Acórdão nº 1347/05.5TVPRT de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DOS SANTOS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O STJ é um tribunal de revista, que só conhece e julga, em princípio, de direito, limitando-se a aplicar definitivamente, o regime jurídico que julgue mais adequado à matéria de facto que vem apurada das instâncias (arts. 26.º da LOFTJ e 722.º, n.ºs 1 e 2, e 729.º, n.º 2, do CPC) e a conhecer, oficiosamente, das questões que a lei determinar.

II - Assim, o Supremo apenas residualmente intervirá na decisão da matéria de facto, ou seja, só no caso de ter havido preterição de exigência legal em sede de prova - a chamada prova vinculada -, podendo ainda reenviar o processo para que o tribunal recorrido complete o julgamento de facto caso se verifique uma das situações previstas no art. 729.º, n.º 3, do CPC.

III - Por isso, os alegados erros cometidos pela Relação no apuramento da matéria de facto com base em prova de livre de apreciação, como é o caso da prova pericial, excedem o âmbito de apreciação do recurso de revista.

IV - O STJ pode censurar a Relação quanto esta age em desrespeito pelas normas adjectivas atinentes (nomeadamente, pelo art. 712.º, n.º 2, do CPC), desrespeito esse que se pode situar tanto ao nível do uso ou do não uso dos poderes sobre o julgamento da matéria de facto.

V - A interpretação das declarações ou cláusulas contratuais constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, apenas podendo o STJ, por ser matéria de direito, determinar se tal interpretação é respeitadora dos critérios legais fixados nos arts. 236.º e 238.º do CC.

VI - Certo é que no apuramento do sentido da declaração negocial que há-de vincular as partes, o tribunal deve ter em conta os factos concretamente apurados pelas instâncias.

VII - Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou (art. 442.º, n.º 2, do CC).

VIII - Ademais o contraente não faltoso tem, ainda, à mão a alternativa de requerer a execução específica, nos termos do art. 830.º do CC (art. 442.º, n.º 3, do mesmo compêndio legal).

IX - Assim, o não cumprimento do contrato não dará lugar a qualquer outra indemnização que não seja a perda do sinal ou do pagamento do dobro deste (art. 442.°, n.º 4, do CC), a menos que as partes tenham estipulado coisa diferente.

X - A par deste regime legal específico, o contrato-promessa ainda se encontra sujeito, na parte pertinente, à disciplina geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações, constante dos arts. 762.º e segs. do CC.

XI - De acordo com o referido regime geral, o incumprimento da obrigação é imputável ao devedor a título de culpa presumida (art. 799.º do CC), cabendo-lhe o encargo de a ilidir, o que passa pela demonstração de factos que concludentemente apontem nesse sentido, aferindo-se essa concludência pela diligência, esforço, zelo e prudência para cumprir, próprios de um homem médio.

XII - No esforço de ilisão da referida presunção de culpa, o devedor não pode socorrer-se de factos que não logrou provar em audiência, fazendo-os reviver através de uma interpretação da vontade negocial hipotética que não cumpre os requisitos legais e doutrinários.

XIII - Só com a mora do devedor é que é viável ao credor o recurso à execução específica do contrato-promessa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Na presente acção ordinária que AA intentou, na comarca do Porto, contra «BB – E.....I......A....., SA» foi pelo A invocado contrato-promessa de compra e venda de fracção de prédio urbano (sita no empreendimento «..........», na .........., Porto, e identificada pelo nº 606), celebrado, em 5/6/1993, entre a R, como promitente vendedora, e CC, como promitente comprador, que entretanto cedeu a sua posição contratual ao A, e, e formulado pedido de execução específica desse contrato promessa, alegando o A, no essencial, que a R tinha a obrigação de marcação da respectiva escritura até 31/7/1997, pelo que está em mora quanto a essa obrigação, apesar de várias vezes instada para o efeito, e que se dispõe a depositar a parte restante do preço (22.929,70 €, equivalente à quantia em dívida de 4.597.000$00, uma vez que foram já entregues à R as quantias de 4.575.000$00 e 22.375.000$00, de um total acordado de 31.547.000$00).

