Acórdão nº 02S2158 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório A intentou, em 4 de Outubro de 1993, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento por nulidade do processo disciplinar que o precedeu e a consequente condenação do réu a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, na plenitude e efectividade de funções correspondentes à categoria de vice-cônsul na Secção Consular da Embaixada de Portugal em Nova Delhi, na República da União Indiana, e a pagar-lhe todas as prestações retributivas vencidas desde o despedimento e as vincendas até à sentença final, ou, "alternativamente", a pagar-lhe uma indemnização por despedimento, de acordo com a lei local, no montante de USD 22174,88 (correspondente, à data, a 3703205 escudos), sempre acrescidas de juros à taxa legal. Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) foi admitido ao serviço do réu em 21 de Setembro de 1979, tendo desempenhado as funções que lhe foram sendo atribuídas; (ii) desde 1984 detém a categoria de vice-cônsul, na Secção Consular de Portugal em Nova Delhi, União Indiana; (iii) em 11 de Outubro de 1992 foi-lhe comunicado o seu despedimento com efeitos imediatos, despedimento que é ilícito por ser nulo o procedimento disciplinar que o precedeu, e, em todo o caso, ter prescrito o direito de o instaurar

O réu contestou (fls. 97 a 101), defendendo a validade do procedimento disciplinar e a licitude do despedimento do autor, e, para o caso de assim não se entender, sustentando que ao caso sempre seria aplicável a lei local, que permite o despedimento com aviso prévio de um mês ou em alternativa com um mês de vencimento pago, assim concluindo pela improcedência da acção

Por despacho de 13 de Julho de 1994 (fls. 133 a 135), o Tribunal do Trabalho de Lisboa declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção e absolveu o réu da instância, mas, em agravo interposto pelo autor, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de Outubro de 1995 (fls. 157 a 161), concedeu provimento ao recurso, julgando os tribunais do trabalho materialmente competentes

Baixados os autos à 1.ª instância, foi proferido despacho saneador (fls. 164) e foram organizados a especificação e o questionário (fls. 164 e 165), contra os quais o réu reclamou (fls. 166 e 167), com parcial sucesso (cfr. despacho de fls. 173)

Realizada audiência de discussão e julgamento, foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 207 e 208, que não suscitaram reclamações, após o que foi proferida, em 20 de Julho de 1997, a sentença de fls. 210 a 215, na qual se decidiu pela não aplicação in casu da remissão prescrita pelo artigo 21 do Decreto-Lei n. 451/85, de 28 de Outubro, para o regime disciplinar da função pública, pois tal implicaria excluir as regras sobre a cessação do contrato individual de trabalho (consagradas no Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, e, depois, no Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - doravante designado por LCCT), exclusão que seria materialmente inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, e organicamente inconstitucional, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, e, entendendo-se que o autor teria direito a ser indemnizado pela quebra do vínculo, quer à luz do direito interno (LCCT), quer à luz do direito local (ex vi n.º 2 do artigo 42.º do Código Civil), mas que era este último o aplicável ao caso, foi o réu condenado a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de 3703205 escudos, assim se julgando procedente o pedido subsidiário formulado pelo autor

Contra esta sentença interpuseram recursos o autor (recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, insistindo na nulidade do processo disciplinar, consequente ilicitude do despedimento e procedência dos pedidos de reintegração e de pagamento das quantias vencidas desde a data do despedimento - fls. 219 a 233) e o Ministério Público (recurso para o Tribunal Constitucional, quanto à decisão de recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 21.º do Decreto-Lei n. 451/85, de 28 de Outubro - fls. 217)

