Acórdão nº 048675 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 1996 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOPES ROCHA
Data da Resolução10 de Julho de 1996
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, após a vista a que se refere o artigo 416 do Código do Processo Penal, efectuou-se o exame preliminar, no qual se verificou serem os recursos próprios, tempestivamente interpostos e motivados, dispondo os recorrentes de legitimidade, recebidos no efeito e com o regime de subida adequados, nada obstando ao seu conhecimento. Foram produzidas alegações por escrito, a seu requerimento, pelo arguido Domenico Festa, e, mais tarde, pelo arguido Isidro Bandeira Carvalho Martins, apresentando o Ministério Público as suas contra-alegações. No exame preliminar foi o processo considerado de excepcional complexidade, nos termos e para os efeitos do n. 3 do artigo 215 do Código do Processo Penal. O recorrente David Re reclamou do despacho de folhas 5825 que indeferiu o requerimento de folha 5785, no qual pedia fosse requisitado a fim de estar presente na audiência de julgamento, tendo sido proferido o acórdão de folhas 5887-5896, em 14 de Fevereiro de 1996, que confirmou o despacho recorrido. Seguiram-se vários actos e diligências para esclarecimento de dúvidas suscitadas no exame do processo pela Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta. Finalmente, correram os vistos legais e procedeu-se à audiência, com estrita observância do formalismo imposto no Código de Processo Penal. Cumpre apreciar e decidir. III. De acordo com a jurisprudência corrente pacífica e bem estabelecida deste Supremo Tribunal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações (cf., por exemplo e por último, o acórdão proferido em 5 de Junho de 1996, Processo n. 46789, com remissão para vários outros arestos anteriores no mesmo sentido. Tal não obstará o conhecimento oficioso de vícios e nulidades, se for caso disso. Assim, começaremos por elencar as questões litigiosas a apreciar e a resolver e que emanam das motivações apresentadas pelos recorrentes, por ordem lógica, já que as respostas dadas a umas podem repercutir-se no exame das restantes. Ora, das conclusões das motivações dos recorrentes, os pontos litigiosos a apreciar são os seguintes: 1- O artigo 433 do Código de Processo Penal está ferido de inconstitucionalidade? (Este meio de impugnação foi deduzido pelos recorrentes Domenico Festa, Guglielmo Di Giovine, Emílio Di Giovine, Antonino Palamara e David Re). 2- Foram violados os artigos 32 da Constituição da República Portuguesa e 327 do Código do Processo Penal, por falta dos arguidos nas diligências rogadas às autoridades judiciárias espanholas em que foram ouvidas testemunhas? (Este meio foi deduzido pelos recorrentes Guglielmo, Palamara, Carvalho Martins, Lorenzo, Emílio e David Re). 3- Foram violados, do mesmo modo, os artigos 129 e 128, n. 1 do Código de Processo Penal, por admissão do depoimento indirecto de uma testemunha? (Meio de impugnação dos recorrentes Guglielmo e Palamara). 4- Foi violado o artigo 356, 2, alínea c) do Código de Processo Penal - leitura na audiência da carta rogatória? (Meio deduzido pelo recorrente Emílio Di Giovine). 5- Com a emissão da carta rogatória às autoridades espanholas foi violado o princípio da separação de poderes, do artigo 114, 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo n. 6 do artigo 135 do Decreto-Lei n. 43/91, de 22 de Janeiro? (Meio deduzido pelo recorrente Emílio Di Giovine). 6- A ponderação dos antecedentes criminais de um arguido, não constantes da acusação e da pronúncia, viola os artigos 358 e 359 do Código do Processo Penal? (Meio deduzido pelos recorrentes Emílio Di Giovine, David Re, Guglielmo e Federico Lorenzo). 7- Foi violado o artigo 355 n. 1 do C.P.P. - falta de exame em audiência de documentos oferecidos pelo Ministério Público? (Meio deduzido pelo recorrente Emílio Di Giovine). 8- Enferma o acórdão impugnado da nulidade do artigo 374, n. 2, do Código do Processo Penal? (Meio deduzido pelo recorrente Emílio Di Giovine). 9- O mesmo acórdão enferma dos vícios das alíneas a) e c) do n. 2 do artigo 410 do Código do Processo Penal? (Meio deduzido pelos recorrentes Guglielmo, Festa, Palamara, Giuseppe Re, Isidro Martins). 10- Houve erro de julgamento no tocante à qualificação dos factos como crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 287 do Código Penal? (Meio deduzido pelos recorrentes Guglielmo, David Re, Emílio, Palamara). 11- A pena de expulsão foi decretada ilegalmente? (Meio deduzido pelo recorrente Festa). 12- A declaração de perda de bens a favor do Estado foi ilegal? (Meio deduzido pelos recorrentes Giuseppe Re, Henry Peralta e Valéria Urba). 13- Foi ilegalmente aplicado o perdão da Lei n. 15/94, de 11 de Maio? (Meio deduzido pelo Ministério Público). Relativamente aos recursos interlocutórios: 1- Recurso do despacho de folha 3936, Vol. XVII, que declarou conforme à Constituição o artigo 342 do Código do Processo Penal. 