Acórdão nº 02A1296 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução29 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", viúva, B, e seu marido C, D, todos residentes em Coimbra, instauraram contra 1 - E, com sede em Venda de São José, da freguesia de Albergaria dos Doze, do concelho de Pombal e 2 - F, com sede em Pocejal, da freguesia de Vermoil, do concelho de Pombal, acção com processo comum e forma ordinária, pedindo - se declare a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre eles e a ré E, em 31.3.95, e se condene essa ré a pagar-lhes a quantia de 728.000.000$00, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros vincendos a partir da citação.

- que, julgada procedente a impugnação pauliana deduzida, se declare a ineficácia total do contrato de compra e venda titulado por escritura pública de 2.2.98 celebrado entre as rés, a condenação da 2ª ré a restituir ao património da 1ª os bens imóveis objecto do mencionado contrato de compra e venda e o cancelamento dos registos de aquisição que se encontrem efectuados a favor da ré F, quanto aos referidos bens imóveis.

A título subsidiário, se assim não for entendido quanto à impugnação pauliana suscitada, pediram que se declare a anulabilidade, por usura, do negócio titulado pela escritura de 2.2.98, realizado entre ambas as rés, condenando-se a ré F, em qualquer circunstância, a restituir os citados bens imóveis ao património da ré E, e ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos de aquisição a favor daquela ré.

Ambas as rés contestaram, por excepção e por impugnação, tendo os autores replicado.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de nulidade do contrato - promessa invocada pela ré F e seleccionados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a audiência de julgamento com decisão da matéria de facto integrante da base instrutória, sem reclamações, após o que a Ex.ma Juiz proferiu sentença que - declarou resolvido, por incumprimento da Ré E, o contrato promessa entre AA e Ré celebrado em 31.3.95, - absolveu as Rés do mais pedido, designadamente a 1ª Ré da restituição em dobro do sinal que se apurou não ter sido pago e, - como litigantes de má fé, condenou os AA e a 1ª Ré na multa individual de quinze unidades de conta e, solidariamente, na indemnização de oitocentos mil escudos a favor da 2ª Ré.

Inconformados, apelaram AA e Ré E, aqueles a pedir a revogação da sentença na parte em que declara resolvido o contrato-promessa, julgando-se agora válido o (dissimulado) contrato de permuta e considerando-se a Ré devedora de, pelo menos, 364 mil contos; ou, julgando-se correcta a resolução do contrato promessa, se condene a Ré no pagamento do indicado e apurado preço; e se revogue a condenação por má fé ou, ao menos, se decrete redução substancial dos montantes fixados, pois a verdade foi apreciada sem qualquer obstáculo e o que terá ocorrido foi incorrecta exposição da posição jurídica e ou factual; a 1ª Ré arguiu a nulidade e pede a revogação da sentença que a condenou por má fé.

A Relação de Coimbra desatendeu ambos os recursos.

A apelação da 1ª Ré era de todo infundamentada e bem fora condenada por má fé.

A apelação dos AA também não podia ser atendida porque eles não haviam fundado os seus pedidos na simulação relativa agora invocada e cujos factos atinentes nem sequer tinham alegado; o agora pedido era coisa diversa do inicialmente pretendido e fora correcta a condenação por má fé.

Ainda inconformados pedem revista AA e 1ª Ré.

Esta repete quase ipsis verbis a alegação para a Relação, insistindo pela nulidade da sentença; aqueles insistem no pedido à Relação, que o princípio do dispositivo não pode suportar decisão injusta e não litigaram de má fé. Como se vê das respectivas alegações, coroadas com as seguintes Conclusões A - Da Recorrente Sociedade 1 - A recorrente limitou-se a exercer direitos conferidos pela lei processual civil.

2 - Contestou a acção nos termos do disposto n art. 489º do CPC.

3 - Igual direito foi exercido pela co-ré "F".

4 - Requereu a expedição de carta precatória nos termos do disposto no art. 629º do CPC.

5 - Dado que as testemunhas se comprometeram perante a recorrente a comparecer no Tribunal deprecante na data e hora a designar para o julgamento.

6 - As testemunhas acabaram por não comparecer, o que inviabilizou a prova da ora recorrente.

