Acórdão nº 01S1694 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução29 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório A intentou, em 20 de Abril de 1998, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, acção emergente de contrato individual de trabalho, com forma ordinária, contra B, pedindo que fosse decretado ter a autora rescindido com justa causa o seu contrato de trabalho com a ré, e, consequentemente, esta condenada a pagar-lhe as quantias de (i) 1998140 escudos, de indemnização de antiguidade; (ii) 4037 escudos, de retribuição referente ao trabalho prestado nos dias 30 e 31 de Outubro de 1997; (iii) 34312 escudos, de retribuição referente aos 17 dias de trabalho prestado no mês de Novembro de 1997; (iv) 165500 escudos, de retribuição correspondente às férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado em 1997; (v) 92303 escudos, de juros vencidos sobre as referidas quantias até à data da proposição da acção, e ainda os vincendos sobre as mesmas importâncias, devidos a partir dessa data até efectivo e integral pagamento

Para tanto, alegou, em síntese, que em 17 de Novembro de 1997 rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, por a ré, que tem por objecto a indústria de fiação de algodão e mistos, quando a autora regressou de férias, em 30 de Outubro de 1997, lhe ter atribuído funções (limpeza de cones, varredura das instalações e limpeza das retretes da fiação) sem qualquer afinidade com a sua função normal (empacotar ou empapelar os artigos fabricados pela ré), que ela recusou executar, pelo que a ré, em retaliação, obrigou-a a permanecer de pé, isolada dos restantes trabalhadores e sem nada que fazer

A ré contestou (fls. 19 a 23), negando ter determinado que a autora varresse as instalações ou limpasse as retretes, mas apenas que limpasse os cones, que era tarefa directamente ligada à sua função, pelo que não existiu justa causa para a rescisão unilateral do contrato; em reconvenção/compensação, pediu a condenação da autora a pagar-lhe 1000000 escudos de indemnização pelos danos causados pela desobediência ilícita e subsequente comportamento da autora, 131000 escudos por falta de aviso prévio, a compensar nos 158187 escudos que reconhece dever à autora a título de férias e de subsídios de férias e de Natal, ou seja, a pagar-lhe a quantia de 972813 escudos (fls. 19 a 23)

Após resposta da autora (fls. 30 a 34), foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto considerada assente e a base instrutória (fls. 39 a 45), de que não houve reclamação

Realizou-se audiência de julgamento, no decurso da qual foram aditados à base instrutória novos quesitos (fls. 65 e 66), alguns dos quais relativos a factos articulados pela primeira vez na resposta da autora, nomeadamente os respeitantes à transferência da autora do armazém para a fiação, determinada pela ré apesar de esta saber que aquela não podia permanecer em locais com grande quantidade de pó, como era o caso da fiação. A ré reclamou contra esse aditamento, designadamente por os aludidos factos não constarem da carta de rescisão e, assim, não poderem ser judicialmente valorados para apreciação da justa causa dessa rescisão. Essa reclamação foi indeferida por despacho ditado para a acta (fls. 67 e 68), com o argumento de que a base instrutória deve conter todos os factos que interessem às várias soluções plausíveis da questão de direito e que uma dessas soluções poderia ser a de admitir, na acção judicial, a concretização mais pormenorizada da realidade que a lei manda indicar na carta de rescisão de forma "sucinta", para além de que só através da sua quesitação se permitiria às instâncias superiores pronunciarem-se sobre a admissibilidade da sua invocação em juízo

Após terem sido dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 93 e 94, que não suscitaram reclamações, foi proferida, em 11 de Fevereiro de 2000, a sentença de fls. 96 a 109, que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção, condenando a ré a pagar à autora a quantia global de 2196357 escudos, a título de indemnização por cessação do contrato, remuneração, férias, subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 1997, acrescida de juros contados desde as datas dos respectivos vencimentos até pagamento, à taxa de 10% até 17 de Abril de 1999 e de 7% a partir dessa data, e absolveu a autora do pedido reconvencional contra ela formulado

A decisão de julgar verificada justa causa para a rescisão do contrato de trabalho foi assim fundamentada: "Da matéria apurada resulta que entre autora e ré foi celebrado um contrato de trabalho, tal como vem definido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49408

