Acórdão nº 02B4367 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução30 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no 2º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra B, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 5.898.082$00, acrescida de juros à taxa legal, calculados sobre a quantia de 5.850.000$00, contados desde 11/07/97.

Alegou, para tanto, que se obrigou a prestar ao réu, a solicitação deste, serviços na área da sua actividade, serviços esses que efectivamente prestou, não tendo o réu, no entanto, cumprido a sua obrigação de pagar o preço acordado (5.850.000$00) na data em que o devia ter feito.

Contestou o réu, negando a celebração de qualquer negócio jurídico com a autora, invocando ainda para o caso de se entender ter existido, o seu carácter de usurário.

Findos os articulados, elaborado despacho saneador e condensado o processo, sem reclamações, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, tendo a final sido proferida sentença que condenou o réu no pedido, ou seja, a pagar ao autor a quantia de 5.850.000$00, acrescida de juros de mora, às taxas sucessivas de 15% e 12%, respectivamente, desde 12/07/97 até 16/04/99 e desde 17/04/99 até ao reembolso.

Inconformado apelou o réu, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 3 de Junho de 2002, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Interpôs, ainda, o réu recurso de revista, pretendendo que, revogado o acórdão recorrido, seja julgada a acção improcedente, absolvendo-se o recorrente do pedido.

Em contra-alegações pugnou a autora pela improcedência do recurso.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O acórdão recorrido ofendeu preceitos do direito substantivo, como sejam as disposições dos arts. 53º e 56º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Dec.lei nº 84/84, de 16 de Março, (actualmente com as alterações da Lei nº 80/2001, de 20 de Julho), dos arts. 280º, 285º, 286º, 289º, 294º e 1157º e ss. do Código Civil.

  1. Pois deu por provado que o crédito reclamado pela autora tinha a sua fonte geradora ou facto constitutivo no contrato celebrado com o réu no exercício da sua actividade social, cujo objecto consiste na "prestação de serviços de organização e gestão de empresas, consultadoria, realização de estudos, preparação e análise de investimentos e operações conexas e afins".

  2. E, bem assim, que, de acordo com o mesmo contrato, a autora obrigou-se, por incumbência do recorrente, a preencher a sua declaração de IRS do ano de 1996 e ainda a elaborar um relatório e parecer fiscais adequados à integral justificação perante a Fazenda Pública dos valores declarados.

  3. Com base nestas premissas, o acórdão recorrido qualificou a situação de facto como contrato de mandato regulado nos arts. 1157º e ss. do Código Civil, e considerou que o mandato era oneroso por ter sido executado pela autora no exercício da sua actividade profissional.

  4. Ainda que abstraindo da actividade realizada pela autora no preenchimento da declaração de IRS do ano de 1996, o estudo e análise da situação fiscal do recorrente com incidência nas mais valias (vide pags. 9 do acórdão) e a concomitante elaboração do parecer fiscal - que o relatório também encomendado não chegou a ter existência própria - consubstanciam actos próprios da profissão de advogado.

  5. Especialmente no que respeita ao "Parecer Fiscal", o seu objecto versa sobre questões jurídicas - rectius sobre a actividade de interpretação e aplicação da lei a factos jurídicos fiscalmente relevantes, como se vê do seu texto e é nele expressamente assumido, v.g. ao referir que se pretende "... informar sobre todos os aspectos legais permissivos de um eficiente enquadramento fiscal...".

  6. Tal peça escrita, que a autora designa por "Parecer Fiscal" tem a natureza de um típico "Parecer Jurídico" em matéria fiscal, e consubstancia a prática de uma actividade de consulta jurídica.

  7. A função de consultadoria em matéria jurídica ou de consulta jurídica está reservada aos advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, nos termos e com as excepções taxativamente previstas no art. 53º do respectivo Estatuto, nas quais não cabe a autora.

  8. Logo, consistindo a obrigação assumida pela autora na prática de actos legalmente reservados à profissão de advogado, segue-se daí que o objecto do contrato, qualquer que seja a sua qualificação jurídica, é contrário à lei (v.g. o citado art. 53º do EOA, na redacção em vigor ao tempo da sua celebração.

  9. Por outro lado, do objecto social da autora faz parte o exercício da actividade de "consultadoria", que aquela explicitou no artigo 2º da petição como sendo de "prestação de serviços de consultadoria fiscal e económico-financeira", sendo no exercício de tal actividade que a mesma se obrigou a "preencher a declaração de IRS do réu, relativa a 1996" bem como a "fazer um relatório e parecer adequados à integral justificação perante a Fazenda Pública dos valores declarados" - cfr. pags. 14 do acórdão.

  10. Assim, como resulta do pacto social, explicitado na petição inicial e concretizado no conteúdo da obrigação assumida em face do recorrente, a autora inscreveu no objecto social uma actividade que por imperativo legal lhe é vedado exercer - cfr. arts. 53º e 56º do EOA.

  11. Deste modo, o pacto social é nulo, por força do disposto nas citadas normas legais conjugadas com o disposto nos arts. 42º, nº 1, al. c), e 52º do Código das Sociedades Comerciais, e nos arts. 280º, 285º, 289º e 294ºdo Código Civil.

  12. Mas não só, pois que exercendo a autora, de facto, tal actividade, como está provado nos autos, o seu sócio gerente, como responsável pelo funcionamento do respectivo escritório, incorreu ainda no crime previsto no art. 358º, al. b), do Código Penal.

  13. A nulidade do contrato de sociedade constitui facto impeditivo da aquisição de personalidade jurídica pela autora, ferindo-a de incapacidade jurídica negocial (incapacidade de gozo), e acarreta consecutiva, directa e automaticamente, a nulidade do contrato celebrado entre as partes - cfr. art. 280º do Código Civil.

  14. O contrato dado por celebrado padece, assim, de duas causas de nulidade - a nulidade sucessiva decorrente da nulidade do pacto social; e a nulidade cominada nos arts. 294º (por violar o disposto nos arts. 53º e 56º do EOA) e 280º (por o seu objecto ser contrário à lei) ambos do Código Civil.

  15. Quer a 1ª instância, quer a Relação podiam ter conhecido oficiosamente da nulidade do pacto social e do contrato - cfr. art. 286º do Código Civil - o que não fizeram.

  16. Ao qualificar o contrato celebrado entre as partes como contrato de mandato, o acórdão recorrido violou os arts. 1157º e ss. do Código Civil.

  17. Por sua vez, ao condenar o recorrente a pagar à autora o valor de 5.850.000$00 acrescido de juros moratórios às taxas de 15% e 12%, desde 12/07/97 a 16/04/99 e 17/04/99 até ao pagamento, o acórdão recorrido, na senda da sentença da 1ª instância, que confirmou, violou as normas legais citadas, porquanto: - não só não conheceu da nulidade do pacto social como, pelo contrário, fundamentou a decisão condenatória (do recorrente) no pressuposto, implicitamente assumido, da sua validade e subsistência na ordem jurídica; - não só não conheceu da nulidade do contrato - quer a nulidade sucessiva decorrente da nulidade do pacto social e da concomitante incapacidade jurídica negocial da autora; quer a nulidade por contrariedade do objecto do contrato à lei (art. 280º do Código Civil) e por o contrato violar normas de carácter imperativo (art. 294º do Código Civil) - como, pelo contrário, todo o discurso justificativo da decisão assentou no pressuposto de que as partes tinham...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT