Acórdão nº 02S2771 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. "A", com os sinais dos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, (adiante apenas designada por ANA) e contra todos os membros do respectivo conselho de gerência, devidamente identificados, formulando contra a primeira ré um pedido indemnizatório por ilícita cessação da comissão de serviço em que se encontrava investido como director comercial (envolvendo uma indemnização por antiguidade, o pagamento de dois meses de remuneração por incumprimento do aviso prévio e o direito ao prémio anual na proporção correspondente ao tempo de exercício de funções no ano 1997), e, bem assim, um pedido de condenação solidária de todos os réus, na apresentação de um pedido de desculpas, a publicitar na revista editada pela Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, com sujeição a sanção pecuniária por cada dia de atraso nessa publicação. O juiz do processo mandou desentranhar a contestação da primeira ré por a ter considerado intempestivamente apresentada, declarando a nulidade do respectivo acto processual (despacho de fls 269), e em sentença final julgou parcialmente procedente a acção, condenando a primeira ré na indemnização do montante de dois meses de remuneração, correspondente ao período de antecedência com que deveria ter sido comunicada a cessação da comissão de serviço, julgando improcedentes os demais pedidos formulados, incluindo o respeitante à publicitação de um pedido de desculpas. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao agravo interposto pela Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, contra a decisão que declarou extemporânea a apresentação da contestação, e, julgou parcialmente procedente a apelação, também interposta pelo autor, deferindo a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, que havia sido suscitada quanto a um dos pedidos indemnizatórios parcelares (o direito ao prémio anual), e determinando, em consequência, a condenação da primeira ré no pagamento dessa importância, e mantendo no mais a decisão sob recurso. É da decisão proferida em matéria de apelação que vem interposto o presente recurso de revista, em que o recorrente formula, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1º Em processo laboral, a não contestação por parte do réu determina a fixação de todos os factos articulados pelo Autor - nº. 1 do artº. 54º do Código de Processo do Trabalho. 2º O Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao não julgar fixados todos os factos articulados pelo A. violou o artº. 54º, nº. 1, do Código de Processo do Trabalho. 3º Aos factos já julgados assentes pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, devem ser acrescidos todos os outros factos alegados pelo A., nomeadamente nos artºs. 94º, 102º, 105º, 172º, 173º, 174º, 175º, 176º, 224º, 245º e 257º da petição inicial. 4º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado no sentido de o conteúdo da norma jurídica permitir a rescisão do acordo de comissão de serviço pela entidade empregadora com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, é inconstitucional por violar as normas do artºs. 13º, nº. 1 e 2, e 53º da Constituição da República Portuguesa. 5º O Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar que o artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, permite a rescisão do acordo de comissão de serviço pela entidade empregadora com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, aplicou uma norma inconstitucional. 6º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado de modo conforme à Constituição, estatui que a entidade empregadora não pode rescindir o acordo de comissão de serviço com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata. 7º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado no sentido de permitir à entidade empregadora rescindir o acordo de comissão de serviço por motivos políticos viola a norma do artº. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 8º Os RR. ao rescindirem voluntária e conscientemente o acordo de comissão de serviço com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, praticaram um acto ilícito e culposo. 9º O Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar que os RR. não haviam praticado nenhum acto ilícito por não haver violação nem da norma do artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro (com a interpretação dada por esse Tribunal) nem dos artºs. 13º, nº. 1 e 2, e 53º da Constituição, aplicou mal todas as referidas disposições. 