Acórdão nº 02P4647 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: A (1) Assistente/recorrida: B 1. OS FACTOS (2) O arguido, vendedor ambulante, exercia tal actividade no Jardim da Constituição, em Lagos, onde, juntamente com a companheira, costumava instalar uma banca de venda sobre a calçada. C e a companheira, B, dedicavam-se também à venda ambulante naquele local e costumavam instalar a sua banca junto da do arguido. Habitualmente, naquele local, montavam também bancas de venda ao público alguns familiares do A e da companheira deste, nomeadamente o primo deste, D, que se encontrava de relações cortadas com o arguido. Durante o ano de 2000 e inícios de 2001, o arguido havia-se envolvido em discussão e confrontos físicos com familiares de A, nomeadamente E e F, por questões relacionadas com o divisão do espaço de venda ambulante que ocupavam no Mercado do Levante, em Lagos. Por vezes, o arguido tinha de esperar que C montasse a sua tenda e retirasse o seu veículo para poder passar com o seu a fim de montar a sua ou então tinha de passar por cima da relva do jardim. Porém, o arguido e C nunca haviam discutido um com o outro. Na tarde de 2 de Agosto de 2001, o arguido passou grande parte do tempo no café "Requinte", sito no Chinicato, Lagos, onde ingeriu várias bebidas alcoólicas, tendo-se inclusivamente desentendido com a empregada do estabelecimento por se recusar a pagar a despesa e ter provocado distúrbios. Após sair de tal estabelecimento, o arguido dirigiu-se no seu veículo Renault Master, de matrícula NL, para o Jardim da Constituição, a fim de ajudar a companheira a desmontar a sua banca de venda ao público. Cerca das 20.30 horas, o arguido chegou ao Jardim da Constituição e, como o veículo do C se encontrasse estacionado a dificultar-lhe o acesso até à sua tenda para recolher as ferragens e os artigos expostos, parou o seu veículo e chamou por B, dizendo-lhe que pretendia falar com o companheiro. Este, que se encontrava a desmontar a sua tenda, dirigiu-se então ao veículo do arguido e, abeirando-se do mesmo pelo lado direito, abriu a porta da viatura desse lado e perguntou ao arguido o que é que ele queria. Então, o arguido, que se encontrava no interior do seu veículo, do lado oposto àquele por onde surgiu C, empunhou a sua espingarda caçadeira ("Farban Itália", com o n.º 559455 - 852784, com coronha em madeira e de um único cano, que se encontrava sobre o banco da sua viatura e que previamente municiara com pelo menos um cartucho), apontou-a na sua direcção e de seguida, quando ele se encontrava a cerca de um metro de distância, premiu o gatilho, efectuando um disparo que o atingiu no tórax. C recuou ligeiramente e acabou por cair no chão inanimado. Em seguida, como alguém tivesse disparado um tiro com uma espingarda caçadeira contra ele, partindo-lhe o pára-brisas e atingindo-o no rosto com alguns dos projécteis, o arguido fugiu daquele local ao volante do veículo automóvel onde se encontrava. Nesse mesmo dia, cerca das 22.45 horas, agentes da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana de Beja, viriam a deter o arguido na estação de serviço da "Galp", próxima da aldeia de Palheiros - Odemira. Em consequência do disparo efectuado pelo arguido contra C, beneficiário da Segurança Social n.º 133585031, este sofreu as lesões descritas no relatório da autópsia de fls. 28 a 31, que lhe determinaram, directa, necessária e imediatamente a sua morte. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o intuito concretizado de causar a morte de C. Com efeito, ao disparar a espingarda caçadeira que empunhava à distância mencionada, e visando uma região corporal que sabia ser vital, o arguido sabia que lhe causaria lesões irreparáveis, adequadas à produção da sua morte. Bem sabia o arguido que tal conduta era proibida e punida por lei. O arguido prestou declarações verdadeiras com relevo para o esclarecimento dos factos (3). Tem antecedentes criminais, tendo já sofrido condenação em pena de prisão suspensa na sua execução por crime de passagem de moeda falsa e em penas de multa por fraude sobre mercadorias e danificação ou subtracção de documento e notação técnica. Em liberdade, ajudava a mulher na venda ambulante e trabalhava como servente de pedreiro, tendo três filhos, um dos quais menor, e uma neta, todos eles dependentes economicamente do arguido e a viverem conjuntamente com ele na mesma casa, um apartamento arrendado da Câmara Municipal, e actualmente a subsistirem com o rendimento mínimo garantido. O arguido tem como habilitações literárias a antiga 4ª classe, ingere de forma excessiva e com alguma frequência bebidas alcoólicas e é tido como pessoa pacífica, respeitadora e trabalhadora. Tem bom comportamento prisional e exerce actividade laboral no EP, como faxina. 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo de Lagos (4) , em 04Jul 02, condenou A, como autor de um crime de homicídio (art. 131.º do CP), na pena de 13 anos de prisão: Vem o arguido acusado da prática de um crime de homicídio qualificado. Provado ficou que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, o arguido desferiu um tiro com uma espingarda caçadeira na direcção de C que o atingiu no tórax, dessa forma lhe causando diversas lesões que foram causa directa e necessária da sua morte. O arguido quis e representou a morte da vítima, sendo idóneo a produzir tal resultado quer o meio utilizado pelo arguido (arma de fogo), quer a região corporal que o arguido atingiu. Perante este factualismo, dúvidas não há de que o arguido cometeu um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131º do C. Penal. Considera porém a acusação que tal crime se mostra qualificado pela circunstância prevista na al. g) do n.º 2 do art.º 132º do C. Penal. Dispõe o n.º 1 deste último artigo que "se a morte da vítima for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos". Entre outras, é susceptível de revelar essa especial censurabilidade ou perversidade a circunstância da al. g) do n.º 2 do mesmo preceito que dispõe: "praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum". Trata-se de circunstâncias atinentes à culpa que não são de funcionamento automático exigindo, mesmo que objectivamente preenchidas, um especial juízo...

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