Acórdão nº 3803/06.9TBAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução09 de Dezembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- As «dificuldades financeiras» (que não se encontram minimamente concretizadas, sendo portanto uma expressão vaga e conclusiva), não se traduzem numa justificação perante o incumprimento contratual da obrigações assumidas pelo Recorrente, empreiteiro, para com os donos da obra, ora Recorridos.

II- Na verdade, o Autor, aqui Recorrente, segundo vem provado, remeteu-se ao silêncio durante 2 anos ( facto 22), não tendo, sequer, respondido à carta do Autor.

Tal só pode configurar, como bem decidiram as Instâncias, um nítido abandono da obra, pois nem sequer o Autor fez prova de ter comunicado aos donos a obra a razão da referida « suspensão».

III- Uma coisa é ter parado a obra por se encontrar em dificuldades financeiras, outra é não fazer prova de ter comunicado tal situação ao dono da obra, remetendo-se ao silêncio durante dois anos, mesmo após o recebimento da carta que lhe foi dirigida pelo Advogado dos ora Recorridos.

IV- Em caso de paragem da obra, pelo empreiteiro, pelo período de dois anos, sem que se prove que o mesmo prestou ao dono da obra qualquer informação explicativa para tal paragem, é lícito concluir-se que existe um incumprimento definitivo, pois tal traduz-se num comportamento inequívoco de quem não quer ou não pode cumprir.

V- Assim sendo, tem aqui pleno cabimento a orientação perfilhada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-02-2010 ( Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Oliveira Rocha) segundo o qual «a recusa ( ou declaração) séria, certa, segura e antecipada de não cumprir ( ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir) equivale ao incumprimento ( antes do termo), dispensando a interpelação admonitória» ( Pº 4913/05.5TBNG.P1.S1).

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO AA intentou contra BB e mulher CC a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário.

Em síntese alegou que o Autor se dedica à construção civil e que o Réu marido lhe solicitou um orçamento para a realização dos acabamentos de um prédio da sua propriedade.

Acordaram, o Autor e Réu marido, que aquele adquiriria os materiais necessários à construção dos acabamentos, ajustando pelo valor de € 100.000,00 o preço total da obra que o Réu marido se comprometeu a pagar em diversas prestações e à medida que o Autor ia adquirindo os materiais e os ia colocando em obra, tendo o Réu marido pago a quantia de € 52.000,00 por conta do preço ajustado.

Entre os dias 10 de Maio de 2004 e meados de Setembro do mesmo ano, o Autor realizou os trabalhos a que se reportam os documentos juntos sob os nºs 22 a 36, materiais e mão de obra inventariados por técnico da especialidade e que atingem o valor global de € 104.750,00.

O Autor interpelou o Réu marido para pagar o diferencial de € 52.750,00 o que este não fez, encontrando-se em mora desde 15 de Setembro de 2004.

Concluiu pedindo a procedência da acção e a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 52.750,00, acrescida de juros vencidos desde 15 de Setembro de 2004 e à taxa legal que atingem o montante de € 4.196,88 e juros vincendos desde a citação e até efectivo pagamento.

Os Réus foram regularmente citados, tendo na sua contestação impugnado a realidade factual desenhada pelo Autor, alegando, ainda, que os acabamentos ficaram ajustados por contrato que o Autor nunca lhes entregou, preço que seria pago em diversas prestações no valor total de € 100.000,000.

Das quantias entregues, o Autor ainda não lhes passou recibo.

Ao verificar que a obra tinha defeitos, o Réu marido interpelou o Autor, dizendo-lhe que não lhe entregaria mais nenhuma prestação enquanto os defeitos não fossem corrigidos, sendo que em Agosto de 2004, o Autor abandonou a obra sem explicações.

Na mesma altura, o Réu marido mandou avaliar os trabalhos feitos em obra que atingiram o montante de € 37.500,00.

Em sede de reconvenção e depois de terem reproduzido o que de essencial alegaram na contestação, referiram que a obra esteve parada dois anos, por não terem encontrado construtor que quisesse reparar os defeitos, o que só mais tarde vieram a conseguir pela empresa C........, Lda. e pelo valor orçamentado de € 78.000,00.