2- Recurso do despacho de folhas 4199, Vol. XVIII que ordenou a emissão de carta rogatória às autoridades espanholas, com eventual violação dos artigos 61, 318 e 322 do Código do Processo Penal, 4 da Convenção Europeia de Auxilio Mútuo em Matéria Penal, artigos 13 e 32, 1 e 5 da Constituição da República e artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. IV. A questão litigiosa da constitucionalidade (ou da inconstitucionalidade) do artigo 433 do Código de Processo Penal não é nova. Já foi várias vezes apreciada, tanto por este Supremo Tribunal de Justiça como pelo Tribunal Constitucional. E sempre no sentido da conformidade constitucional do referido preceito. Cfr., entre outros: acórdão de 9 de Maio de 1990, in B.M.J. 397, página 332; de 13 de Maio de 1992, ibidem, 417, página 308; de 9 de Julho de 1992, ib 419, página 589; de 7 de Outubro de 1992, ib. 420, página 204; de 26 de Maio de 1994, in Colectânea de Jurisprudência, II - 2, página 233; e de 11 de Outubro de 1995, Processo n. 45540. Neste último, observou-se que, na esteira da implícita constitucionalidade do mesmo artigo 433, e a propósito da eliminação do duplo grau de recurso, aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição e garantias de defesa do arguido se podiam ver o Prof. Figueiredo Dias, em conferências publicadas no B.M.J. 369, 18 e in "Para uma nova justiça penal", Livraria Almedina, páginas 237 e seguintes; Cunha Rodrigues e Gonçalves da Costa, in "Recursos", na obra colectiva "O novo Código do Processo Penal", Almedina, 1988, páginas 379 e seguintes e 401 e seguintes; e também no sentido da constitucionalidade, daquele primeiro Autor, in "Revisão Constitucional, Processo Penal e os Tribunais", página 51. Quanto ao Tribunal Constitucional podem ver-se, entre outros, os acórdãos n. 234/93, de 17 de Março de 1993, in Diário da República, 2. Série, de 2 de Junho de 1993; n. 322/93, de 5 de Maio de 1993, in Diário da República, 2. Série, de 19 de Outubro de 1993; e n. 141/94, de 26 de Janeiro de 1994, in Diário da República, 2. Série, de 7 de Janeiro de 1996. Consequentemente, sendo desnecessárias mais desenvolvidas considerações, temos por infundada a alegação de inconstitucionalidade do artigo 433 do Código de Processo Penal, na esteira da jurisprudência que fica citada e que não vemos razões para abandonar. Em abundanti, não deixaremos de dizer que nunca o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou violado o artigo 6 da Convenção Europeia pelo facto de as legislações internas dos diferentes Estados Partes se contentarem com um único grau de jurisdição, desde que sejam observados os requisitos da imparcialidade, da independência e da publicidade e do processo equitativo, exigidos naquele artigo. Iguais princípios terão de ser respeitados, obviamente nos casos em que as legislações internas prevêem mais do que um grau de jurisdição. Mas ainda aqui não haverá violação mesmo no caso de ausência de debates públicos em segundo ou terceiro grau, desde que os tenha havido na primeira instância. E tratando-se de Tribunais de revista, como as Cassações existentes em vários países, sem competência para estabelecerem os factos, mas unicamente para interpretar as regras jurídicas litigiosas, nem sequer é obrigatória a comparência do interessado perante elas. Neste sentido e para mais pormenores, veja-se "La Convention Européenne des Droits de L'Homme - Commentaire article par article", sob a direcção de Louis-Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Pierre - Henri Imbert, Económica, página 262 e seguintes.; "Jurisprudence de la Cour Européenne des Droits de L'Homme", 3éme ed., de Vincent Berger, Sirey, páginas 143 a 145; "La Convention Européenne des Droits de L' Homme", de Jacques Velue Rusen Ergec, Bruxelles, 1990, espec. página 402; e "Lineamenti di diritto europeo dei diritti dell'Uomo", de Michele de Salvia, Instituto Intemazionale di Studi sui Diritti Dell'Uomo, página 144. Certo que o artigo 2 do Protocolo n. 7 à Convenção Europeia garante a qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação, como acontece com o artigo 14, n. 5 do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos. Mas logo aquele artigo dispõe que o "exercício do direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei". Assim, não impõe qualquer obrigação aos Estados Membros de assegurarem em absoluto o duplo grau de jurisdição, podendo o legislador interno limitar o recurso à matéria de direito ou a esta e a certos pontos da matéria de facto, como se julgou no acórdão n. 117/94, do Tribunal Constitucional, D.R. 2. Série de 19 de Julho de 1994. Veja-se no que se refere à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, em Ireneu Cabral Barreto, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Ed. Aequitas/Ed. Notícias, página 273. Podemos, por isso, passar ao exame da questão seguinte, ou seja, a alegada violação dos artigos 32 do C.R.P. e 327 do Código de Processo Penal, por falta dos arguidos nas diligências rogadas às autoridades...

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