10º Os danos não patrimoniais verificados (stress, perturbação, sofrimento, tendo a tensão arterial subido a níveis perigosos, mantendo-se hoje nesses níveis) são susceptíveis de indemnização (artºs. 70º e 496º do Código Civil). 11º Em regra, a indemnização deve ser obtida através reconstituição em espécie (artº. 562º do Código Civil). 12º Declarando o Autor que um pedido de desculpas assinado pelos RR. e publicado na revista da ANA, EP, repõe a situação como estava antes dos danos, e tratando-se de matéria na disponibilidade do Autor, deve o Tribunal determinar a indemnização em espécie, conforme pedido pelo Autor. 13º A condenação nessa indemnização não é impossível, repara totalmente os danos e não é excessivamente onerosa. 14º O Tribunal da Relação de Lisboa violou, assim, os preceitos dos artºs. 70º, 496º e 562º do Código Civil. 15º A obrigação de indemnização em espécie consistente num pedido de desculpas assinado pelos RR. é uma obrigação infungível e, logo, susceptível de determinar a condenação em sanção pecuniária compulsória. 16º Uma sanção pecuniária compulsória de 100.000$00 (€ 498,80) por cada dia de atraso na assinatura do pedido de desculpas e na sua publicação é adequada para a Ré ANA, EP, que vale 120.000.000.000$00 (598.557.476,48) e tem proveitos anuais da ordem dos 40.000.000.000$00 (€ 199.519.158,83). 17º Uma sanção pecuniária compulsória de 5.000$00 (€ 24,94) por dia de atraso na assinatura do pedido de desculpas e na sua publicação, é adequada para os restantes RR. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 486 a 489) no sentido de ser negada a revista, aduzindo, em síntese, o seguinte: o Tribunal da Relação reformulou já a matéria de facto tendo em linha de conta que deverão ter-se como confessados os factos constantes da petição, estando ao Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, vedado efectuar qualquer censura fora dos limites previstos no artigo 729º do CPC, quanto a esta parte decisória; por outro lado, não ocorre a invocada violação do disposto nos artºs. 13º e 53º da Constituição - não está alegado e provado que a vertente política tivesse influenciado a decisão de fazer cessar a comissão de serviço, baseando-se o autor, neste ponto, em meras suposições, e no que se refere à segurança no emprego, importa notar que o próprio documento que titula o recrutamento do autor como director comercial em comissão de serviço, prevê a sua transição para uma categoria do quadro quando essa comissão atinja o seu termo; quanto à condenação em pedido público de desculpas, esta constitui uma mera reparação moral que tem aplicação própria no domínio da lei penal, e não constitui uma forma de indemnização em espécie, pelo que não poderia ser também atendida. Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Matéria de facto. A Relação, tendo em consideração que deverão ter-se como confessados os factos articulados pelo autor, por falta de oportuna contestação por parte dos réus, fixou a matéria de facto relevante a partir do alegado na petição inicial, ampliando, em cerra medida, a base instrutória definida na primeira instância, e que passou a ter em atenção que a ré não deduziu atempadamente contestação, apesar de dever considerar-se regularmente citada. Ficou assim assente a seguinte factualidade: - Em Março de 1993, o Autor foi convidado pelo então Presidente do Conselho de Gerência da Ré ANA, E.P., a celebrar um contrato com a Ré; - Em conformidade com essa proposta, o Autor assumiria as funções de Director Comercial da Ré ANA em regime de comissão de serviço; - Caso a comissão terminasse, o Autor assumiria as funções de Técnico Superior Assessor C 25; - No seguimento dessa proposta, o Autor e a Ré ANA, E.P. celebraram acordos, a 1 de Maio de 1993, nos termos dos documentos constantes de folhas 16, 17 e 18 dos autos; - Nos termos dos acordos, o Autor tinha a categoria de Director; - A retribuição do Autor seria constituída por uma parte em dinheiro e por uma parte em espécie; - A retribuição pecuniária era constituída por uma parte fixa e por duas parcelas variáveis (performance e o prémio); - A retribuição em espécie era constituída por um automóvel, senhas de gasolina, pagamento de parte da conta telefónica do Autor e cartão de crédito; - O Autor recebia, como parte fixa da parcela pecuniária da retribuição, 566.450$00; - Este montante era constituído por 464.300$00, aos quais acresciam 102.150$00 a título de isenção de horário; - Nos termos dos usos e regulamentos da empresa, foi atribuído ao Autor um automóvel, de sua escolha, até um valor de 5.750.000$00; - O automóvel escolhido foi um Nissan Primera 2.0 SGX, com caixa automática e com a...

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