Mais resulta provado que a autora exercia, para a ré, as funções de empapeladora

Tais funções consistiam em pegar nas bobines com fio (cones cheios de fio), com cerca de l Kg cada, limpá-las (com ar comprimido), pesá-las, metê-las em sacos para seguirem para os clientes

A autora vinha de uma desocupação de sete meses e havia serviço de recuperação de cones para fazer

Assim, em 30 de Outubro de 1997, no regresso da lay-off e do subsequente gozo de férias, a ré ordenou-lhe que fosse limpar cones, o que a autora recusou fazer, ficando sem nada fazer, por não lhe terem sido atribuídas outras funções, nem lhe ter sido permitido exercer as de empapeladora

Ora, as novas funções atribuídas (limpeza dos cones) consistem em tirar à mão restos de fio, meter os cones uns nos outros, por cores e espécies, e colocá-los nas prateleiras em frente, por forma a poderem ser reaproveitados e, de novo, enviados para os clientes; tais cones pesam escassas gramas

Perante este quadro factual, a primeira questão jurídica a analisar é se a autora tinha, ou não, justa causa para rescindir, como fez, o contrato de trabalho que a ligava à ré

Nos termos do artigo 18.° do diploma legal já citado, a entidade patronal e os trabalhadores são mútuos colaboradores e a sua colaboração deverá tender para a obtenção da maior produtividade e para a promoção humana e social do trabalhador

Constituem, entre outros, deveres da entidade patronal proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico, como moral - cfr. artigo 19.°

O trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado - artigo 22.º, n.º 1

No entanto, a entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva

Salvo estipulação em contrário, a entidade patronal pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, desde que tal mudança não implique diminuição, nem modificação substancial, da posição do trabalhador - artigo 22.°, n.° 7

Da qualificação do trabalhador resultam, como consequência necessária, dois princípios fundamentais: a inalterabilidade qualitativa do trabalho e a sua inalterabilidade quantitativa, o que, salvo os limites legais, impõe que essa qualificação não possa ser modificada, salvo por novo acordo, recaindo sobre o empregador a responsabilidade da ruptura do contrato de trabalho no caso de o trabalhador se recusar a aceitar essa diferente qualificação. Deste modo, o jus variandi, na falta de acordo do trabalhador, só pode ser usado nos casos especiais previstos na lei.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Outubro de 1980, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 300, pág. 281

Por força do jus variandi, pode a entidade patronal encarregar, temporariamente, o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, logo que não se opere uma modificação substancial da posição daquele. Tal modificação ocorre quando a entidade patronal ... lhe ordena a execução de serviços de dignidade inferior aos compreendidos na categoria profissional.

- acórdão da Relação do Porto, de 9 de Outubro de 1989, Colectânea de Jurisprudência, 1989, tomo 4.°, pág. 247

O indevido exercício do jus variandi confere ao trabalhador o direito de desobediência às ordens emanadas.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Dezembro de 1989, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 392, pág. 363

Colhe dos autos que, sendo a categoria da autora a de empapeladora, a sua entidade patronal, aqui ré, ordenou-lhe que fosse limpar cones

Ora, por força das suas funções de empapeladora, à autora incumbia proceder à limpeza das bobines (cones com fio), antes de as mesmas serem acondicionadas para seguirem para os clientes

Agora, pretendia a ré que a autora limpasse cones, isto é, tirasse, à mão, restos de fio, metesse os cones uns nos outros, por cores e espécies, e colocasse-os nas prateleiras em frente, por forma a poderem ser reaproveitados e, de novo, enviados para os clientes

Deste cotejo entre as funções habituais da autora e as agora atribuídas, pode concluir-se pela afinidade, ou ligação funcional, entre umas e outras, sem diminuição e modificação substancial dessa posição

Simplesmente, não se provou o carácter temporário do desempenho dessas novas funções, necessário para que a alteração não confira ao trabalhador o direito de desobediência às ordens emanadas

Provou-se, no entanto, em audiência que a ré transferiu a autora do armazém para a fiação, sabendo perfeitamente que esta não podia permanecer em locais com grande quantidade de pó, como é o caso da fiação, por virtude dos problemas nas cordas vocais de que a mesma padece

Sendo assim, ainda que viesse a...

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