Admitido o recurso de constitucionalidade (despacho de fls. 234), veio o mesmo a obter provimento pelo acórdão n. 570/99, processo n. 817/97, de 20 de Outubro de 1999, do Tribunal Constitucional (fls. 261 a 273; entretanto publicado no Diário da República, II Série, n.º 67, de 20 de Março de 2000, pág. 5273, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 490, pág. 33, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º volume, pág. 201), que não julgou inconstitucional a norma daquele artigo 21.º, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte argumentação (que se transcreve na íntegra, apesar da sua extensão, porque o seu conhecimento é de relevante importância para a decisão de uma das questões que integram o objecto do presente recurso de revista - cfr. infra, 3.3): "II - 6. O presente recurso tem por objecto a constitucionalidade da norma constante do artigo 21.º do Decreto-Lei 451/85, de 28 de Outubro, que o Tribunal do Trabalho de Lisboa julgou material e organicamente inconstitucional e que, nos termos do artigo 207 da Constituição da República Portuguesa (versão de 1992), se recusou a aplicar

Dispõe o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 451/85: «O pessoal referido no n.º 2 do artigo 2.º [isto é, o pessoal assalariado de nacionalidade estrangeira ou o pessoal assalariado de nacionalidade portuguesa que não opte pelo estatuto da função pública], em matéria de faltas, férias e licenças, bem como em matéria disciplinar, reger-se-á pelas normas legais em vigor na função pública, sem prejuízo da aplicação subsidiária da lei local.» O Tribunal do Trabalho de Lisboa recusou a aplicação da norma que constitui o objecto do presente recurso, com dois fundamentos: - Por entender que a remissão feita pela norma em causa para o estatuto disciplinar da função pública inviabiliza a aplicação ao caso dos autos (e a todos os trabalhadores que se encontrem nas mesmas condições) do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho - o que redundaria em violação do princípio da segurança no emprego (não é referida a norma constitucional pretensamente violada, mas o tribunal reporta-se certamente à norma do artigo 53.º da Constituição, versão de 1992); - Por considerar que, estando o princípio da segurança no emprego «elevado a garantia constitucional», não poderia o Governo, sem autorização da Assembleia da República, criar para uma categoria de trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho um regime da excepção, subtraindo-os às normas do direito disciplinar laboral privado [segundo o entendimento do tribunal a quo, tratar-se-ia de matéria integrada nos «direitos, liberdades e garantias», da competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, nos termos do artigo 168.º, n.º l, alínea b), da Constituição, versão de 1982]

  1. O diploma a que pertence a norma questionada neste processo - o Decreto-Lei n.º 451/85, de 28 de Outubro - veio aprovar «o estatuto do pessoal técnico, técnico-profissional, administrativo e auxiliar ao serviço das missões, embaixadas e consulados de Portugal», clarificando, relativamente ao direito anterior, em termos provisórios (cfr. o artigo 33.º do mesmo decreto-lei), o regime jurídico aplicável aos trabalhadores em causa

    Reconhecendo embora a especificidade de regime jurídico a que tais trabalhadores se encontram sujeitos, o diploma tem seguramente o objectivo de alargar o âmbito de eficácia da «regra de equiparação, em matéria de direitos, deveres e regalias, dos agentes funcionários contratados além dos quadros ao pessoal dos quadros aprovados por lei» - regra a que se referia a Procuradoria-Geral da República em parecer emitido, no domínio da legislação anterior, precisamente a propósito do pessoal assalariado em serviço nas missões diplomáticas e consulares (processo n.º 153/79, Diário da República, II Série, n.º 250, de 28 de Outubro de 1980, págs. 6950 seguintes)

    Estas ideias gerais que inspiram o Decreto-Lei n.º 451/85 encontram-se expressas, desde logo, no artigo 2.º, n.º 1, nos termos do qual: «Os elementos do actual pessoal assalariado [...], desde que de nacionalidade portuguesa, poderão optar pelo estatuto da função pública, com as especificidades constantes do presente diploma [...].» Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo 2.º determina que: «Os elementos do actual pessoal assalariado de nacionalidade estrangeira ou que, sendo de nacionalidade portuguesa, não optem pelo estatuto da função pública, obedecerão ao regime do contrato de trabalho, com as especificidades constantes do presente diploma e em conformidade com o direito local aplicável.» A norma questionada no presente recurso - a norma do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 451/85 - tem por objecto estender ao pessoal referido no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo diploma (o pessoal assalariado de nacionalidade estrangeira ou o pessoal assalariado de nacionalidade portuguesa que não opte pelo estatuto da função pública) o regime legal em vigor para a função...

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