Acórdão nº 01S599 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2002

Magistrado ResponsávelALÍPIO CALHEIROS
Data da Resolução06 de Março de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A, casado, vendedor comissionista, residente em Lisboa, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B, com sede em Lisboa, pedindo que se declare ilícito o seu despedimento e se condene a R. a pagar-lhe 15.062.977$50 (sendo 5.430.000$00 de subsídios de férias e de Natal, 1.233.660$00 de diuturnidades, 3.046.049$00 de descontos para a Segurança Social, e 5.353.268$50 a título de quilómetros percorridos com viatura própria), acrescidos de juros no montante de 13.20 1.417$500, vencidos até 31/12/97, e dos que se vencerem posteriormente, e 3.825.000$00 a título de indemnização de antiguidade. Alegou, para tanto e em resumo, que prestou actividade de vendedor por conta, sob as ordens e direcção da R., desde 15/09/82 até Julho de 1997, altura em foi despedido por esta, sem justa causa e sem processo disciplinar e sem nunca ter recebido subsídios de férias e de Natal. A R. contestou, alegando no essencial, que a relação contratual que vinculou ambas as partes configura um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, pelo que foi lícita a forma como cessou essa relação. Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido. O despacho saneador declarou o tribunal competente, as partes capazes e legítimas e inexistindo quaisquer nulidades ou excepções de que cumprisse conhecer, para além da invocada prescrição dos juros, cujo conhecimento foi relegado para final por dependente da fixação da matéria de facto. Contra a especificação e o questionário não foi apresentada qualquer reclamação. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenou a R. a pagar ao Autor: 1. A importância (a liquidar em execução de sentença) correspondente aos subsídios de férias e de Natal vencidos desde a data da sua admissão, 15/09/82, até 15/09/97, bem como os proporcionais ao tempo de trabalho prestado neste último ano, tudo acrescido de juros de mora às taxas legais em vigor desde o vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento; 2. A quantia (a liquidar em execução de sentença) correspondente aos quilómetros percorridos em viatura própria ao serviço da empresa, a 0,25 do preço do litro da gasolina super à data da despesa, descontadas as quantias efectivamente pagas, e acrescida de juros de mora às taxas legais entretanto em vigor desde o vencimento de cada parcela até efectivo e integral pagamento; 3. A quantia (a liquidar em execução de sentença) correspondente aos descontos que o A. tenha feito para a Segurança Social, descontadas as quantias que a R. lhe devia ter retido nos salários para esse efeito, acrescida de juros de mora às taxas legais entretanto em vigor desde o vencimento de cada parcela até efectivo e integral pagamento; 4. A importância de esc. 3.850.000$00 a título de indemnização de antiguidade, acrescidos de juros de mora às taxas legais em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo a R. do demais pedido. Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa negado provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Mais uma vez inconformada, a Ré recorre de revista para este Supremo Tribunal, concluindo as suas aliás doutas alegações pela forma seguinte: I - A arguição da nulidade referida no recurso de apelação foi formulada no requerimento de interposição do recurso; II -Ao decidir diferentemente, o tribunal da Relação fez uma incorrecta interpretação do disposto no art.º 72°, n° 1 do C.P.T. de 1981, que assim é violado ; III - Interpretação essa que sempre seria inaceitável por violar a Constituição da República, mormente o disposto nos ns.º 1 e 4 do seu art.º 20° e o princípio da proporcionalidade; igualmente estaria em causa o princípio da igualdade, já que ao recorrido não é formulada tal exigência; IV - A douta decisão em apreço, confirmando a sentença de 1.ª instância, qualificou a relação jurídica entre as partes como de trabalho subordinado; porém, tal qualificação não corresponde à matéria factual; na verdade, V - Embora na fundamentação da douta sentença se afirme que o Autor recebia ordens da Recorrente, não é isso o que consta da matéria provada onde se alterou a formulação inicial do quesito (que falava em ordens) para instruções de serviço; VI - De igual modo, não resulta da matéria de facto provado que a Recorrente alguma vez tenha imposto, sugerido ou ordenado ao Recorrido o cumprimento de qualquer horário; VII - O mesmo se diga para o local de trabalho, já que da matéria de facto não resulta que ao Autor tivesse sido atribuído qualquer local de trabalho, sendo certo, na verdade, que este estava muitas vezes nas instalações da C, empresa que não é parte nesta acção, onde desenvolvia as suas actividades. VIII - Também as "funções" que o tribunal da Relação, secundando o de primeira instância, considerou que o A. desempenhava, não contendem com a qualificação de mera prestação de serviços que a Recorrente sustenta para a relação contratual existente. IX - Só assim se compreende que o Recorrido não tenha conseguido provar que tinha superiores hierárquicos, que o Director da C e os Srs. D e E (os "patrões" como lhes chama) eram seus superiores e que também não tenha logrado provar, por exemplo, que substituísse "os colegas" nas ausências destes; X - Seria verdadeiramente inusitado que o A. fosse durante quinze anos trabalhador da Recorrente e não tivesse superiores hierárquicos, mas só um superior, de quem não recebia ordens, mas sim instruções de serviço; e que não recebia ordens ou sequer instruções dos "patrões"; e que, durante esse longo período de tempo, deslocando-se a Lisboa às segundas- feiras à sede da Recorrente, aproveitava não para receber ordens, mas sim "para trocar impressões do que se passava e esclarecer outros assuntos com o Director Comercial" ; XI - O Recorrido, por sua iniciativa, inscreveu-se, como trabalhador por conta própria, na segurança social; tinha uma remuneração variável (comissões); nunca utilizou o sistema informático; por opção sua partilhava o transporte do Director da C, mas nunca recebeu, apesar de com ele conviver anos a fio, ordens deste; XII - Os factos acima referidos são incompatíveis com a qualificação de contrato de trabalho decidida pelas instâncias; XIII - Como o é, em primeira linha, com o contrato junto aos autos a fls. 25, contrato esse que as partes assumidamente pretenderam, assinaram e cumpriram. XIV - Deste modo, a douta sentença em apreço fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 1 ° da LCT e 1151 ° do Código Civil, que assim saem violados, e concomitantemente ignora as normas dos artigos 1.º e 7° do diploma regulador do contrato de agência, e acaba por desrespeitar os normativos do Código Civil relativos ao contrato de prestação de serviços, mormente o seu artigo 1156°. XV - Sem conceder, a douta decisão seria sempre criticável atento o longo período que configura para a relação laboral, que nunca poderia ter surgido logo em 1982. XVI - É que de início pelo menos, as partes celebraram e cumpriram o contrato de fls. 25, e o Sr. F não era superior de ninguém (nem sequer trabalhava na empresa), sendo certo que não resultou provado que ele fosse superior do Autor desde todo o período de duração do contrato. XVII - Sem prescindir e por mera cautela diga-se que a acção não poderia ser procedente quanto aos juros vencidos antes de 19 de Fevereiro de 1993, já que a Recorrente invocou a prescrição prevista no artigo 310.º , alínea d) do Código Civil, preceito este que juntamente com o disposto no art° 561.º, do mesmo Código. são violados pela douta decisão em apreço. Em contra alegações o Recorrido pronuncia-se no sentido da confirmação do acórdão. O Ministério Público no seu douto parecer defende a improcedência da revista. Corridos os vistos cumpre decidir. O Tribunal da Relação deu como...

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