Acórdão nº 3419/07.2TBVNG.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Se a ré cumpriu defeituosamente a prestação a que se obrigara perante a autora, de promover o lançamento do disco desta, demonstrando um progressivo desinteresse no cumprimento do contrato, incorreu na obrigação de indemnizar a autora por todos os prejuízos que lhe provocou.

II - Ao não aproveitar, como devia, o mediatismo e a notoriedade pública alcançada pela autora, pela circunstância de ter participado no programa televisivo “Ídolos”, notoriedade que a ré reconheceu ao contactar a autora para a gravação de um disco, a ré causou um prejuízo – decorrente da perda de mediatismo ou notoriedade pública –, considerando-se ajustada a indemnização de € 10 000, fixada pelas instâncias.

III - Tendo-se provado que a autora, desde o lançamento do seu álbum, em Novembro de 2004, se começou a sentir deprimida – apresentava-se ansiosa, deprimida, desmotivada de todas as actividades, sofrendo insónias frequentes e sono não repousante, com pesadelos, dificuldade de atenção, concentração e memória, com prejuízo escolar –, necessitando de acompanhamento psiquiátrico, o que a forçou a suspender, durante um ano, a sua carreira universitária, resultando esse estado depressivo, não só das expectativas da autora (na concretização da sua carreira musical) não estarem a correr bem, expectativas para as quais a ré concorreu de forma importante ao propor-lhe o lançamento de um disco, como também dos diversos incumprimentos contratuais da ré, que caracterizam, de forma patente, o manifesto desinteresse progressivo pela promoção do álbum que prometera lançar, mostra-se equitativa a indemnização de € 12 500, a título de danos não patrimoniais.

IV - As despesas que a autora teve com o pagamento de propinas, compra de livros e deslocações para a faculdade, durante o ano em que reprovou, devido ao estado depressivo em que se encontrava, trata-se de um dano patrimonial, pelo que, estando provadas as despesas, mas não existindo elementos para as quantificar, deve lançar-se mão do disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC, e, portanto, condenar a ré na quantia que vier a apurar-se em liquidação posterior.

Decisão Texto Integral: Relatório*No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, AA, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra, ... S.A.

pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização total de 262.750,00 € acrescidos de juros, por incumprimento do contrato subscrito pelas partes, documentado nos autos a fls. 59 e seg., que aqui se dá por reproduzido.

Mais precisamente pede as seguintes indemnizações parciais: 12.750,00€, pelos danos que o incumprimento do contrato lhe causou, nomeadamente o por si despendido na gravação do seu álbum, que, por não ter sido divulgado devidamente, conforme o contrato celebrado com a R. e no plano de promoção, não surtiu os efeitos que lhe haviam sido prometidos; - € 100.000,00, de compensação pelos danos não patrimoniais causados pelo incumprimento do contrato que a vinculava a R., bem como pelo facto de ter sido desperdiçada a fase de mediatismo por que a A. passava do início das negociações contratuais; - € 20.000,00, pelas alterações físicas que o tratamento medicamentoso psiquiátrico trouxe à A; - € 60.000,00 pela paragem de um ano na sua carreira escolar devida ao encargo da sua recuperação, valor este que engloba a componente patrimonial, correspondente aos gastos tidos com a compra de livros, deslocações para a faculdade, horas de estudo perdidas, e uma componente não patrimonial, correspondente ao agravar do quadro depressivo em que a A. se encontrava, reforçando ainda mais a ideia de ausência de perspectivas de futuro; e - € 70.000,00, pelas falsas expectativas que a Ré criou na mente da A., aproveitando-se da sua inexperiência, tendo-a abandonado à sua sorte desde início, mas não sem antes a ter convencido a uma série de despesas que acabaram por só beneficiar a Ré e que deixaram sequelas ao nível da falta de confiança em todas as pessoas que a rodeiam e na sociedade em geral, por ter deixado a A. amargurada com a vida e lhe ter causado uma diminuição substancial da alegria de viver.

A R. contestou, aceitando a participação da A. no programa "Os ídolos" e a assinatura do contrato em causa nos autos, mas impugnando toda a demais matéria carreada para os autos pela A., designadamente, os contornos da negociação, negando os incumprimentos que lhe são assacados, bem como a doença da A. e os danos que daí advieram e excepcionou o abuso de direito da A., quando promove a resolução do contrato, pedindo a sua condenação como litigante de má fé, uma vez que a mesma apenas pretende o seu enriquecimento à custa da R., deduzindo pretensão para a qual bem sabe que não tem fundamento. A A replicou, respondendo à excepção do abuso de direito e, quanto à litigância de má fé suscitada pela R., impugnando toda matéria alegada pela R e peticionando a sua improcedência. Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção parcialmente, procedente, por provada e em consequência, condenou a Ré a pagar à A: - - a título de danos patrimoniais, a quantia de € 22.011,25, com juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

- a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.500,00, com juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Quanto à litigância de má-fé absolveu a A..