Hoje o mercado de imóveis está muito difícil, sendo que em 2005 tinha compradores para os blocos habitacionais pelo valor de €125.000,00, sendo que hoje estão a pedir a quantia de €112.500,00.

Assim e por culpa exclusiva do Autor, os Réus têm um prejuízo de 30.000,00 euros, para além de o abandono da obra lhe ter acarretado um prejuízo de € 45.300,00.

Concluíram pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção e consequente condenação do autor no pagamento da quantia de € 75.300,00, a título de danos patrimoniais.

Notificado da reconvenção, o Autor impugnou a realidade factual alegada pelos Reconvintes, sublinhando que a paragem dos trabalhos se ficou a dever à falta de pagamento dos Réus das prestações acordadas, para além de não lhe terem sido denunciados quaisquer defeitos e excepcionou a caducidade do direito à resolução do contrato por os réus terem denunciado os defeitos intempestivamente.

Concluiu pela procedência da acção e improcedência das excepções e do pedido reconvencional formulado pelos Réus.

Após as legais formalidades, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou: A) A acção totalmente improcedente por não provada e consequentemente absolveu os Réus do pedido.

B) A reconvenção parcialmente procedente por provada e consequentemente condenou o autor a pagar aos réus a quantia de € 36.800,00.

Inconformado, interpôs o Autor recurso de Apelação do mesmo para o Tribunal da Relação de Coimbra que, todavia, julgou o recurso improcedente, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Ainda inconformado, o Autor veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1ª) O douto acórdão, que ora se vem pôr em crise, acolheu o entendimento da Meritíssima Juiz a quo vertido na douta sentença da 1ª instância que, no essencial, considera que o abandono da obra por longo período de tempo, evidencia uma intenção de incumprir o acordado e por esta via ficam dispensados os dois pressupostos enunciados no artigo 808° do Código Civil (CC): o credor não tem de aguardar o vencimento da prestação, não tem de interpelar o devedor para cumprir nem tem de alegar e provar a perda do seu interesse no cumprimento da prestação para poder resolver o contrato por incumprimento definitivo e, existindo uma situação de incumprimento definitivo, deixa de ser exigível a interpelação do devedor/empreiteiro ao credor/dono da obra para a eliminação de defeitos.

  1. ) A douta sentença de que se recorre condenou o recorrente, a pagar aos recorridos, o montante total de 36.800,00 €, resultante da diferença entre o valor recebido pelo recorrente por conta do preço ajustado no contrato de empreitada (52.000,00 €) e o valor dos trabalhos efectuados pelo recorrente (37.500,00 €), deduzido o valor necessário à rectificação dos defeitos constatados naqueles trabalhos (8.100,00 €): (52.000,00 € - 37.500,00 € + 8.100,00 €), acrescido do valor de 14.200,00 € referente à diferença do custo decorrente do aumento do custo dos materiais e mão-de-obra em virtude do lapso de tempo decorrido.

  2. ) Para tanto, a douta sentença fundamenta a obrigação do recorrente de restituir aos recorridos aquele valor com base no incumprimento definitivo do contrato de empreitada, por se ter verificado, no douto entender da Meritíssima Juiz a quo, uma situação de declaração expressa ou determinada conduta omissiva que revelou a intenção de não querer cumprir.

  3. ) A verificação do incumprimento definitivo, invocada na douta sentença, é justificada com base no facto do recorrente ter abandonado a obra sem justificação, em meados de Setembro de 2004.

  4. ) A douta sentença invoca ainda o silêncio do recorrente e o lapso de tempo entretanto decorrido, para justificar que é legitimo que os recorridos tenham interpretado tal conduta como recusa definitiva em concluir a obra e, como tal, por carta enviada ao recorrente, tenham comunicado a resolução do contrato.

  5. ) Conclui, a douta sentença, com base nestes factos, que, por um lado, o abandono da obra por parte do recorrente significa uma renúncia definitiva ao cumprimento integral da prestação e constitui justa causa de resolução do contrato; por outro lado, que se justifica a perda de interesse dos recorridos na prestação em falta porque, face à mora do recorrente, tornou-se legitima a perda de tal interesse, o que por si só valida a resolução do contrato.

  6. ) A primeira conclusão vertida na...

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