Acórdão nº 00S1812 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2001

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução10 de Maio de 2001
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório A e B intentaram, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, acção emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário, contra C - Livraria, Ciência, Arte e Cultura, L.da, pedindo a condenação da ré a pagar, a título de créditos não pagos e indemnização de antiguidade, à primeira autora a quantia de 2 349 118$00 e à segunda autora a quantia de 2 103 113$00.

Aduziram, para tanto, em suma, que: - por contratos verbalmente celebrados, foram as autoras admitidas ao serviço da ré, no estabelecimento dedicado à comercialização de artigos de livraria, papelaria e objectos de arte de que é possuidora, no dia 1 de Março de 1989, por tempo indeterminado, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhando a primeira autora a função de escriturária e a segunda autora a função de caixeira, com salários mensais que ao tempo eram de 78 304$00 e de 67 866$00, respectivamente; - as autoras mantiveram-se em efectividade de funções, a segunda até ao dia 30 de Junho de 1998 e a primeira até ao dia 3 de Julho do mesmo ano, altura em que o representante da ré comunicou que iria encerrar para férias e que quando reabrisse as chamaria novamente, mas tal não aconteceu, não lhes tendo sido pagas, à primeira desde Agosto de 1997 e à segunda desde Julho de 1997, quaisquer retribuições, férias e subsídios de férias e de Natal a que têm direito, pelo que, em 13 de Agosto de 1998, comunicaram à ré, por cartas registadas com aviso de recepção, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, a intenção de porem fim aos respectivos contratos de trabalho, com base na falta de pagamento de retribuições; - a primeira autora tem a haver o total de 2 349 118$00, sendo 783 040$00 de indemnização de antiguidade (10 X 78 304$00) e 1 556 078$00 de créditos não pagos, resultantes da adição das seguintes parcelas: 391 520$00 de retribuições de 1 de Agosto a 31 de Dezembro de 1997 (5 X 78 304$00); 156 608$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1997 (2 X 78 304$00); 78 304$00 de subsídio de Natal de 1997; 627 432$00 de retribuições de 1 de Janeiro a 31 de Julho [terá querido escrever Agosto] de 1998 (8 X 78 304$00); 156 608$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1998 (2 X 78 304$00); 52 202$00 de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 1998; e 104 404$00 de férias e subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado em 1998 (2 X 52 202$00); - a segunda autora tem a haver o total de 2 103 113$00, sendo 678 660$00 de indemnização de antiguidade (10 X 67 866$00) e 1 424 453$00 de créditos não pagos, resultantes da adição das seguintes parcelas: 407 196$00 de retribuições de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1997 (6 X 67 866$00); 135 732$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1997 (2 X 67 866$00); 67 866$00 de subsídio de Natal de 1997; 542 928$00 de retribuições de 1 de Janeiro a 31 de Agosto de 1998 (8 X 67 866$00); 135 732$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1998 (2 X 67 866$00); 44 996$00 de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 1998; e 89 992$00 de fé-rias e subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado em 1998 (2 X 44 996$00).

Citada, a ré contestou (fls. 31 a 34), alegando, em suma, que as autoras, mediante acordos escritos de revogação de contrato de trabalho, juntos a fls. 35 e 36, declararam rescindir por mútuo acordo com a ré os contratos que as ligavam, com efeitos a partir de 18 de Junho de 1998, declarando a primeira autora ter recebido da ré, no mesmo acto, a quantia global de 1 051 558$00, e a segunda ré a quantia global de 996 416$00, e que com o recebimento dessas quantias se declaravam total e integralmente compensadas pela cessação dos respectivos contratos de trabalho, remitindo na totalidade os direitos emergentes desses contratos e declarando nada mais terem a receber da ré; assim, tendo os contratos de trabalho cessado, por mútuo acordo, com efeitos a partir de 18 de Junho de 1998, nenhuma relevância pode resultar das comunicações enviadas pelas autoras, para efeitos de rescisão, em 13 de Agosto do mesmo ano, nada tendo elas a receber da ré.

Responderam as autoras (fls. 43 e 44), afirmando que os acordos referidos pela ré foram assinados com espaços em branco, deles não constando as quantias lá apostas, posteriormente, pelo representante legal da ré, D. Reafirmam que nem a ré entregou às autoras nem estas receberam as quantias referidas nesses documentos, os quais foram elaborados com o objectivo de serem apresentados à mulher do referido D, também sócia da sociedade, entre os quais corria processo de divórcio litigioso, para a forçar a comparticipar no pagamento das despesas da sociedade. Mais aduzem que, receando que a ré não lhes viesse a pagar, nem mesmo posteriormente, as quantias em dívida, no dia imediato à celebração dos referidos acordos, comunicaram por carta à ré (documentos de fls. 45 e 46), nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, a sua opção pela revogação de ambos os acordos de cessação dos respectivos contratos de trabalho, e continuaram efectivamente ao serviço da ré, como o comprovam os documentos de fls. 47 e 48, emitidos pela ré, em que indica como data da cessação dos contratos uma data (31 de Julho de 1998) posterior à que constava dos aludidos acordos de cessação dos contratos.

