Acórdão nº 02B2662 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA DE ALMEIDA
Data da Resolução03 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A "A" requereu procedimento cautelar comum contra "B" e "C", solicitando fosse ordenada a notificação dos requeridos para: - se absterem de realizar o concurso de tiro aos pombos previsto para os dias 27 e 28 de Fevereiro de 1999, bem como se absterem de levar a cabo essa prova em qualquer outra data; - se absterem de matar ou ferir qualquer pombo que se encontrasse em seu poder; - procederem à entrega dos aludidos animais a um fiel depositário, podendo ser a própria requerente, ou qualquer outra associação zoófila com condições para os receber e ainda que os requeridos fossem condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em partes iguais, à requerente e ao Estado. Requereu ainda que o procedimento cautelar fosse decretado sem a audição dos requeridos. 2. A providência cautelar foi decretada pelo tribunal da 7ª Vara Cível de Lisboa em 11-6-99, sem audiência dos requeridos, tendo sido fixada, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 2.000.000$00 por cada dia em que fossem praticados actos que contrariassem o decidido. 3. Cumprido o disposto no artigo 385°, n° 5 do CPC, vieram os requeridos deduzir oposição, ao abrigo do disposto no artigo 388°, n° 1 alínea b) do CPC, na qual, para além de haverem excepcionado a incompetência do tribunal em razão da matéria, propugnaram a improcedência do procedimento cautelar . 4. Após a apresentação de resposta pela requerente, foi, por despacho de 19-12-99, julgada improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, decisão de que foi oportunamente recurso de agravo pelos requeridos e a que a Relação negou provimento . 5. Após a produção de prova em sede da oposição, o mesmo tribunal revogou a providência anteriormente decretada, por decisão de 14-5-01, por não estarem reunidos os pressupostos da respectiva subsistência, decisão esta de que a requerente, inconformada, interpôs o competente agravo . 6. Por acórdão de 31-1-02, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento a ambos os agravos, acórdão esse objecto de pedido de aclaração pela requerente, o qual foi indeferido por acórdão interlocutório do mesmo tribunal datado de 21-3-02 7. Inconformada com tal aresto, dele veio a requerente A agravar para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1ª- O M. Juiz de 1ª Instância não poderia, como fez, alterar a matéria de direito dada como assente na decisão cautelar; 2ª- Porquanto só o poderia ter feito se da prova trazida aos autos pela oposição deduzida resultassem factos essenciais para tal revogação; 3ª- No entanto, e apesar de apenas ter sido dado como provada a dificuldade em substituir os alvos vivos por alvos que não seres vivos, pondo em apenas causa o facto dado como provado sob a letra L) da decisão cautelar, o M. Juiz revogou a providência decretada; 4ª- Ora, a insubstituibilidade dos alvos não é determinante para se concluir pela inexistência do direito da requerente, e bem assim da ausência de fundado receio de lesão desse direito; 5ª- A decisão de direito só poderia ter sido alterada por um Juiz de 1ª instância quando, em sede de oposição, fosse apurado um facto determinante para a revogação da providência; 6ª- O conceito de necessidade implica uma comparação de valores tutelados; no caso «sub-judice», os valores a atender com a prática de tiro com alvos vivos são de menor valor que a protecção dos animais; 7ª- A prática de tiro aos pombos não tem subjacente qualquer tradição; a sua prática não implica qualquer valor cultural; não há portanto razão para fundamentar a excepção (muito menos tácita) da permissão do tiro ao voo com base naquele valor; 8ª- Os animais mortos oferecidos a instituições de caridade não são passíveis de servirem de alimento humano, pois são abatidos fora das condições de salubridade impostas por lei; 9ª-Aliás, o seu alegado consumo por pessoas indeterminadas consubstancia um crime contra a saúde publica; 10ª- O Despacho do Senhor Primeiro Ministro a atribuir o estatuto de utilidade pública desportiva à B, publicado no DR II série, de 4-4-94 é absolutamente omisso no que concerne à actividade de tiro aos pombos; 11ª- Pelo que não pode afastar uma Lei da Assembleia da República, posteriormente aprovada; 12ª- A L 92/95, de 12/9 derrogou parcialmente o despacho de 4 de Abril de 1994, que alegadamente concede poderes à B, no âmbito do tiro a alvos vivos, muito embora nada dele conste nesse sentido; 13ª- O douto acórdão recorrido incorre numa contradição evidente, pois considera lícita a prática do tiro aos pombos, face à L 92/95, baseando-se num mero despacho-normativo de 1994, concluindo depois que o despacho «sub-judice» estaria parcialmente derrogado dependendo precisamente da interpretação a dar à referida Lei; 14ª- A prática de tiro a alvos vivos é proibida pela L 92/95; 15ª- Os trabalhos preparatórios não podem ser mais que meros indícios de uma determinada vontade legislativa e que de modo algum vinculam o intérprete da lei; 16ª- Da letra da lei retira-se que a proibição de provas de tiro com utilização de alvos vivos está e sempre esteve presente na actual lei, na regra geral do nº 1, para além de nos termos do nº 3, alínea e), se proibir expressamente a realização de concursos, torneios, exibições ou provas similares que provoquem dor ou sofrimentos consideráveis em animais; 17ª- O legislador optou por uma proibição geral, atendendo à sensibilidade da matéria; 18ª- A interpretação defendida pelo acórdão recorrido viola frontalmente o texto da lei, bem como o seu espírito; 19ª- A aceitar-se que o acréscimo de gozo ou divertimento de uns tantos, ou a tradição, é critério suficiente para afastar a proibição da morte ou sofrimento de animais sem necessidade consagrada na L 92/95, de 12/9, estar-se-á a negar a própria existência deste diploma legal, na medida em que, a ser assim, qualquer motivo por mais fútil que seja permitirá iludir a proibição indiscutivelmente exarada no nº 1 e no nº 3, alínea e) do normativo em apreço; 20ª- O artigo 3º, nº 1 do C. Civil estipula que os usos e costumes só são juridicamente atendíveis quando a lei o determine, o que não acontece com o tiro a alvos vivos. 8. Contra-alegaram os requeridos B e C sustentando a correcção do julgado, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões: 1ª- Não ocorre nos autos qualquer trânsito em julgado ou caso julgado formal da decisão da primeira instância que decretou a providência cautelar sem audiência prévia dos agravados; 2ª- A agravada B, entidade com o estatuto de utilidade pública e utilidade pública desportiva, é quem detém, no ordenamento jurídico português, os poderes para orientar e dirigir os interesses fundamentais do tiro com armas de caça, designadamente do tiro ao voo e aos pratos, fomentando e desenvolvendo a prática das respectivas modalidades; 3ª- No ordenamento jurídico português, os animais são coisas, nomeadamente coisas móveis, nos termos dos artºs 202 nº 1 e 205° nº 1 do C. Civil, como é confirmado pelo teor do artº 212 n° 3 do C.Civil; 4ª- A atribuição do direito à vida aos animais não poderia ser operada através de meios legislativos ordinários, mas apenas por...

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