Acórdão nº 1155/07.9TTBRG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A subordinação jurídica (susceptibilidade de dar ordens e instruções ao trabalhador) decorre do poder de direcção em que se encontra investido o empregador e corresponde, do lado do trabalhador, ao dever de obediência; este elemento existe no contrato de trabalho e está ausente no contrato de prestação de serviço.

II - A subordinação deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação de trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade.

III - Os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomística, antes devendo efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e efectivamente executada estão ou não presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado – os poderes de direcção e autoridade do empregador e correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes.

IV - Atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas na profissão de enfermeiro, não são suficientes para se concluir pela existência de subordinação jurídica, a obrigatoriedade de cumprimento de protocolos; o pagamento mensal das retribuições calculadas com base nas horas de trabalho efectivamente prestadas; a vinculação a um horário pré-definido; o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da Ré e o fornecimento de uniformes e instrumentos de trabalho por parte da Ré, tanto mais quando está, também, demonstrado que as Autoras não prestavam a sua actividade em regime de exclusividade; que o horário de trabalho na Ré era fixado, por acordo, atendendo às conveniências das Autoras; que, as mesmas, nas suas faltas, tinham a possibilidade de se fazerem substituir, na prestação, por outra pessoa, com a única consequência de não lhes ser pagas as horas em que não tivessem prestado serviço.

V - Na apreciação global de todos estes indícios, não pode inferir-se a possibilidade de, no seu âmbito, a Ré exercer efectivos poderes de direcção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar sobre as Autoras, não estando, assim, demonstrados factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para conferir às relações contratuais entre elas estabelecidas, natureza laboral.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA, BB e CC coligaram-se para demandar a Santa Casa da Misericórdia de ...

, propondo, no Tribunal do Trabalho de Braga, em 19 de Dezembro de 2007, a presente acção com processo comum, à qual, oportunamente, foi determinada a apensação da acção, intentada contra a mesma Ré, no mesmo tribunal, registada sob o n.º 1156/07.9TTBGR, por DD, EE, FF e GG.

Alegaram, em síntese, todas as Autoras, terem sido admitidas ao serviço da Ré através de contrato de trabalho subordinado, a tempo parcial, para exercerem as funções de enfermeiras, mediante retribuição, e terem sido despedidas pela Ré, sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, tendo também invocado que foram impedidas de gozar férias durante toda a vigência do contrato e que nunca receberam qualquer quantia a título de direito a férias e de subsídios de férias e de Natal.

Terminaram, pedindo a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito e por danos não patrimoniais decorrentes do mesmo, todos os salários vencidos deste 17 de Novembro de 2007 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, uma indemnização por falta de pagamento de férias, retribuições em dívida correspondentes a férias e subsídios de férias e de Natal e juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

As acções foram contestadas pela Ré que impugnou a existência de qualquer vínculo de natureza laboral entre as partes e defendeu que as Autoras se obrigaram perante si a prestar serviços de enfermagem, como trabalhadoras independentes, sem qualquer subordinação jurídica, e concluiu pela improcedência das acções, tendo requerido a condenação das Autoras como litigantes de má fé.

As Autoras responderam, impugnando a nova factualidade alegada pela Ré e reiterando a argumentação no sentido da existência de um vínculo de natureza laboral entre as partes, tendo também pedido a condenação da Ré como litigante de má fé.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação das provas, e decidida a matéria de facto, foi prolatada a sentença na qual se concluiu que «o contrato que vinculou as partes não é um contrato de trabalho», julgando-se «a presente acção» totalmente improcedente.

  1. As Autoras interpuseram recurso de apelação, no qual arguiram a nulidade da sentença — por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia —, impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto, impetrando a sua modificação e sustentaram a natureza laboral dos contratos em causa.

    O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a arguição de nulidades, manteve, após reapreciação das provas, a decisão proferida sobre a matéria de facto e, sequentemente, considerou, anuindo aos fundamentos explanados na sentença, que reproduziu e reforçou, que as Autoras não lograram demonstrar o carácter laboral dos contratos celebrados com a Ré, pelo que negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença da 1.ª instância.

    Do acórdão que assim decidiu, vieram as Autoras AA, DD, EE e GG pedir revista, tendo, oportunamente, apresentado a alegação de recurso rematada com as conclusões redigidas como segue: «A. Constando da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido que o local da prestação eram as instalações da Ré/Recorrida, que os Recorrentes exerciam funções correspondentes à categoria de enfermeiro, com os instrumentos de trabalho fornecidos por esta, usando batas fornecidas pela Ré/Recorrida e com o logótipo desta, com pagamentos mensais da retribuição, exercendo a actividade de forma continuada e duradoura, cumprindo protocolos obrigatórios na instituição-Ré/Recorrida, numa instituição com um director clínico do hospital, coordenadores de enfermagem dos vários serviços, e um director de enfermagem, cumprindo os Recorrentes com o dever de colaboração, e tendo ficado tristes e angustiados com a forma inesperada como a Ré/Recorrida pôs fim aos contratos, deve concluir-se pela existência de contrato de trabalho.

    1. Não relevam decisivamente para a inexistência de subordinação jurídica e concomitante qualificação como contrato de prestação de serviços, o facto de os Autores/Recorrentes darem as suas disponibilidades mensais, exercerem as funções a tempo parcial, sem exclusividade, auferindo retribuição em função da hora, trabalhando em simultâneo cada um deles noutra instituição, emitindo recibos verdes, trocando faltas com outros colegas credenciados, não efectuando a entidade patronal descontos para a Segurança Social, nem pagando subsídio de férias e subsídio de Natal.

    2. O douto acórdão recorrido violou as disposições constantes dos artigos da 1.º LCT, do 10.º e 12.º CT, na ponderação que fez da matéria de facto provada e da sua subsunção no conceito de contrato de trabalho, tendo assim ocorrido erro de julgamento uma vez que face à prova produzida deveria o tribunal ter concluído pela existência de contrato de trabalho.

    » A recorrida contra-alegou para sustentar a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista.

  2. Perante o teor das conclusões da revista, a questão fundamental a resolver é a de saber se as relações jurídicas que vigoraram entre cada uma das Autoras e a Ré configuram, ou não, contratos de trabalho.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    As instâncias fixaram os factos materiais da causa nos seguintes termos: «1. As Autoras AA, CC, DD, EE, FF e GG foram verbalmente admitidas para prestar serviços de enfermagem no Hospital pertença da Ré respectivamente em 01-01-1998, 01-05-2004, 01-11-1998, 01-11-1998, 01-11-1998 e 01-10-1998; 2. Por sua vez, a Autora BB foi admitida como trabalhadora subordinada ao serviço do Hospital pertença da Ré, com a categoria de enfermeira, em 11-02-2004, contrato este que cessou cerca de um mês depois, por rescisão unilateral efectuada pela referida Autora; 3. Esta rescisão ocorreu em virtude da Autora BB pretender assumir um contrato com um hospital público, do qual decorreria a indisponibilidade para cumprir o horário de serviço que mantinha no hospital da ré; 4. Assim, após aquela rescisão, por iniciativa da própria, a Autora BB passou a prestar serviços de enfermagem no Hospital pertença da Ré, no regime de prestadora de serviços independente; 5. Desde as datas referidas em 1.º e 4.º, todas as Autoras desempenharam a tempo parcial, nas instalações da Ré, sitas na Rua …, …, …, ..., as respectivas funções de enfermeiras, para as quais se encontram academicamente habilitadas; 6. Exerciam, simultaneamente, funções...

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