Proferido despacho saneador (fls. 55), elaborados especificação e questionário (fls. 55 a 60), que não suscitaram reclamações, realizada audiência de julgamento (fls. 68 e 69) e dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 70 e 71, que suscitaram reclamação da ré (fls. 72 verso), indeferida por despacho de fls. 72 verso e 73, foi proferida a sentença de fls. 74 a 86, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar, a título de créditos não pagos e indemnização por antiguidade, à primeira autora, A, a quantia de 2 340 335$00, e à segunda autora, B, a quantia de 2 095 376$00, absolvendo a ré do restante pedido. As diferenças entre os valores peticionados e os da condenação resultam de se haver entendido que cada um dos proporcionais das férias e dos subsídios de férias e de Natal da primeira autora era de 48 941$00 (e não de 52 202$00, como peticionado) e da segunda autora era de 42 417$00 (e não de 44 996$00, como peticionado).

Nesta sentença, considerou-se fundamentalmente que os acordos de cessação dos contratos de trabalho eram nulos por falta da formalidade, que qualificou como de ad substantiam, da entrega dos respectivos duplicados às autoras, ponderando-se, a propósito: "Acontece, porém, que a lei exige que «o acordo de cessação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar» (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).

Ora, como vimos, dos escritos em que as autoras e a ré declararam rescindir por mútuo acordo os contratos de trabalho que as ligavam, com efeitos a partir do dia 18 de Junho de 1998, não constavam os valores das respectivas quantias que elas declaravam receber porque o representante legal da ré, Sr. D, pediu à autora A que fizesse as contas das quantias em dívida a fim de posteriormente as escrever nos respectivos documentos, tendo sido o próprio Sr. D quem colocou as respectivas quantias nos documentos e ficado de posse deles, não tendo entregue os cor-respondentes duplicados a cada uma delas.

O escrito onde as partes consubstanciem o acordo revogatório do contrato de trabalho é um documento (formalidade) ad substanciam, conforme claramente resulta dos termos conjugados do citado artigo 8.º, n.º 1, do De-creto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e 364.º, n.º 1, do Código Civil (neste sentido, cfr. o acórdão da Relação do Porto, de 10 de Outubro de 1994, na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1994, tomo IV, pág. 249). E que tal formalidade foi estabelecida a favor do trabalhador também não pode restar qualquer espécie de dúvidas (cfr. Abílio Neto, obra e local citados, e o aresto acima mencionado).

A questão está, porém, em saber o que constitui tal acordo.

É que o mencionado artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, refere que «o acordo de cessação do contrato deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar» e, portanto, cremos que a revogação só é válida se a revogação for feita em duplicado, ficando cada parte com um deles (não uma cópia, note-se, o que leva a intuir a absoluta necessidade do documento ser lavrado em dois exemplares).

Não foi este, como vimos, o caso dos autos, pois que, como se referiu, foi o Sr. D quem colocou as respectivas quantias nos documentos e ficado de posse deles, não tendo entregue os correspondentes duplicados a cada uma delas.

Assim sendo, o acordo revogatório é nulo, não se operando valida-mente a revogação do contrato, com a consequência óbvia deste se manter (artigos 220.º, 286.º e 289.º do Código Civil)." Alcançada esta conclusão, prosseguiu a sentença com a afirmação de que os contratos foram licitamente rescindidos por iniciativa das autoras, com fundamento na falta de pagamento de retribuições, e, por isso, julgou a acção procedente, com a restrição acima assinalada.

Contra esta sentença apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 94 a 111), que, por acórdão de fls. 127 a 130, negou provimento a esse recurso, confirmando a sentença recorrida, embora por diverso fundamento.

Nesse acórdão sintetizaram-se as conclusões da alegação da apelante da seguinte forma: "a) Os acordos revogatórios dos contratos de trabalho, celebrados entre as autoras e a ré, devem ser considerados válidos, bem como serem considerados efectuados os pagamentos da compensação pecuniária global deles constantes; com efeito, tais acordos revestiram a forma escrita e encontram-se assinados por ambas as partes, e os...

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