Acórdão nº 02A1955 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelSILVA PAIXÃO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" instaurou contra B e mulher, C, acção ordinária, pedindo a condenação dos RR a: - após prévia obtenção de licença junto da Câmara Municipal da Feira, taparem três portas e construírem uma parede ao fundo da garagem, tudo no rés-do-chão e cave do arrendado, pertença deles RR., - ou, subsidiariamente, a efectuarem no arrendado as obras necessárias a torná-lo legalmente apto para o exercício da actividade de café, de snack-bar e de restaurante, bem como à dormida, na cave, da A. e/ou dos empregados desta; e - a indemnizarem a A. pelos prejuízos decorrentes da impossibilidade de exercer no arrendado as actividades de snack-bar e restaurante, a serem fixados em execução de sentença. Alegou, em síntese: - que é a actual arrendatária, na sequência de trespasse do rés-do-chão, cave e garagem de prédio urbano que identifica e cujo arrendamento tem por objecto o comércio de café, snack-bar e restaurante, com dormida na cave para os empregados ou para a inquilina; - que não foi transferido para si pela Câmara Municipal da Feira o alvará respeitante à exploração do restaurante porque a parte comercial e habitacional do arrendado se encontram intercomunicantes, sendo certo que fez várias tentativas junto dos RR. para que estes fizessem as obras consideradas adequadas a tornar o arrendado apto para os fins acima referidos e estes nada fizeram; - que tem sofrido prejuízos, ao tempo da propositura da acção ainda incalculáveis, pelo facto de, em face da não transferência de alvará, estar impossibilitada de exercer no arrendado as actividades de snack-bar e de restaurante. 2. Os RR. contestaram, excepcionando a ilegitimidade da A. (por estar desacompanhada do marido) e impugnando que no estabelecimento fosse exercida a actividade de restaurante pelo anterior proprietário do mesmo, ou que tenham a obrigação de fazer as obras referidas pela A., e impugnando, ainda, os prejuízos. 3. Após réplica, foi elaborada a peça saneadora e condensadora e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença a condenar os RR a efectuarem no arrendado as obras necessárias a torná-lo legalmente apto para o exercício da actividade de café, de snack-bar e restaurante, bem como à dormida, na cave, da A. e/ou empregados desta, bem como a indemnizar a A. pelos prejuízos decorrentes da impossibilidade de esta exercer no arrendado as actividades de snack-bar e restaurante, a serem fixados em execução de sentença. Isto, depois de considerar que: - as obras exigidas pela Câmara se destinam, em síntese, a acabar com a intercomunicabilidade existente entre a parte comercial e a parte habitacional; - tais obras são de conservação ordinária e, por isso, a cargo do senhorio (11º, n.º 2, b), e 12º do RAU e 1031º, b), do CC); - não tendo os RR procedido à feitura das obras apesar de para tanto instados, incumpriram a obrigação mais lata de assegurar à locatária o gozo da coisa locada, imposta pelo art. 1031º, b), CC; e, - consequentemente, estão obrigados a indemnizar os danos decorrentes de a A. estar impossibilitada de exercer no arrendado as actividades de snack-bar e restaurante, nos termos dos arts. 798º, 562º, 563º e 564º, n.º 1, do CC. 4. Inconformados, apelaram os RR, pugnando pela revogação do decidido, pois haviam assegurado ao primitivo arrendatário a realização dos fins do contrato, mantendo-se o arrendado nas mesmas condições em que inicialmente fora vistoriado e licenciado, sem que os serviços competentes hajam posto qualquer limitação ao pleno funcionamento do café, snack-bar e restaurante, pelo menos até 1989, com sucessivos trespasses até à A. 5. A Relação do Porto, por Acórdão de 04/12/2001, revogou o sentenciado e decretou a improcedência da acção, considerando que o arrendamento se destinava ao exercício do comércio e não também a habitação - embora do contrato conste uma cláusula acessória que prevê, como mera facilidade, dormida na cave para a inquilina - e que os anteriores trespassários sempre estiveram em condições de prosseguir o objecto do arrendamento, obtendo o necessário alvará. 6. Foi a vez de a A. pedir revista a este Tribunal para fazer prevalecer o decidido em 1ª Instância, tendo culminado a sua alegação com estas sintetizadas conclusões: I - O contrato de arrendamento ajuizado tem como objecto o "comércio de café, snack-bar e restaurante, ramo de hotelaria, com dormida na cave para os empregados ou para a inquilina". II - Para a Recorrente poder exercer no seu estabelecimento as actividades de snack-bar e de restaurante contempladas no arrendamento e para não ver encerrado o estabelecimento, no qual, apesar da falta de alvará, explora a actividade de café, terão que ser efectuadas as obras indicadas pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira destinadas a acabar com a intercomunicabilidade existente entre a parte comercial e a parte habitacional do arrendado. III - Tais obras, porque exigidas pela Câmara Municipal e, mesmo antes daquela Autarquia, pelo Centro de Saúde de Santa Maria da Feira, têm de ser consideradas como "impostas pela Administração Pública nos termos da lei geral ou local aplicável" e como visando conferir ao arrendado "as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização". IV - Tendo essas obras sido impostas por quem foram e visando o que visam são consideradas pela lei como obras de conservação ordinária - cfr. Regime do Arrendamento Urbano, artigo 11º, n.º 2, alínea b). V - E sendo-o, cabe ao senhorio efectuá-las, por força do disposto no artigo 12º daquele diploma legal, sendo a sua efectivação uma imanência da obrigação que o locador tem de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina. VI - As referidas obras só não seriam da responsabilidade do senhorio se as partes tivessem convencionado por escrito que ficavam a cargo do arrendatário, como se prevê no artigo 120º, n.º 1, do RAU, sendo de precisar que não se pode subsumir a qualquer convenção nesse sentido o conteúdo da cláusula 4ª do contrato de arrendamento que diz que "a locatária poderá fazer no local arrendado as obras necessárias à adaptação ao ramo de comércio que vai exercer, não podendo fazer quaisquer outras que alterem a estrutura do prédio, sem o consentimento dos senhorios prestado por escrito". VII - Nos termos da cláusula 2ª do contrato de arrendamento, o local arrendado destina-se ao comércio de café, snack-bar e restaurante, ramo de hotelaria, com dormida na cave para os empregados ou para a inquilina. VIII - A preposição "com" inserta na cláusula significa, que, para além de se destinar ao comércio, de café, snack-bar e restaurante, o arrendado destina-se também a habitação, visto que a dormida não cabe noutra utilização de um prédio que não seja a habitacional pois não se integra no âmbito de utilização para comércio, para indústria, para armazém ou para serviços - e outras utilizações não se conhecem. IX - Tal significa que, concorrentemente, concomitentemente, conjuntamente com o exercício do comércio de café, snack-bar e restaurante, o arrendado destina-se, na cave, à dormida dos empregados ou da inquilina, sendo que a dormida cai necessariamente no âmbito da habitação. X - Quer a letra quer o espírito do artigo 151º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas vão no sentido de não consentir que quando numa edificação estiver instalado um estabelecimento comercial ou industrial este não pode comunicar com uma habitação ou algo de semelhante quanto a riscos de incêndio e que exista na mesma edificação - justamente para proteger os utentes...

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