A R, na contestação, opõe-se ao pedido do A, sustentando, essencialmente, que o A exerceu funções de administrador delegado da R e que nessa qualidade interveio na celebração de contratos-promessa em que fazia figurar valores diferentes dos acordados com os promitentes compradores, de forma a locupletar-se com as diferenças em prejuízo da R, o que determinou a celebração de um acordo entre A. e R, com vista à cessação do seu contrato de trabalho e a um acerto de contas que implicava, entre o mais, o pagamento de uma indemnização do A à R, a assunção de responsabilidade pessoal do A pelo cumprimento dos contratos promessa celebrados em nome da R, fazendo condicionar a intervenção da R na escritura de venda ao A de fracção de que este era promitente comprador (e aqui dada à execução específica) ao cumprimento pelo A desse acordo global. Com base no alegado incumprimento desse acordo, nega a R a sua própria mora, propugna a improcedência da acção e pede, em reconvenção, a condenação do A a pagar-lhe, a título de compensação pelos danos causados pelo seu incumprimento, a quantia de 49.972,00 €, correspondente ao não recebimento do preço em dívida relativo à aludida fracção (22.929,70 €) e ao valor das contribuições autárquicas respeitantes a essa fracção pagas pela R (no montante global de 6.717,49 €), bem como aos juros vencidos sobre essas duas verbas, a que acrescem as contribuições e juros que se forem vencendo até integral pagamento.

Estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, foi realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença em que se julgou o seguinte: procedente o pedido de prolação de sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial da R, determinando o consequente pagamento pelo A à R da parte remanescente do preço em falta, no montante de 22.929,70 €; improcedente o pedido reconvencional, absolvendo deste o A; improcedente o pedido do A de condenação da R por Litigância de má fé.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: resulta da matéria de facto provada que a R não cumpriu a sua obrigação de marcação e convocação para a escritura de compra e venda, sem que tenha ficado provado que o A tinha de cumprir previamente certas obrigações alegadamente emergentes do acordo entre A e R relativo à cessação do contrato de trabalho daquele; a falta de produção de prova no sentido de que estaria subjacente a esse acordo uma pretensão da R de ser ressarcida de danos causados pelo A, enquanto administrador delegado da R, e uma vez que cabia a esta o respectivo ónus da prova, determina que não tenha base jurídica a recusa da R na celebração daquele contrato definitivo; perante o incumprimento da R e a manutenção do interesse do A na celebração do contrato definitivo, sem que se prove qualquer incumprimento do A, apenas resta ao tribunal declarar celebrado o prometido contrato de compra e venda, substituindo-se ao declarante faltoso, e julgar improcedente o pedido reconvencional.

Desta decisão interpõe a R recurso de apelação, no qual contesta a apreciação e valoração da prova produzida, com a violação, ainda, das regras de interpretação dos contratos.

Porém o recurso foi julgado improcedente, obtendo, assim, confirmação o decidido em 1ªinstância.

De novo inconformada com a decisão a R. pediu revista.

Alegou e formulou as seguintes conclusões:

  1. A decisão recorrida fez errada interpretação e apreciação dos factos e dos documentos e demais elementos de prova dos autos, aceites pelas partes, nomeadamente do relatório pericial, e errada aplicação da lei, violando o disposto nos artes 405, 406, 798, 799, 804 a 806 e 817 do Código Civil; com efeito, b) Os factos essenciais necessários para apreciação da causa resultam da interpretação do acordo, contratos promessa e aditamentos a estes, conjugados com a demais factualidade apurada nos autos; ora, c) Da interpretação dos contratos, tendo presente a vontade declarada, a vontade hipotética e o equilíbrio das prestações, bem como as razões que deram lugar ao acordo - o circunstancialismo do negócio - resulta que entre Autor e Ré foi feito um "acerto de contas"; d) "Acerto de contas" referente à gestão e negócios do autor, enquanto administrador da ré - das remunerações pelo "trabalho" prestado pelo autor à Ré e compensação por danos causados pelo Autor à Ré enquanto seu gestor; na verdade, e) Resulta da análise do acordo e dos aditamentos, bem como inequivocamente da peritagem, que os aumentos de preços das fracções prometidas comprar e vender, sofreram aumentos, um caso para o dobro, sem qualquer contrapartida em termos de áreas, obras ou outras vantagens; f) Resulta, também, que uma das fracções, embora aparecendo no contrato como promitente-comprador um irmão do Autor (como aliás confessado nos autos), era destinada a este, em negócio consigo próprio; e, g) O autor sempre geriu todas as demais posições...

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