Acórdão nº 1217/10.5YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - O MDE surgiu como instrumento de cooperação judiciária internacional, em matéria penal, que se quis dotado de particular funcionalidade que deriva de uma maior rapidez de execução e de uma patente simplificação de procedimentos, em que avultam os contactos directos entre as autoridades judiciárias.

II - Da cooperação entre Estados com uma componente diplomática, que não prescindia da abordagem do caso também em termos políticos, passou-se para uma cooperação directa entre autoridades judiciárias assente apenas na realização da justiça.

III - Ao não renunciar à regra da especialidade consagrada no art. 7.º da Lei 65/2003, o recorrente passou a beneficiar das garantias conferidas nesse preceito: é claro que a entrega do recorrente às autoridades italianas por via do presente MDE só poderá legitimar uma investigação, eventual acusação ou condenação, pelo crime mencionado nesse mesmo MDE.

IV - Não procede a pretensão do recorrente de que deveria ocorrer a transmissão do processo, de Itália para Portugal, com a revogação da possibilidade da entrega temporária do arguido e sua audição em Portugal, no âmbito de tal processo pendente em Itália, uma vez que a autoridade judiciária portuguesa só pode satisfazer ou não o pedido, à luz dos arts. 11.º e 12.º da Lei 65/2003; o que não pode é escolher, propor ou sugerir o tipo de cooperação que entenda adequado e que não seja o solicitado pela autoridade italiana.

V - Relativamente a uma suposta inconstitucionalidade do art. 31.º, n.º 3, da Lei 65/2003, importa dizer que nada impede que um MDE seja referente a um cidadão português, que se encontre (ou resida) em Portugal, e que a autoridade estrangeira que solicitou o seu cumprimento peça a respectiva entrega temporária. Assim sendo, não existe, neste particular, qualquer disciplina que se mostre discriminatória entre nacionais portugueses e estrangeiros.

Decisão Texto Integral: A – O MANDADO A Autoridade Judiciária da República Italiana - Juiz das Investigações Preliminares do Tribunal de Catânia, Itália, no âmbito do processo n° 14641/04, R.G.N.R. e n° 13405/04 R.G.GIP, emitiu um Mandado de Detenção Europeu (M D E) contra o requerido AA, cidadão italiano nascido em 11 de Abril de 1965 em G...di N..., Itália e com última residência conhecida das autoridades italianas em ..., MADRID (Espanha), requerido que se encontra actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Monsanto à ordem do processo de inquérito do Mº Pº de Leiria NUIPC 274/10.9 JALRA, em investigação na Polícia Judiciária de Leiria.

O requerido foi detido pela Polícia Judiciária em 21 de Outubro de 2010, na sequência de um mandado de busca domiciliária emitido no âmbito do referido inquérito, na sua residência do lugar do C..., R. ... Bombarral.

O M D E foi emitido em 4 de Março de 2010 com o nº ...R.G.G.I.P. e a necessidade de detenção foi oportunamente inserida no Sistema de Informação Schengen (Gabinete Sirene) nos termos do art° 95° da Convenção do Acordo de Schengen de 16 de Junho de 1985 (com o nº Schengen IRMACPNC ...).

Quanto à descrição dos factos aí se diz, no formulário recebido (fls. 6), que: “As investigações revelaram a existência de uma Associação Criminosa activa relacionada com a Máfia na área de C... e zonas limítrofes. Foi verificado que AA, também conhecido , como "quello del pesce" ([o do peixe]), deu um contributo concreto, específico, e consciente para as actividades criminosas do crime organizado relacionado com a Máfia criminosa designada por “C...”. A pessoa procurada acima mencionada, em cumplicidade com outras pessoas eram membros da Associação Criminosa que tinha como líder o chefe da Máfia chamado C... A.... Os membros da Associação Criminosa estavam na posse de armas e praticaram homicídios, roubos, assaltos, extorsões, lavagens de dinheiro, prática de usura e tráfico de drogas. A Associação Criminosa tinha o controle dos votos durante as eleições, das actividades económicas e dos contratos (negócios) nas zonas controladas.” Mais se acrescenta no M D E (fls. 48) que: “Pelo resultado das investigações, ao AA foi contestado o crime a seguir: Organização de tipo mafioso (ponto A): AA (em concurso com G...T...,C...P..., C...L...M..., M...L...G..., V...S..., F...P..., M...S..., C...S..., G...R..., G...S..., A...P..., F...P..., A... C..., M... C..., G... S..., S...C..., S...L..., P...G..., M...T..., F...M..., R...D...V..., S...F...,M...C... e T...T... do crime de quadrilha de tipo mafioso agravada, previsto no artigo 416 bis do Código penal porque junto com outros co-acusados ainda não identificados perfeitamente, tomaram parte numa organização de tipo mafioso, chefiada pelo " boss" detido A... C..., organização destinada à prática de uma série não determinada de crimes contra a pessoa - valendo-se concretamente da força de intimidação do vínculo de associação e da condição de sujeição e de cumplicidade tácita que provém disso: crimes contra a pessoa - como os homicídios; contra o património, como furtos, roubo, extorsões, branqueamento de dinheiro e de bens de origem ilícita e usura; crimes relativos ao tráfego de droga, assim como a aquisição, de maneira directa ou indirecta da administração ou de todo modo, do controle de actividades económicas, de empreitadas e de serviços públicos e a realização de proveitos ou de vantagens indevidos, e afinal o impedimento ou o obstáculo ao exercício livre do voto e a procura de votos para si ou para outrem na ocasião de eleições.