*Inconformadas recorreram, quer a A. quer a Ré (esta de facto e de direito), mas sem êxito, visto que a Relação julgou improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.

*Novamente inconformada volta a recorrer a Ré, tendo a A. recorrido subordinadamente, agora de revista e para este S.T.J..

*Conclusões.

Apresentadas tempestivas alegações formularam as recorrentes as seguintes conclusões:*Conclusões da revista da Ré.

*1. Não resultou provado nos autos que as partes negociaram condições contratuais que não ficaram reflectidas no contrato entre ambas celebrado em 04.08.2004.

  1. A Recorrente nenhuma obrigação assumiu perante a Recorrida que não esteja prevista no citado contrato.

  2. Com excepção da apresentação tempestiva dos resultados de vendas do CD e do pagamento dos respectivos royalties, a Recorrente cumpriu todas as obrigações a que se vinculou perante a Recorrida.

  3. A Recorrente nenhuma obrigação assumiu quanto a prazos de gravação do CD, tendo-se limitado a aconselhar à Recorrida a empresa I..., tendo aquela livremente contratado com esta os termos e condições, designadamente, prazos, para a gravação do CD.

  4. A referência ao aval dado pela Recorrente foi apenas no sentido de reconhecer à I..., competência para a tarefa em questão e não no sentido jurídico do termo.

  5. O prazo de lançamento do CD era uma incumbência da Recorrente, tendo este sido lançado para o mercado em Novembro de 2004 com inteira concordância da Recorrida.

  6. O atraso no cumprimento dos prazos de gravação do CD é da exclusiva responsabilidade da I... a quem a Recorrida deveria ter pedido responsabilidades se entendesse que tais atrasos a prejudicavam.

  7. Desde Novembro de 2004 até à propositura da acção objecto deste recurso, ou seja, durante cerca de três anos a Recorrida aceitou pacificamente, sem reparo ou objecção, o atraso na gravação do CD, inculcando na Recorrente a ideia de que nenhum juízo de censura sobre ela impendia quanto a esta matéria.

  8. Ao vir reclamar indemnização por danos, em função da data de lançamento do disco, após estar cerca de três anos sem emitir um único juízo de reprovação junto da Recorrente sobre essa data, incorre a Recorrida em situação de abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium". 10. Do contrato celebrado entre as partes, com data de 04 de Agosto de 2004, resulta a obrigação para a Recorrida de participar nas actividades promocionais para venda do CD, mas não resulta para esta o direito de exigir à Recorrente a promoção da sua carreira artística.

  9. A conduta assumida pela Recorrida ao não expressar, até ao momento da resolução do contrato, qualquer reparo ou crítica sobre as prestações da Recorrente, e o facto de ter contratado duas entidades para promover a sua carreira artística, demonstram à evidência que nenhuma expectativa de promoção de carreira da Recorrida foi criada ou obrigação de igual natureza assumida por parte da Recorrente.

  10. A Recorrente, não obstante não estar obrigada a isso, diligenciou pela realização da festa de lançamento do CD, propondo a Recorrida um local para a sua efectivação.

  11. A Recorrida recusou o local proposto sem demonstrar que o mesmo era inapto para o efeito pretendido, comprometendo-se a indicar alternativas o que acabou por não fazer.

  12. Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, que constituía dever contratual para a Recorrente marcar a festa de lançamento do CD, tal marcação só não se verificou por facto exclusivamente imputável à Recorrida, pelo que nenhum juízo de censura deve impender sobre a Recorrente.

  13. Apesar da vasta campanha promocional desenvolvida a favor do CD, com recurso a meios de comunicação social, que incluíram um programa televisivo de grande audiência, não se logrou cativar o interesse do público para adquirir o CD em apreço.

  14. Nenhuma acção ou omissão podem ser imputadas à Recorrente para o insucesso de vendas do CD, sendo certo que esta nunca assumiu perante a Recorrida a obrigação de quaisquer resultados de vendas.

  15. O estado depressivo que atingiu a Recorrida, cujo grau de dramatização foi notório, tem por base única e exclusivamente os sonhos, ilusões e expectativas criadas pela própria Recorrida, seus pais, irmã e amigos, que se convenceram erroneamente, sem culpa da Recorrente, que a Recorrida tinha suficiente talento para singrar no difícil mundo...

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