Acórdão nº 02P4510 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Fevereiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I1.1. O Tribunal Colectivo da Figueira da Foz, (proc. n.º 32/01) decidiu, por acórdão de 6.6.2001, condenar os arguidos: - FRPR na pena de oito anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93; - JGR na pena de oito anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma; - JAPV na pena de seis anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma; - PGV na pena de cinco anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma; - FMRR na pena de cinco anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1, do mesmo diploma. Mais deliberou absolver os arguidos do crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de que eram acusados. Declarou a perda, a favor do Estado, de todos os objectos e dinheiro apreendidos, nos termos do artigo 35º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93. 1.2. Recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos FRPR, JGR, tendo respondido os arguidos PGV e FMRR. Nesses recursos foram suscitadas as questões de saber se: - Os factos consubstanciam a intervenção do denominado "agente provocador", figura inadmissível perante a Lei e o Estado de Direito, sendo nulas as provas obtidas, em violação do art. 32º, n.º 8, 1.ª parte, da CRP e do art. 126º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPP; - se o tipo legal foi preenchido, por não se ter verificado em concreto o perigo para a saúde pública, dado o apertado controlo que a P.J. exerceu sobre toda a operação; - subsidiariamente, se a conduta em apreciação preenche o tipo de crime transporte ilícito de substância estupefaciente, mas na forma tentada, tendo-se em conta a ausência daquele perigo concreto.II2.1. Este Tribunal, por acórdão de 30.1.2002 (proc. n.º 3079/01-3), julgou verificado, no acórdão do Tribunal Colectivo da Figueira da Foz, o vício previsto na alínea a) - insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - do n.º 2 do art. 410º do CPP e ordenou o reenvio do processo para esclarecimento dos aspectos tratados na parte 4.2., de III, nos termos dos art.ºs 426º e 426º-A do CPP. 2.2. É o seguinte o teor da falada parte 4.2. do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça «4.2. Como resulta do que já se disse, a avaliação da legalidade da actuação de agentes infiltrados - funcionários ou terceiros sob seu comando - passa pelo confronto com as disposições constitucionais e da lei ordinária, nas quais se protege a integridade física e moral da pessoa, no fundo tendo em conta a dignidade da pessoa humana como valor que não pode ser ferido. Os agentes do Estado utilizam os meios que a lei coloca ao seu alcance mas no estrito cumprimento dos seus pressupostos. Sabido que este meio de investigação contem evidentes riscos de tocar naquele bem jurídico, pois é manifesto o engano ou embuste de que se serve, para além da salvaguarda do núcleo essencial da integridade moral de cada um, da observância rigorosa das regras previstas para o seu uso - em que sobreleva o controlo pela autoridade judiciária respectiva, o que sucedeu no caso concreto - há ainda que atentar na demonstração e fundamentação eficiente de que tais requisitos foram observados e que não houve desvio ou excesso, com violação da directriz constitucional do princípio da proporcionalidade. O acórdão é suficientemente claro e preciso na demonstração de que os recorrentes foram contactados em Vigo por um indivíduo de nacionalidade espanhola com vista a assegurarem o transporte dos estupefacientes da Figueira da Foz para a Galiza, indivíduo que não aparece como qualquer agente policial ou alguém agindo a seu mando. O tentáculo de uma rede de traficantes ou de um grande traficante fez o contacto para uma grande operação de transporte de estupefacientes. Porém, já em Portugal e a partir de um posto de abastecimento da ... na Mealhada juntou-se aos cinco arguidos um sexto indivíduo - segundo o Colectivo, diferente daquele que fizera o contacto na Galiza - que os acompanharia e orientaria no resto da operação. O que sucedeu, pois foi ele que "conduziu" o recorrente FRPR à habitação sita na Rua do ..., Buarcos, Figueira da Foz, em cuja garagem se encontrava a droga que veio a ser apreendida. Sexto indivíduo esse que se retirou do local, pondo-se em fuga, ficando-se sem saber se contra a vontade da Polícia ou não (como resulta da matéria não provada). E não deixa de surpreender que tendo a PJ agido com a eficácia devida na prisão simultânea dos outros quatro intervenientes, tivesse deixado escapar este que ajudava directamente a carregar a droga ao FRPR... Ainda mais enigmático, porém, é o que se diz neste excerto da matéria de facto provada: "Os estupefacientes haviam sido embarcados no Oceano Atlântico através de colaboradores da Polícia que posteriormente os conduziram para território Português e acompanharam o desenrolar da operação". Matéria esta que foi indagada em audiência e não constava da acusação, como não constava qualquer referência à operação de infiltrados. Existe aqui um vazio que impede o controlo deste Supremo Tribunal sobre se existiu ou não uma conduta que extravasa os limites do que se dispõe no artigo 59º do Decreto-Lei n.