Acórdão nº 01P4223 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução14 de Março de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I1.1. O Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Santa Maria da Feira, por acórdão de 8.10.2001 Processo comum colectivo n.º 465/01 do 1.ª Juízo Criminal da Feira., decidiu: - Absolver os arguidos A e B dos crimes de burla qualificada de que vinham acusados. - Condenar cada um destes arguidos, pela co-autoria material de um crime de passagem de moeda falsa do art. 265.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, para cada um dos arguidos A e B. - Condenar o arguido C, pela autoria material de um crime de passagem de moeda falsa do art. 265.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão, mas suspensa na respectiva execução pelo prazo de 3 anos. - Condenar o arguido D, na pena de 18 meses de prisão por cada um de 2 crimes de passagem de moeda falsa do mesmo art. 265.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal. Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena de 20 meses de prisão, mas suspensa também na sua execução pelo prazo de 3 anos. 1.2. Inconformado, o Ex.mo Procurador da República recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça pedindo que, na procedência do recurso, seja revogada aquela decisão no segmento ora recorrido, e substituído por outro no qual se condene os arguidos B e A pela prática, em concurso real com o crime de passagem de moeda falsa, de dois crimes de burla qualificada de acordo com a previsão legal dos art.ºs 30.º, n.º 1, 217.º e 218.º, n.º 1, todos do Código Penal. Para tanto, concluiu na sua motivação: 1.º - São elementos constitutivos do crime de passagem de moeda falsa p. e p. no art.º 265.º, n.º 1, al.‘ a) do C.P.: a) a passagem de moeda falsa; b) inexistência de concerto com o falsificador; c) a consciência, aquando da passagem, de que se trata de moeda falsa. 2.º - Não exige este preceito legal uma actividade enganadora por parte do agente acerca da natureza da moeda que tenciona colocar em circulação, não sendo necessário o intuito de enganar terceiros, no sentido de os convencer de que a moeda tem curso legal, bem sabendo, no entanto, da sua falsidade. 3.º - Na passagem de moeda falsa, não é forçoso que haja uma diminuição patrimonial de alguém, é que tanto põe em circulação moeda falsa quem a utiliza para adquirir bens ou serviços como quem a oferece. 4.º - No crime de burla p. e p. no art.º 217.º do C.P. e na sua formulação agravada no art.º 218.º do C.P., exige-se que o agente manipulando factos crie no visado uma percepção da realidade não correspondente à verdade, determinando-o, assim, á prática de actos que de outro modo não efectuaria e que irão atingir a sua esfera patrimonial, diminuindo-a. 5.º - A conduta dos arguidos integra ao crime de passagem de moeda falsa, uma vez que aqueles, de comum acordo, adquiriram um veículo automóvel, pagando o seu preço com notas de 5.000$00, que entregaram ao proprietário daquele veículo, sabendo-as contrafeitas. 6.º O arguido A quando se dirigiu ao ofendido sempre se identificou como ..., e sabendo que iria propor àquele um negócio cujo preço pagaria com moeda falsa, levou-o a emitir a necessária declaração de vontade dirigida à concretização da compra e venda proposta, manipulando a realidade dos factos, causando-lhe um prejuízo patrimonial no valor de 1000000 escudos. 7.º A sua actuação teve sempre na sua base a intenção de obtenção de um enriquecimento ilegítimo, que se traduziu na aquisição de um veículo automóvel por "custo zero", que posteriormente, trocaram por um outro no valor de 800000 escudos e mais 150000 escudos. Pelo que se verifica a prática de um crime de burla qualificada 8.º - Segundo o critério consagrado pelo art.º 30.º, n.º 1 do CP, é o número de acções, entendidas na sua dimensão normativa, enquanto negação de valores ou interesses, que determina a unidade ou pluralidade de infracções, 9.º - Os arguidos com a sua conduta preencheram os tipos legais dos crimes de burla qualificada e passagem de moeda falsa, ofendendo e violando a protecção dada á integridade do sistema monetário oficial e regularidade da circulação fiduciária e, bem assim, ao património do ofendido E. 10.º - Os arguidos não manifestaram uma só resolução criminosa, uma só vontade, mas duas, uma dirigida á colocação em circulação da moeda falsa e a outra ao engano, á viciação da percepção da realidade pelo ofendido, para a obtenção fácil de um enriquecimento da sua situação patrimonial. 11.º - Não se pode sem mais afirmar a existência de um mero concurso aparente, devendo-se atender a todo o circunstancionalismo fáctico revelador da forma como se desenvolveu a actividade criminosa dos arguidos para, então, se chegar à determinação da vontade, concreta e determinada e não a uma qualquer resolução abstracta e geral. 12.