Acórdão nº 01P3636 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2001
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2001 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Em processo comum e perante Tribunal Colectivo de Lamego, responderam: A, B, C, e D, todos devidamente identificados, pronunciados pela prática, em co-autoria material, de um crime de violação de penhor mercantil, p. e p. pelo art. 1.º, 1ª parte do DL 29.833, de 17/08/39, com referência aos arts. 202.º al. b), 203.º n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), do C. Penal de 1995 (CP/95). A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Lamego, CRL, constituída assistente, deduziu pedido de indemnização civil, pretendendo que os arguidos sejam solidariamente condenados a pagar-lhe, em resultado da conduta por que foram pronunciados, a quantia de 22.000.000$00, a título de reparação por danos emergentes e de juros de mora até então vencidos, acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento (estes sobre a importância de 18.500.000$00. A final foi proferida decisão em que foi acordado: 1º Julgar extinto o procedimento criminal, por estar revogado o art. 1º §§ 1º e 2º do DL 29.833, de que os arguidos vinham pronunciados (sendo certo que as suas condutas não são subsumíveis a qualquer outro crime tipificado na legislação penal). 2º Julgar igualmente extinta a instância quanto à parte cível decorrente do pedido de indemnização deduzido pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de .... contra os arguidos, por impossibilidade da lide. 3º Declarar extintas as medidas de coacção a que os arguidos estavam sujeitos. 4º Condenar a CCAM nas custas da parte cível, não havendo lugar a custas criminais. 5º Fixar os honorários da ilustre defensora oficiosa, Drª F, na quantia taxada na Portaria n.º 1200-C/2000, de 20/12. 6º Ordenar a remessa de boletins ao registo criminal." Inconformada, recorreu a este Supremo Tribunal a assistente e simultaneamente demandante civil "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ....., CRL", encerrando a respectiva motivação com este rol conclusivo: 1. O tribunal a quo devia ter considerado em vigor o Dec.Lei 29833, por este não ter sido revogado, e como tal existe subsunção legal dos factos ao mesmo. 2. Foi violado o disposto no artigo 1.º, §§ 1.º e 2.º do Dec. Lei 29833. 3. Em consequência desta violação deverá ser proferida condenação aplicando-se o citado Dec. Lei e a respectiva pena. 4. A lei geral não revoga a lei especial. 5. A opinião do Mestre Figueiredo Dias, apesar de douta, não é de aplicar em virtude de não ser lei. 6. Deverá o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo ser revogado e consequentemente ser proferido outro condenando os arguidos nos precisos termos atrás referidos e consequentemente julgar-se procedente o pedido cível ora formulado. Responderam os arguidos C e D, ambos em defesa do julgado. E, no mesmo sentido, o Procurador da República junto do tribunal a quo. Subidos os autos, manifestou-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, expressando parecer no sentido de nada obstar ao conhecimento do mérito do recurso. 2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir. A única questão, balizada pelas conclusões da recorrente, confina-se a saber se o falado Decreto-Lei, que veio à luz no já distante ano de 1939, se manteve intocado ante a renovação e modernização do sistema penal português empreendida, nomeadamente, com a entrada em vigor do Código Penal de 1982. Vejamos os factos: 1) Em 18/12/1992, os arguidos A, B e C, na qualidade de então únicos sócios gerentes da sociedade Caves do ..., L.da, com sede no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., celebraram com a assistente, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., CRL (CCAM...), um contrato de penhor mercantil sobre: - 63 pipas de vinho generoso, com a capacidade de 550 litros cada, 45 das quais armazenadas na cuba n.º 6 e as restantes 18 na cuba n.º 7, ambas instaladas num armazém sito no lugar de ..., concelho ... e avaliadas em 9.490.000$00, - 440.000 litros de vinho de pasto, armazenados nas dependências da Quinta do ..., situada na freguesia de ... e distribuídas pela forma seguinte: 150.000 litros no Inox n.º 24, 70.000 litros no Inox n.º 19, 70.000 litros no Inox n.º 20, 70.000 litros no Inox n.º 16, 40.000 litros no Inox n.º 13 e 40.000 litros no Inox n.º 14, avaliados em 20.240.000$00. 2) Tal contrato de penhor mercantil destinou-se a servir de garantia de pagamento de um empréstimo, celebrado na mesma data, contraído pela sociedade Caves do ..., L.da. à CCAM..., no valor de 18.500.000$00 e que tinha como data de vencimento o dia 16/06/1993. 3) No âmbito do mencionado contrato de penhor, os arguidos A, B e C, enquanto sócios gerentes da dita sociedade, foram investidos na qualidade de fiéis depositários daquele vinho, com o encargo de o guardarem e entregarem se tal lhes viesse a ser exigido e foram advertidos de que ficavam "sujeitos às penalidades e obrigações da lei geral". 4) Por conta do pagamento do referido empréstimo, o arguido A, a 05/02/1993, entregou a quantia de 4.745.000$00 à CCAM..., tendo mais tarde, a 17/04/1995, o arguido B entregue à mesma Caixa a quantia de 3.795.000$00. 5) Por não ter sido paga a totalidade da dívida na data do vencimento acima indicada, nem nos meses seguintes, a CCAM... instaurou neste Tribunal Judicial da Comarca de Lamego a competente acção executiva contra os três primeiros arguidos identificados supra e suas esposas e, ainda, contra a sociedade Caves do ..., L.da, a qual foi distribuída à 2ª secção, com o n.º 174/99. 6) Em tal acção executiva, a CCAM... indicou à penhora, além de outros, os 440.000 litros de vinho de pasto atrás mencionados, tendo aquela penhora sido ordenada por despacho de 04/02/1997, exarado a fls. 36 daqueles autos. 7) Quando, no dia 27/02/1997, os Funcionários Judiciais pretenderam efectivar aquela penhora, não o conseguiram fazer por terem encontrado os balões de Inox indicados no citado contrato de penhor - com os nºs 24, 19, 20, 16, 13 e 14 - completamente vazios. 8) Tal sucedeu, porque a partir de 17/02/1993 e durante um período que se prolongou por vários meses, a sociedade Caves do ..., L.da procedeu à venda dos referidos 440.000 litros de vinho de pasto para o mercado Angolano (mais propriamente para os Supermercados Cardoso, sitos em Luanda), venda que foi decidida por acordo entre os arguidos C e D que, àquela data, eram os únicos que exerciam a gerência de facto da dita sociedade, sabendo também o último que o vinho tinha sido dado de...
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