Acórdão nº 913/07.9TBOVR.P1.S1  de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVANO
Data da Resolução28 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I-O regime jurídico do DL nº 67/2003 de 8/4 confinou-se a uma opção legislativa da teoria do cumprimento imperfeito ou teoria do dever de prestação;, II-Este regime jurídico assim delineado e resultante da transposição da Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio,não faz remissão alguma para o direito à anulação por erro ou dolo,à semelhança da Lei nº 24/96 de Defesa do Consumidor ,diferente, portanto, do nosso Código Civil que no caso de venda de coisas defeituosas (artº 913º-1 do CC) que têm erro no processo formativo da vontade no momento da celebração do negócio faz remissão para o artº 905º do mesmo Código permitindo a anulação do contrato.

III-Tendo um veículo sido vendido e fazendo-se crer com dolo ao comprador que este tem um sistema de segurança e estabilidade quando posteriormente a vendedora vem a transmitir que afinal a viatura não tem esse equipamento ,pode o comprador/consumidor intentar acção de anulação do negócio celebrado.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: 1-Relatório AA, intentou acção declarativa com processo ordinário, contra AUTO B... – CONCESSIONÁRIO SEAT, Ldª e BB, alegando,em síntese, o seguinte: Em 24.1.2003, o A. adquiriu à 1ª R., comerciante de automóveis, um veículo automóvel, através do 2º R., seu vendedor comissionista.

A viatura, um Seat Leon TDi Sport, foi adquirida e escolhida, tendo em consideração vários equipamentos, acessórios e sistemas de segurança activa e passiva, nomeadamente e pela orientação do 2.° R., com inclusão de série dos sistemas “ESP” e “TCS”, ou seja, controle de estabilidade e controle de tracção, que aquele aconselhou como integrantes do veículo.

O veículo veio a demonstrar um comportamento estranho durante a sua condução, denotando insegurança e descontrolo que não são próprios dos sistemas ESP e TCS e levaram mesmo ao despiste em estrada.

Apesar do interesse do A. e das suas várias solicitações junto da A., só a 15 de Dezembro de 2006, na sequência de testes por ela efectuados, foi transmitido ao A. que a viatura não possui “ESP” e “TCS”.

O A. foi enganado pelo 2º R.,uma vez que a vontade de adquirir o veículo foi determinada pela afirmação da R., através do seu vendedor, de que o mesmo estava dotado daquele equipamento de segurança.

Ao saber da falta deste equipamento , o A sentiu-se profundamente angustiado e desesperado,o que se tem reflectido no seu relacionamento com amigos e familiares, além do que o fez perder a confiança na condução do automóvel, com o qual interveio até num acidente por insegurança do mesmo, estimando ,assim um dano não patrimonial na quantia de € 2.500,00.

Concluiu o autor,formulando o pedido de anulação da compra e venda do veículo automóvel de marca SEAT, modelo Leon 1.9TDI Sport, matrícula ...-...-UO, com as consequências daí decorrentes e a condenação solidária dos réus no referido montante de indemnização no valor de € 2.500,00.

Em contestação conjunta os réus para além da excepção da incompetência territorial, invocaram as excepções de prescrição e a caducidade do direito invocado pelo A (entendem que ao contrato de compra e venda do veículo é de aplicar o regime de bens de consumo consagrado no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril ) e impugnaram os factos alegados pelo A. dizendo que o sistema de segurança em causa não fazia parte do modelo adquirido pelo A., sendo que este não poderia desconhecer esse facto,pois que o A. não solicitou a aplicação daquele equipamento, tendo sido informado das características técnicas integrantes da versão base do veículo e que em momento algum os R.R. prestaram informação ao A. de que a viatura tinha instalados os referidos equipamentos “ESP” e “TCS”.

Os réus formularam pedido reconvencional fundamentando-o, para o caso da acção ser procedente, em que deve atender-se à desvalorização causada no veículo pelo demandante reconvindo, pois que o A. o tem usado desde Fevereiro de 2003 de uma forma regular, estimada em € 15.575,45, a suportar pelo A. (novo, o veículo custou € 27.975,45).

O A. Respondeu à matéria das excepções sustentando a aplicação do regime da compra e venda de coisa defeituosa previsto nos artºs 913º a 922º, do Código Civil e pediu a improcedência da reconvenção, entendendo que o valor actual do veículo, com cerca de 100.000 km, é, pelo menos, de €17.000,00.

