Acórdão nº 02P4426 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOURENÇO MARTINS
Data da Resolução29 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I1. No P.º comum n.º 303/00.4PRPRT, do 1º Juízo Criminal de Matosinhos, foi submetido a julgamento, mediante acusação do Ministério Público, o arguido: A, divorciado, gerente comercial, nascido a 11.03...., na freguesia de Pinhal do Norte, concelho de Carrazeda de Ansiães, filho de .. e de ..., e residente na Travessa ..., 2º dto., Leça do Balio, Matosinhos, sob imputação da autoria material de um crime de omissão de auxilio, pp. pelo artigo 200º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (1). Após audiência de julgamento, o Colectivo condenou o arguido, por acórdão de 9 de Julho de 2002, como autor material do crime de omissão de auxílio, pp. pelo artigo 200º, n.º 1, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa à taxa diária de cinco euros. 2. Não se conformou com o decidido a Digna Magistrada do Ministério Público junto dos Juízos Criminais, concluindo assim a sua motivação (transcrição): "1 - O arguido A foi condenado nestes autos, pela prática, em autoria material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo art. 200º nº 1 do Código Penal na pena concreta de noventa dias de multa à taxa diária de cinco euros; 2 - Tendo em atenção as regras da punição consagradas nos arts. 70º e 71º do Código Penal afigura-se desajustada a pena concreta aplicada; 3 - Considerando a regra do art. 70º do Código Penal deveria, tal como foi, ser aplicada ao arguido uma pena não detentiva da liberdade; 4 - Porém, as exigências de prevenção geral revelam-se muito elevadas já que tem vindo a ocorrer com maior frequência ilícitos criminais de natureza igual ao praticado pelo arguido, sendo certo que o cidadão comum vem manifestando um sentimento de desinteresse pelo próximo e pelas suas necessidades passando cada vez mais a preocupar-se consigo mesmo, esquecendo-se de que necessita dos outros concidadãos para sobreviver; 5 - Não obstante o arguido ser delinquente primário, as exigências de prevenção especial também se revelam acentuadas já que o arguido demonstrou completo desinteresse e frieza perante os apelos da ofendida que sangrava abundantemente e que pedia ajuda. Ao invés de a auxiliar (como lhe era exigido) o arguido ordenou à ofendida que se calasse e que o deixasse descansar, demonstrando assim frieza de carácter e indiferença por valores básicos que norteiam a sociedade em que vivemos; 6 - O dolo assume a sua forma mais intensa - a de dolo directo -, o arguido tinha plena consciência da ilicitude do facto e não confessou a prática do mesmo nem revelou qualquer arrependimento; 7 - Acresce ainda que não ocorrem no caso quaisquer circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena - art. 72º do Código Penal; 8 - Tendo em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ilícito, as exigências de prevenção, a culpa e a ilicitude evidenciadas, deveria o arguido ter sido condenado em pena de prisão não inferior a 8 (oito) meses, suspensa na sua execução por período não inferior a 2 (dois) anos, nos termos do preceituado no art. 50º do Código Penal. 9 - Mesmo que assim se não entenda e se considere que a pena de multa é suficiente sempre o arguido deveria ter sido condenado em quantitativo diário superior ao fixado na sentença. Tendo em conta que não se apurou, em concreto, o rendimento médio do arguido mas que se deu como provado que o mesmo aufere salário compatível com o cargo de gerente de um restaurante, o quantitativo diário deveria ter sido fixado em montante não inferior a 8 (oito) €; 10 - Em suma, ao condenar o arguido nos termos em que o fez, violou o Tribunal o preceituado nos arts. 40º, 47º, n.º 2, 70º e 71º, todos do Código Penal. Respondeu o recorrido a pedir a manutenção do que foi decidido. 3. Neste STJ, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto promoveu a realização do julgamento. Após exame preliminar, o recurso foi admitido e colheram-se os vistos legais. Procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo, tendo sido produzidas alegações orais. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto salientou a conduta chocante do arguido, verdadeiro causador do incidente, entendendo que a pena a aplicar deve ser a de prisão, suspensa com o dever de indemnização a instituição de apoio à vítima. O Exmo. Advogado constituído considera que não sendo o comportamento do arguido "exemplar", o Ministério Público exorbita nos seus pedidos. Em rigor, não se verifica o crime de omissão de "auxílio necessário", devendo, quando muito, ser mantida a decisão. Cumpre ponderar e decidir. IIEis a matéria de facto que o Colectivo considerou provada e não provada. "Factos Provados O arguido e a ofendida B eram casados entre si, desde há 6 anos, com referência à data em que foi deduzida a acusação (17/12/2001), tendo nascido dessa relação uma filha, então com 3 anos de idade. Actualmente estão divorciados. O arguido sempre teve para com a ofendida comportamentos agressivos, mesmo antes de contraírem casamento, sendo conflituosa a relação conjugal, e ainda mais deteriorada no último ano de vida em comum entre ambos. Desde essa altura que o arguido originou episódios de violência no seio familiar, molestando física e psicologicamente a ofendida sua mulher, contra quem proferia ameaças de morte na presença da filha de ambos. Na sequência dessas agressões, e por várias vezes, a ofendida careceu de tratamento hospitalar, ocultando sempre, por vergonha, ter sido vítima de agressões. No dia 28 de Janeiro de 2000, cerca das 23 horas, o arguido e a ofendida discutiram por questões relacionadas com o comportamento violento do arguido, tendo a ofendida dito que não aguentava mais a vida que levava. Na sequência dessa discussão o arguido empurrou a ofendida, com violência, contra a cama do casal, vindo a ofendida a bater com o abdómen na esquina dessa cama, o que lhe causou dor. A ofendida encontrava-se no segundo mês de gravidez, o que era do perfeito conhecimento do arguido. Cerca das 4,30 horas da manhã a ofendida começou a sentir fortes dores, verificou estar com uma grande hemorragia, e sentiu a saída de substância fetal, que caiu no chão do quarto do casal. Transportada ao Hospital de S. João, verificou-se ter abortado, sendo então alvo do tratamento médico adequado. Apesar de ver a ofendida esvair-se em sangue, com fortes dores e com dificuldades de se movimentar, e não estando mais ninguém que pudesse socorrer a ofendida, o arguido nada fez para a socorrer, sendo certo que estava em condições de o fazer, designadamente dispunha de automóvel para a conduzir ao Hospital. Não ignorava o arguido que àquela hora da madrugada a ofendida não tinha quem a socorresse, o que dificultaria ou inviabilizaria a prestação imediata do adequado auxílio médico. Depois de pedir por várias vezes ao marido que a ajudasse, de lhe dizer que estava cheia de dores e com forte hemorragia, o que o arguido também viu, nomeadamente por ter caído substância...

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