7 - Acabou por a prova produzida pela co-ré "F" convencer o Sr. Juiz.

8 - A verdade é que o facto de se ter demonstrado uma versão não inibe a parte que apresenta versão diferente de a sustentar e defender.

9 - A carta precatória requerida para o Tribunal de Pombal para inquirição das testemunhas G e H não foi cumprida.

10 - Assim, não pôde o Sr. Juiz tomar em consideração prova relevante para a boa decisão da causa.

11 - Nestas circunstâncias não se pronunciou o Tribunal " a quo" sobre prova que não pode deixar de conhecer.

12 - Assim, argui-se a nulidade da sentença, requerendo-se a produção da prova em falta.

B - Dos Autores 1. Resultou provada a existência de um negócio relativamente simulado, tendo-se procedido à feitura de um contrato-promessa de compra e venda, quando se pretendia um contrato-promessa de permuta. Nos termos do art. 241º, o negócio dissimulado é válido desde que sejam respeitados os requisitos de forma - o que se verifica no caso sub judice; 2. O princípio dispositivo invocado pelo Tribunal "a quo" não pode ser interpretado no sentido de impedir o apuramento da verdade dos factos, vinculando o Tribunal a uma justiça meramente formal, entorpecendo a aplicação do direito, visando este como última ratio a justa e equitativa composição da lide; 3. A interpretação deste princípio da forma invocada não só viola a lei como o sistema jurídico considerado na sua globalidade; 4. O formalismo processual deve entender-se como forma de servir o direito substantivo e existe para tomar mais simplificadora a via que permite atingir a verdade dos factos, não podendo, em caso algum, servir de obstáculo à justa aplicação do direito e à correcta composição dos interesses.

O direito só existe enquanto justo, a lei só vigora em função da justiça e para a servir, não para dela se servir.

Como bem refere o Professor Castanheira Neves, a lei só pode ser acatada se tiver como fundamentos os princípios éticos e morais da sociedade que visa regular; 5. Ainda que assim se não entendesse, a lei portuguesa consagra também o princípio do inquisitório, bem como deixa em aberto várias excepções ao princípio dispositivo, que permitiriam ao Tribunal "a quo" uma aplicação justa e equitativa da lei; 6. A aplicação demasiado rigorosa do princípio do dispositivo resultou no caso sub iudice numa decisão, com o devido respeito, injusta, deixando os autores de ver ressarcida a sua pretensão, vendo-se extorquidos de um bem (terreno) de valor pecuniário muito elevado, estipulado por ambas as partes em 364.000.000$00, valor que antes foi dado como provado, e podendo prejudicar o seu posterior recebimento; 7. Não se entende que o sistema jurídico, considerado na sua globalidade, bem como através da interpretação do art. 265º do CPCiv., permita ao Tribunal a investigação e conhecimento oficiosos, impedindo-o ao mesmo tempo de conhecer factos relevantes para uma boa decisão de mérito, factos esses que resultaram provados em audiência de julgamento, como se entendeu na douta fixação da matéria de facto; 8. Foram deste modo violadas as seguintes normas: arts. 241º do CCiv.; 664º, 264º, 514º, n.º 2 e 265 do CPCiv., por terem sido aplicadas num sentido demasiado restritivo do princípio do dispositivo, não tendo atendido às excepções consagradas ao mesmo, bem como ignorando os poderes conferidos pelo sistema da oficialidade igualmente consignado na lei; 9. Pretendem assim os ora recorrentes que as normas jurídicas invocadas sejam aplicadas em diferente sentido, fazendo uso das possibilidades que os mencionados artigos conferem, nomeadamente na apreciação oficiosa de questões erradamente alegadas e/ou peticionadas, bem como do sistema jurídico considerado na sua globalidade que visa como finalidade última a descoberta da verdade dos factos e não a aplicação de uma justiça meramente formal; 10. Deve assim o Tribunal "ad quem" revogar a sentença na parte em que declara resolvido o contrato-promessa entre os autores e a ré "E" e devendo antes considerar o negócio dissimulado válido (permuta) e considerar a ré "E" como devedora dos autores em pelo menos 364.000.000$00, quantia que resultou provada na sentença de que ora se recorre; 11. A não entender assim...

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