Após instrução e julgamento veio a ser proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência declarou-se anulada a compra e venda do veículo ...-...-UO, marca Seat modelo Leon 1.9tdi Sport, devendo a 1ª Ré, auto B... – Comércio de Automóveis, L.da, devolver ao A. o dinheiro que dele recebeu a título de preço do veículo, e o A., AA, restituir o mesmo veículo, condenando-se também a 1ª Ré a pagar ao A. uma indemnização no valor de € 1.000,00 e absolvendo-se o 2º R. dos pedidos.

Julgou-se também a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu-se o A. reconvindo do respectivo pedido.

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação e aí por acórdão se julgou a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Deste acórdão veio a Ré Interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, onde formula as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso: Nas suas contra-alegações os recorridos defendem a manutenção do decidido no acórdão.

  1. -O recurso ora interposto limita-se à apreciação de violação de lei substantiva, nomeadamente no que concerne ao erro de interpretação e, também, de aplicação, em que o Venerando Tribunal da Relação do Porto terá incorrido, nos termo e para os efeitos do artigo 722°, n° 1, a) do Código de Processo Civil, sendo explanado essencialmente em duas vertentes: a) incorrecta determinação e aplicação do Direito no caso sub judice; b) do errado indeferimento do pedido reconvencional deduzido pela Recorrente.

B)-Incorreu em erro o Venerando Tribunal da Relação do Porto ao não considerar que no caso vertente deverão ser aplicáveis as disposições legais decorrentes do Decreto-Lei n° 67/2003 de 08 de Abril, legislação vigente no nosso ordenamento jurídico à época da celebração do contrato de compra e venda entre A. (Recorrido) e R. (Recorrente).

No que respeita aos bens móveis, transpõe-se um novo regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respectivo contrato de compra e venda.

C)-No que concerne aos PRAZOS DE EXERCÍCIO DOS DIREITOS enunciados por parte do comprador, a legislação aludida é lapidar e inquestionável: Tratando-se de coisa móvel, o comprador pode exercer os direitos supra referidos no prazo de dois anos a contar da entrega do bem (artigo 3°, n° 2 e artigo 5°, n° 1, ambos do Decreto-Lei n° 67/2003 de 08 de Abril, na redacção original de tal diploma em vigor à época).

D)-No que concerne ao EXERCÍCIO DE DIREITOS E SUSPENSÃO DE PRAZO, o consumidor deve denunciar a falta de conformidade do bem ao vendedor no prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, a contar da data em que a tenha detectado.

Note-se ainda que os direitos do consumidor caducam se no prazo referido não fizer a competente denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses (sem que tenha existido qualquer actuação judicial).

(artigo 5°, n° 3 e n° 4 do Decreto-Lei n° 67/2003 de 08 de Abril, na redacção original de tal diploma em vigor à época) E, como resulta expressamente da lei, o prazo da caducidade não se suspende nem se interrompe a não ser nos casos em que a lei o determine - art. 328° do Código Civil.

Impedindo-se, porém, a caducidade pelo exercício do direito dentro dos limites prefixados.

Ou seja, pela prática, dentro do prazo legal ou convencional. do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo - art. 331°, n°1.

Pelo que, a única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha efeito impeditivo.

E, se tal prazo respeita ao exercício de uma acção judicial, a única forma de evitar a caducidade é propor a mesma dentro do prazo - art. 332° (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito civil, vol. II, p. 571).

O que não ocorreu!!!! Incorreram em erro na aplicação do Direito o MMo Juiz do Tribunal a quo, bem como o Venerando Tribunal da Relação do Porto, pois tinham já decorrido todos os prazos conferidos ao Recorrido para o exercício de qualquer (eventual) direito ...

E)-É a legislação especial, consagrada em diploma próprio, decorrente da transposição de uma directiva comunitária e que não integra o Código Civil, que em concreto deve regulamentar as questões controvertidas em apreço na presente lide e que, na óptica da recorrente, não pode deixar margem para qualquer dúvida quanto à sua aplicação em detrimento das regras do Código Civil.

Aliás, na senda do princípio que também enforma o nosso ordenamento jurídico: a lei especial derroga a lei geral. ..

Se antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 67/2003 de 08...

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