Acórdão nº 02S2508 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução24 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório A, intentou, em 25 de Maio de 1998, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Amadora, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 2 719 844$00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, alegando, para tanto, em suma, que: (i) foi admitido pela ré em 20 de Outubro de 1976, detendo ultimamente a categoria profissional de Chefe de Secção e o vencimento mensal de 122 880$00, acrescido de subsídio de refeição de 5720$00/mês, cinco diuturnidades no valor mensal de 12 500$00 (2500$00 x 5) e subsídio de isenção de horário de trabalho no montante de 29 456$00; (ii) exerceu as funções de Chefe de Secção de Pessoal e Expediente na Secretaria-Geral e de Pessoal da ré até 16 de Dezembro de 1997, data em que foi "exonerado" dos cargos de chefia que vinha exercendo; (iii) em 17 de Dezembro de 1997, apresentou-se ao serviço e aguardou até às 12h30 instruções quanto ao Serviço onde passaria a exercer funções de chefia, mas nenhumas instruções lhe foram transmitidas; (iv) solicitou, então, o gozo da tarde desse dia e os dois dias úteis seguintes a título de férias, o que lhe foi concedido; (v) quando, no dia 22 de Dezembro de 1997, se apresentou, foi-lhe comunicado que, enquanto não fosse nomeado para chefiar outro Serviço, as suas funções consistiriam na leitura diária do Diário da República, com vista à localização de legislação com interesse para a ré, e na organização de alguns processos que careciam de ser completados, tendo sido instalado sozinho numa sala; (vi) aceitou desempenhar essas funções no pressuposto de que se tratava de uma situação transitória, face ao compromisso escrito de que oportunamente seria nomeado para chefiar outro Serviço; (vii) pela "Norma de Funcionamento n.º 1/98", de 5 de Janeiro de 1998, foi-lhe atribuída a responsabilidade pelo "Gabinete de Legislação e Acordos", o qual, porém, era apenas constituído por si, coincidindo as atribuições cometidas com as que vinha desempenhando transitoriamente desde 22 de Dezembro de 1997; (viii) do exercício dessas funções, praticamente reduzidas à leitura do Diário da República, pois rapidamente completou os processos que estavam pendentes, resultava a sua inactividade forçada durante a maior parte do seu horário de trabalho, isolado numa sala inadequada para o exercício de funções administrativas, enquanto o seu anterior lugar era ocupado por um Subchefe de Secção, sem experiência na área de pessoal; (ix) esta situação humilhou o autor - que sempre fora um trabalhador honesto, zeloso, diligente e respeitador, tendo-lhe sido concedido um louvor pela ré - e provocou-lhe um estado de grande abatimento; (x) para além de humilhante, a situação era ilegal, porque as funções que lhe foram atribuídas não se inseriam no conteúdo funcional da sua categoria de Chefe de Secção nem com ela tinham qualquer afinidade, facto para que alertou a ré, através de comunicação escrita de 8 de Janeiro de 1998, solicitando-lhe que, no prazo de três dias, o informasse, por escrito, se, no futuro, iria, ou não, coordenar, dirigir e controlar o trabalho de um grupo de trabalhadores; (xi) não tendo a ré dado qualquer resposta, assim demonstrando a adopção deliberada e consciente de uma estratégia de marginalização e humilhação, com violação do direito à ocupação efectiva, o autor, por comunicação escrita de 19 de Janeiro de 1998, rescindiu unilateralmente, com justa causa, a relação laboral, o que lhe confere direito à indemnização de antiguidade, no valor de 2 703 360$00, a que acrescem 16 484$00 de quantitativos indevidamente descontados por faltas dadas sem perda do direito à retribuição

Citada, a ré contestou (fls. 25 a 46), alegando, em síntese, que: (i) o quadro de pessoal do qual o autor era Chefe de Secção era composto pelo próprio e outra funcionária, repartindo entre ambos o volume de trabalho existente; (ii) a exoneração do autor do lugar de Chefia da Secção de Pessoal prende-se com a perda de confiança e inadequação comprovada deste para aquele tipo de funções; (iii) assim, em 16 de Dezembro de 1997, a ré ordenou ao autor que permanecesse no seu posto de trabalho até à definição da reestruturação da ré em curso, tendo-lhe sido explicadas em 22 de Dezembro de 1997 as suas novas funções no âmbito da nova organização a implementar com carácter de efectividade no início do ano de 1998, mais precisamente, a partir de 5 de Janeiro de 1998; (iv) o referido Gabinete de Legislação estava integrado nos serviços administrativos da ré, prevendo-se a sua dotação de pessoal com pelo menos mais um trabalhador para além do autor; (v) além do mais, as funções atribuídas ao autor eram perfeitamente compatíveis com a sua categoria profissional; (vi) foi correctamente efectuado o desconto da retribuição correspondente às faltas dadas, por se tratar de ausências sem justificação

