Acórdão nº 02A713 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução16 de Abril de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:IA intentou, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, contra B e C, todos com os sinais dos autos, a presente acção com processo ordinário, pedindo que, na sua procedência: (a) se declare que só por erro de cálculo é que se declarou na escritura de compra e venda aludida nos autos que a área da parcela vendida era de 8500 m2; (b) sendo que a área dessa parcela é de 5157 m2, se ordene a correspondente rectificação; (c) subsidiariamente, se declare anulado o contrato de compra e venda na parte em que excede os referidos 5157 m2; (d) ordenando-se sempre o cancelamento do respectivo registo. Contestando, os RR. pediram a improcedência da acção, sendo declarada a excepção de caducidade do direito de pedir a anulação parcial do negócio formulado pela Autora. Reconvindo, pediram que sejam declarados donos e legítimos proprietários do imóvel, tal como está descrito na escritura pública e na Conservatória de Registo Predial de Bragança, condenando-se a Autora a tal reconhecer e a restituir-lhes uma parcela de 3300 m2 que indevidamente ocupa; ainda, e para a hipótese de procedência do pedido da Autora, a restituição da quantia de 2.843.000$00, actualizada de acordo com a inflação e/ou correcção monetária. Pedem também a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização. Respondeu a A., mantendo, no essencial, o já alegado e impugnando a versão dos RR. Procedeu-se a audiência preliminar, sendo proferido despacho saneador onde se admitiu a reconvenção e nada se disse sobre a excepção da caducidade. Elaborou-se a base instrutória sem qualquer reclamação. Os RR. recorreram da parte do despacho saneador em que não se conheceu da excepção da caducidade, tendo o recurso sido recebido como agravo, e com subida diferida. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo aplicável, merecendo os quesitos as respostas constantes de fls. 137 a 139. Em 28-02-2001, foi proferida sentença (fls. 142 a 153) que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, e, consequentemente: (a) declarou que a parcela objecto do contrato de compra e venda constante da escritura de 13-03-96 tem a área de 5157 m2, ordenando-se a rectificação desta e da descrição respectiva do Registo Predial, passando delas a constar que a parcela em causa tem a área de 5157 m2; (b) não declarou os RR. como proprietários do referido imóvel com a área de 8500 m2, absolvendo a A. do pedido de reconhecimento desse direito, bem como do pedido de restituição da área de 3.300 m2; (c) condenou a A. a restituir aos RR. parte do preço recebido, no montante de 2.745.600$00. Inconformados, os RR. apelaram. Todavia, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16 de Outubro de 2001, decidiu "não tomar conhecimento do agravo, não lhe dando provimento". Mais decidiu "julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença dos autos" - cfr. fls. 182 1 188. Continuando inconformados, trazem os RR. a presente revista em que pedem a revogação do acórdão recorrido, com a procedência do pedido reconvencional e a improcedência do pedido da Autora. Ao alegar, oferecem as seguintes conclusões: 1. Não estamos perante um erro de cálculo ou de escrita, porque demasiado grosseiro para a "pena" ou a "língua" se haver escapado / errado, de 8.500 m2 para 5.157 m2. 2. Estamos perante um erro - vício, expressamente previsto no artigo 251 do Código Civil, na modalidade de erro sobre o objecto mediato do negócio, mais propriamente sobre as qualidades do objecto. 3. A razão de ser do nosso entendimento está, desde logo, nas próprias noções de erro na declaração e de erro - vício. 4. Para além disso, funda-se também na própria decisão do Tribunal de Bragança (seguido de perto pelo Acórdão da Relação do Porto), quando afirma que: "não estamos em face de um caso de erro na declaração (...), mas de um erro bilateral sobre o objecto (artº 251º do CC); 5. Há contudo divergência entre o nosso entendimento e o decidido em sede de primeira e segunda instâncias, no que respeita à consequência que se deve extrair desse erro sobre o objecto: nós preconizamos a possibilidade de anulabilidade do negócio, enquanto (as instâncias) se decidiram pela impossibilidade de anulação, para dar acolhimento à possibilidade de rectificação, nos termos do artº 249º do C. Civil. 6. Pese embora o facto de não ter sido alegado e provado que a dimensão era um elemento/qualidade essencial na determinação da vontade negocial do R., do senso comum resulta que esta é, na grande maioria dos casos, uma característica ou circunstância determinante na vontade de contratar de qualquer pessoa. 7. Para além disso, não é lícito ao Tribunal concluir se essa circunstância foi ou não essencial na determinação da vontade das partes, atento o explanado na conclusão anterior. 8. Como estamos perante um erro sobre o objecto do negócio, estão reunidas as condições gerais e especiais que motivam a sua anulabilidade. 9. Contudo, o direito de vir arguir a anulabilidade caducou, porque já decorreu o prazo de um ano previsto no artigo 287º do C. Civil. 10. Resultando daqui que o negócio se mantém válido, não devendo ser objecto de qualquer rectificação. 11. A entender-se como simples erro de cálculo, devendo neste caso proceder-se à redução do preço recebido pela A., a quantia achada deverá ser actualizada tendo em conta dois factores: a inflação e o rendimento que tal capital produziria. 12. É que, não se entendendo deste modo, a A. verá o seu património aumentado entre 3.343.000$00 e 40 a 50 mil contos. 13. Ao passo que os RR. só são restituídos dos 3.343.000$00, correspondentes ao valor por m2 que vigorava nos anos da contratação - 86/87. 14. A Justiça e a Equidade por certo não se coadunam com o princípio nominalista do artº 550º do C. Civil: e muito menos com o princípio geral do artº 473º, igualmente do C. Civil. 15. Deste modo foram violadas ou incorrectamente interpretadas as seguintes normas legais: arts. 247, 249, 251, 287, 473 e 550 do Código Civil. Contra-alegando, a Autora pugna pela manutenção do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.IIAs instâncias deram como provados os seguintes factos: 1 - A Autora é proprietária de um prédio rústico sito no Campo Redondo, freguesia da Sé, em Bragança, a confrontar do Norte com carreira de tiro, do Nascente com A e D e do Sul e Poente com Cerâmica do Campo Redondo, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 477º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00233/041285 (al. A) da Base Instrutória). 2 - Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Bragança em 13/3/96, em que foram outorgantes a Autora e o Réu marido, aquela declarou vender a este e este declarou comprar-lhe uma parcela de terreno com a área de 8.500 m2, a destacar do prédio antes referido, pelo preço de 4.000.000$00, de cujo pagamento deu quitação (B). 3 - Ao outorgarem a escritura especificada em B), exibiram a "planta...

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