º 15/93, ou seja, se os agentes infiltrados aceitaram, detiveram, guardaram, transportaram droga segundo uma operação desencadeada por outrem ou por eles próprios, porquanto não se explícita minimamente o que está por detrás deste embarque algures no mar alto em pleno Atlântico. Daí que o próprio Colectivo estranhe - conquanto diga de alguma forma compreender - "que no relatório não tivesse sido configurada a actuação dos agentes até ao fim da operação, nomeadamente para a operação de desembarque e acompanhamento do produto até à Figueira da Foz". Como pensa, "seria legitimo que esta investigação nos pudesse levar ao elo final da cadeia de tráfico e não se cingisse à conduta de meros operacionais". O que implicaria - acrescentamos - a realização não de uma simples acção de infiltração, mas a efectivação de uma entrega controlada, sob a supervisão do Ministério Público, com vista a proporcionar "a identificação e arguição do maior número de participantes nas diversas operações de tráfico e distribuição" - artigo 61º, n.º 1, do citado Decreto-Lei (Artigo agora revogado e substituído pelos artigos 2º e 3º da Lei n.º 104/01, de 25 de Agosto). Sob pena, como bem salienta o Colectivo, de se ficar, mais uma vez, perante a mera "arraia miúda", enquanto os grandes traficantes rapidamente reparam as "perdas" sofridas através de novas operações. De acordo com o exposto, entendemos que a matéria de facto recolhida sobre este ponto se mostra insuficiente para tomar uma decisão no sentido de que não se verifica uma situação de proibição de prova. Elementos existem para que o Tribunal possa deslindar este ponto, na extensão necessária e suficiente, sem margem para dúvidas: a delicadeza do método mas também o prestígio (e legais propósitos) do Estado e das instituições, nomeadamente uma correcta administração da Justiça, assim o impõem. A nosso ver, não podem ficar suspensas e sem rasto as afirmações dos recorrentes quanto à actividade do "sexto indivíduo", as quais encontram eco nas que são feitas pelo Digmo. Representante do Ministério Público na 1.º Instância, na sua resposta ao recurso, e bem reflectidas nos pontos II, III e IV das conclusões acima transcritas. Nem tão pouco são elucidativas para o efeito as afirmações do Colectivo quando aprecia "de direito", pois está em causa "matéria de facto". "Na verdade, a P.J. teve conhecimento desde o início da existência da operação de tráfico que se iria realizar, tendo desde esse momento colocado no "centro de execução" dessa operação agentes da sua confiança, que informavam aquela polícia de todos os desenvolvimentos que se iam sucedendo. Após ter sido remetida do Brasil nunca houve o perigo da cocaína entrar no circuito do tráfico de estupefacientes, não tendo a P.J. procedido à sua apreensão logo que a deu entrada no território nacional e foi desembarcada no Atlântico, apenas para poder surpreender os destinatários da mesma em flagrante delito, de modo a obter uma prova concludente da actividade daqueles. Por outro lado, aparece como despida de qualquer interesse, para o efeito ora pretendido, a afirmação do Colectivo de que prestou depoimento o coordenador da operação, inspector RC, sobre o papel dos agentes infiltrados no decurso da operação. Tornava-se essencial o esclarecimento de todos os contornos da operação, desde a encomenda da droga, aos pormenores da infiltração e à motivação da incompletude do seu relato. No uso da faculdade que o n.º 3 do artigo 59º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, concede ao Colectivo e tendo em conta o agora disposto, na medida aplicável, na Lei 101/2001, nomeadamente no seu artigo 4º, há que ampliar a matéria de facto em ordem a tomar uma decisão límpida sobre a validade ou invalidade da prova recolhida através de agentes policiais ou seus colaboradores como agentes infiltrados. E com a reserva permitida pela lei, há que solicitar da PJ que esclareça toda a situação, como lhe cumpre e está perfeitamente ao seu alcance (não é possível clarificar se o sexto indivíduo é ou não um agente infiltrado e quem?), a fim de os tribunais poderem agir em conformidade com a lei em tão sensível matéria. Louva-se a eficácia mas esta não pode depreciar ou ultrapassar o apego à lei. Sendo assim, prejudicada fica a apreciação da restante matéria do recurso.»III3.1. Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo de Soure, por acórdão de 8.7.02, decidiu: - declarar a nulidade da prova obtida nestes autos contra os arguidos e que permitiu a sua detenção, porque obtida mediante...

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