º - Em conjunto com a resolução de colocação de moeda em circulação, os arguidos manifestaram vontade de enganar, ludibriar o ofendido, elaborando toda uma história e criando todo um envolvimento que ultrapassou o mero engano enquanto elemento intrínseco do crime de passagem de moeda falsa, integrando já a astúcia e a manha que preenche o tipo legal do crime de burla. 13.º - Perante a factualidade concreta que envolveu a conduta dos arguidos no dia 19 de Julho, não se pode deixar de discordar da qualificação jurídico-penal dada pelo acórdão, ora recorrido. 14.º - O arguido B, de comum acordo com o arguido A, dirigindo-se ao Stand de F, o qual era seu conhecido, propôs a troca do veículo automóvel que tinha em sua posse e que tinha sido adquirido com moeda falsa, por um outro existente no Stand, mais a quantia de 150000 escudos. 15.º - Deste modo, obtiveram os arguidos, um veículo automóvel de proveniência legítima que facilmente poderiam transaccionar, transformando, desse modo, o seu enriquecimento na quantia monetária por que viessem a vender o veículo lesando, assim, os interesses patrimoniais de F . 16.º - Nesta transacção não ocorreu qualquer passagem de moeda falsa mas a troca de um bem adquirido com moeda falsa, pelo que não é possível a subsunção desta conduta ao ilícito penal de passagem de moeda falsa. 17.º - Pelo contrário, a referida conduta em tudo integra a previsão legal do crime de burla qualificada, em função do valor, p.e p. pelos art.ºs 217.º e 218.º, n.º 1 do CP., pois com a sua actuação criaram uma deturpação da realidade na mente do ofendido levando-o à realização de uma disposição patrimonial que de outro modo não efectuaria. 18.º - Assim, com a sua conduta os arguidos praticaram um crime de passagem de moeda falsa em concurso real com dois crimes de burla qualificada, nos termos dos art.º 30.º, n.º 1, 265.º, n.º 1, al. a), 217.º e 218.º, n.º 1 todos do Código Penal. 19.º - Decidindo em contrário, o douto acórdão violou, por erro de interpretação, os conteúdos legais previstos nos art.º s 30.º, n.º 1, 217.º e 218.º, n.º 1, todos do Código Penal. 1.3. O arguido A, respondeu, concluindo: 1.º - O crime da colocação em circulação de moeda contrafeita está em relação de consunção pura com o crime de burla que é praticado pelo pagamento com moeda falsa de aquisição de bens. 2º - Há um crime único, quando se verifica uma única resolução criminosa e se ofende o mesmo tipo legal de crime, qualquer que seja a acção naturalística de execução do crime. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso 1.4. Também respondeu o arguido B, concluindo: 1. Não se verifica um concurso real de crimes, mas sim um concurso aparente. 2. Deve ser ordenado a restituição dos 312000 escudos, ao B. 3. Em tudo o mais o acórdão fez uma interpretação correcta do enquadramento jurídico-legal, pelo que deve ser mantido. Termos em que e nos mais de direito, V. Exas, Senhores Juízes Conselheiros suprirão, deve manter-se o acórdão recorrido com a correcção formulada no ponto 2 das conclusões. Assim se fazendo Justiça!II2.1. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto requereu, nos termos do n.º 4 do art. 411.º do CPP, a produção de alegações escritas. Fixado o respectivo prazo foram elas produzidas. 2.1.1. Nelas pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público, com a revogação do acórdão recorrido no segmento absolutório dos arguidos respeitante ao crime de burla qualificada em que foi lesado Jacinto Soeiro, condenando-se os arguidos por tal crime, em concurso real com o do art. 256.º, n.º 1, al. a). E concluiu: I. A colocação em circulação de moeda falsa, traduzida na entrada da moeda falsa na esfera de disposição de facto de outra pessoas, que a recebe na convicção errónea de que é legítima, e que por isso sofre um prejuízo patrimonial, é reconduzível aos tipos legais der burla e da colocação em circulação de moeda falsa, que se encontram numa relação de concurso aparente ou de normas. II. Na transacção efectuada com F, não foi posta em circulação moeda falsa, estando excluído o preenchimento do crime (ou acto integrante) de passagem de moeda falsa. III. A matéria de facto dada como provada sob o n.º 2.1.5 e 2.1.19 preenche os elementos objectivo e subjectivo do crime de burla qualificada que era imputada aos arguidos. 2.1.2. O arguido B concluiu nas suas alegações: 1.º Não se verifica um concurso de crimes. 2.º O nome da burla está afastado pela regra da consunção. 3.º Estão preenchidos os requisitos do concurso aparente. São as seguintes as conclusões do arguido A: 1.º O crime de colocação em circulação de moeda contrafeita está em relação de consunção pura com o crime de burla que é praticado pelo pagamento com moeda falsa da aquisição de bens. 2.º Há um crime único, quando se verifica uma única resolução criminosa e se ofende o mesmo tipo legal de crime, qualquer que seja a acção naturalística de execução do crime. 3.º O douto acórdão recorrido não merece censura na parte em que absolveu o arguido da prática de crimes de burla. 2.2. Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.IIIE decidindo. 3.1. Assentou a 1.ª Instância na...

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