Com a agravante de a organização estar armada e de os associados terem financiado as actividades económicas das quais haviam adquirido o controle com o proveito dos crimes cometidos.

A organização era administrada e organizada por A... C...,C...P... e C... S..., e ainda organizada por S... T... e P... G..., S...C...,M...C..., S...F..., P...G..., C...L...M..., S...L...,C...P..., G...R..., V...S..., T...T... com a agravante prevista no artigo 7 da Lei 11° 575 de 31 de Maio de 1965 por ter cometido o facto durante o período previsto de aplicação da medida, tendo sido submetido com um decreto definitivo a uma medida de prevenção.

Em C..., F... e nos locais vizinhos, até o mês de Junho de 2007”.

Atribui-se ao requerido um grau de participação de co-autor.

O M D E foi emitido pelo crime de organização de tipo mafioso do art. 416/bis do C P italiano que é punido com uma pena máxima de 15 anos de prisão.

Porque AA se encontrava detido à ordem do Pº NUIPC 274/10.9 JALRA já aludido, começou por se informar o Tribunal Judicial de Leiria de que o arguido não deveria ser restituído à liberdade caso não interessasse a sua prisão à ordem desse processo, por se impor a sua detenção à ordem deste M D E (fls. 11). Interrogado como arguido no âmbito de tais autos, veio porém a ficar em prisão preventiva a 28 de Outubro de 2010, situação em que se encontra.

A 3/11/2010 o requerido foi ouvido ao abrigo do art.° 18° da Lei 65/2003 de 23/08, declarou não renunciar ao princípio da especialidade e não consentir na sua entrega às autoridades italianas. Pediu ainda prazo para apresentar, por escrito, a sua oposição, o que fez, nos termos que se vêem de fls. 208 e ss. Na mesma diligência foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do MDE em prisão preventiva, caso venha a ser libertado no âmbito do identificado processo n.°274/2010.9JALRA.

Terminou a sua oposição com as seguintes conclusões: “1ª - O conteúdo do mandado de detenção europeu referente ao cidadão AA é muito insuficiente, violando o art° 3º da Lei 65 2003 de 23.8; 2ª - Assim, devem ser solicitadas informações adicionais ao estado membro emissor nos termos do art° 16º - 3; 3ª - Para alem de tal circunstancia, existirão procedimentos criminais aditivos relativamente à parca referencia até agora efectuada, antolhando-se que exista indicação ou acusação por diversos crimes que impliquem pena desmesurada e intolerável para a ordem jurídica portuguesa e para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, já que em Itália existe a possibilidade de cumular materialmente as penas isoladamente aplicadas; 4ª - Existem instrumentos legais tendentes a cooperação penal internacional com a Lei 144/99 de 31-8, pelo que deve nos sobreditos termos explanados na motivação, ser recusado o pedido efectuado pelo estado Italiano e antes serem adoptadas medidas de cooperação internacional visando a transmissão do processo existente, ou existentes, em Itália, por se verificarem todas as circunstâncias atinentes a essa colaboração, como igualmente decorre da indicação concreta traduzida na motivação; 5ª - Em suma, deve ser rejeitada a extradição de AA.” B - DECISÃO RECORRIDA Em 24/11/2010 o Tribunal da Relação de Lisboa produziu acórdão em que, a final, decidiu, com a rectificação de 29/11/2010: “1. defere-se a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pelo contra o requerido AA, ordenando-se a sua entrega às Autoridades Italianas, para efeitos de procedimento criminal, 2. ao abrigo do disposto no n.° 1 do art. 31.° da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, suspende-se tal entrega e difere-se a mesma para o momento em que se mostre esgotada a responsabilidade criminal do requerido AA no âmbito do identificado Processo n.° 274/2010.9JALRA pendente neste país.” Antes, havia elaborado cuidada fundamentação de que se extraem as passagens seguintes: “2.3.1.3.No caso sub judice os autos tiveram início com base na inserção da indicação da pessoa procurada no registo do sistema de informação Schengen (SIS), documentação que, no entanto, produz os mesmos efeitos do mandado, desde que acompanhada das informações referidas no n.° 1 do art. 3.°.

Na verdade, de acordo com o artigo 4°, n° 2, da Lei n.° 65/2003, a autoridade judiciária de emissão pode, em qualquer caso, decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen e, segundo o n° 4 do mesmo artigo, "[u]ma indicação inserida no SIS produz os mesmos...

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