oportunamente, (iii) a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000, (iv) a título de complemento retributivo que lhe foi retirado, a quantia de € 3.305,90, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento.

    É contra a sobredita decisão do Tribunal da Relação do Porto que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever, explicitadas na sequência de convite que lhe foi dirigido, ao abrigo do disposto no artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, com vista a «sintetizar as 77 conclusões da alegação do recurso, reduzindo-as, muito significativamente, e apresentando, de forma sintética, os fundamentos do recurso»: «1. Numa acção de impugnação de despedimento como a presente, a causa de pedir é complexa, consubstanciando o despedimento, mas também, necessariamente, a existência do contrato de trabalho.

  2. O pedido formulado pela Autora fundou-se na alegada ilicitude de despedimento, mas também no próprio contrato de trabalho.

  3. Os factos em que a Ré alicerçou o pedido reconvencional por si formulado reconduzem--se à mesma causa de pedir em que a Autora fundamentou o seu pedido: a existência do referido contrato de trabalho.

  4. Considerou o Tribunal de 1.ª instância que a Autora não só incorreu na violação dos deveres de obediência e lealdade, como inclusivamente “(...) assumiu uma postura de desonestidade (...)”.

  5. Qualquer das condutas referentes à utilização pela Autora do computador que foram dadas como provadas — em abstracto ou em concreto —, seria e é absolutamente intolerável no quadro de uma relação laboral, ainda por cima quando, como era o caso, a trabalhadora em causa assumia funções de especial responsabilidade.

  6. Para além do supra exposto, ficou ainda provado que a Autora, durante anos e até à data do despedimento, não cumpriu as suas mais elementares obrigações profissionais e funcionais no que concerne ao trabalho das Divisões.

  7. Nesse sentido, entre muitas outras omissões reiteradas, a Autora não apresentou os planos estratégicos que lhe foi ordenado fazer, não elaborou as contas e orçamentos de que foi incumbida, não procedeu aos trabalhos de preparação e aprovação dos regulamentos internos e não promoveu quaisquer reuniões da esmagadora maioria das Divisões.

  8. Conforme muito bem sublinhou a sentença proferida em 1.ª instância, tratou-se aí de “(...) comportamentos omissivos continuados e persistentes no cumprimento das tarefas atribuídas, como se verificou no caso concreto”, sendo inatacáveis as conclusões sufragadas pelo mesmo Tribunal de que “(...) a concreta conduta da autora era idónea a determinar a perda daquela confiança, na medida em que as concretas funções por si desempenhadas pressupunham uma intensa relação de confiança, pelo que sendo esta beliscada, tal determina inevitavelmente a sua ruptura”, bem como que “(...) atendendo às funções que por ela eram exercidas, à natureza e reiteração do comportamento adoptado e respectiva gravidade, não era exigível à demandada a manutenção da relação contratual, pelo que concluímos ter-se verificado justa causa de despedimento”.

  9. Mais intolerável se afigura tal comportamento quando se recorda que a Autora era um quadro superior da Ré, num contexto em que, evidentemente, a relação de confiança é mais intensa e necessária.

  10. Ao ausentar-se do seu local de trabalho sem autorização e conhecimento da Ré, violou a Autora de forma reiterada o seu dever de assiduidade.

  11. Ao manifestar desprezo pela obrigação de cumprimento escrupuloso dos seus tempos de trabalho, violou a Autora de forma igualmente reiterada, os seus deveres de cooperação e de zelo e diligência.

  12. Ao obrigar um subordinado a omitir as suas ausências à Direcção — omitindo-as ela também —, violou a Autora os seus deveres de obediência e lealdade, assumindo também aqui uma postura de evidente...

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