Frustrada tentativa de conciliação (fls. 69), foi proferido despacho saneador, seguido da elencação dos "factos assentes" e da "base instrutória" (fls. 70 a 72), contra a qual o autor (fls. 73 a 75) e a ré (fls. 76 a 83) reclamaram, sem sucesso (despacho de fls. 93)

Realizada audiência de julgamento, foram dadas à base instrutória as respostas constantes de fls. 169, contra as quais reclamaram autor e ré (fls. 170 a 172), de novo sem sucesso (despacho de fls. 173)

Em 26 de Janeiro de 2001, foi proferida a sentença de fls. 174 a 178 - com rectificação, a fls. 182, de erro de escrita, a solicitação do autor (fls. 179 e 180) -, que julgou a presente acção parcialmente procedente, reconhecendo a verificação de justa causa para a rescisão do contrato e condenando a ré a pagar ao autor uma indemnização no valor de 3 072 000$00, com juros de mora, à taxa legal supletiva, sobre tal montante desde a citação até integral pagamento, mas absolvendo-a do pedido referente ao pagamento de três dias de faltas descontadas na retribuição do autor, por este não haver logrado provar a justificação dessas faltas

A ré apelou desta sentença, na parte condenatória, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2002 (fls. 233 a 249), julgou procedente a apelação, por considerar inexistente justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo autor, absolvendo a ré do pedido

Contra este acórdão interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 256 a 268), com a formulação das seguintes conclusões: "1.ª - Nos termos da PRT aplicável, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 26, de 15 de Julho de 1992, «Chefe de Secção» é o trabalhador que «coordena, dirige e controla o trabalho de um grupo de profissionais administrativos com actividades afins»; 2.ª - O Tribunal Colectivo deu como provado e encontra-se admitido por acordo que o recorrente, com a categoria de «Chefe de Secção», exerceu as respectivas funções na Secretaria-Geral e de Pessoal da recorrida até 16 de Dezembro de 1997, data em que foi exonerado do cargo de chefia que vinha exercendo nesses serviços; 3.ª - O facto de o recorrente, a par das suas funções de «Chefe de Secção», aceitar repartir com a trabalhadora sob a sua chefia o trabalho existente, não invalida que a sua «categoria estatuto» tivesse adequada correspondência com a sua categoria objectiva ou «categoria função»; 4.ª - O núcleo essencial e único da categoria normativa de «Chefe de Secção» consiste em coordenar, dirigir e controlar o trabalho de outros trabalhadores, sendo irrelevante que o recorrente, em lugar de um grupo de trabalhadores, apenas tivesse uma trabalhadora para chefiar; 5.ª - Pode-se, seguramente, chefiar, dirigir e controlar o trabalho de um trabalhador, que constitui o pressuposto mínimo, mas suficiente, para o exercício das funções nucleares da categoria de «Chefe de Secção»; 6.ª - Mal se compreenderia, aliás, que, tratando-se de um facto exclusivamente recondutível à vontade da recorrida, o reconhecimento da tutela da categoria estivesse permanentemente dependente de o seu titular ter ou não mais do que um trabalhador sob a sua chefia; 7.ª - O entendimento perfilhado no acórdão em recurso admite que a recorrida poderia violar o princípio da irreversibilidade da categoria, legalmente consagrado no artigo 21.°, n.° l, alínea d), da LCT; 8.ª - Tal entendimento traduz-se ainda num benefício indevido ao infractor, pois pressupõe que a recorrida violava o disposto no n.° l do artigo 22.° da LCT e, com base nessa violação, confere-lhe o direito de nela persistir; 9.ª - Ao invés, o espírito de colaboração demonstrado pelo recorrente, ao aceitar repartir o trabalho administrativo com a trabalhadora sob a sua chefia, é valorizado negativamente no acórdão, através da desqualificação do recorrente e da inutilização dos seus direitos e garantias decorrentes da...

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