Acórdão nº 02S3074 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução04 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório "A", residente na Rua ....., n.º ...., Porto, intentou, em 16 de Dezembro de 1999, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B (doravante designada por CABGOC), C (doravante designada por COPI) e D (doravante designada por CUKL), pedindo a condenação da 1.ª ré a reintegrá-lo ao seu serviço e de todas as rés a restituírem-lhe as quantias indevidamente deduzidas a título de hypothetical tax, acrescidas de juros, e a pagarem-lhe o diferencial, não pago, respeitante ao subsídio de férias do ano de 1996

Aduziu para tanto, em suma, que: (i) foi contratado em Lisboa, pela ....., para prestar serviço na sua subsidiária, CABGOC (1.ª ré), em Angola, então província ultramarina portuguesa, iniciando as suas funções em 13 de Março de 1968, tendo nesta data sido admitido nos quadros da 1.ª ré; (ii) prestou trabalho à 1.ª ré, sempre em Luanda, até 5 de Fevereiro de 1976, data em que recebeu instruções da Direcção dessa ré, a funcionar na altura em Londres, para seguir para Portugal e gozar um período de descanso, e, de seguida, apresentar-se em Londres: (iii) nesta cidade, em Março de 1976, foi-lhe comunicada a sua transferência para Libreville, Gabão, para onde seguiu no dia 10 desse mês e onde permaneceu até 1 de Janeiro de 1982, tendo, nesta data, sido transferido para a República dos Camarões; (iv) em 4 de Dezembro de 1986, foi chamado a prestar serviço nas instalações da 2.ª ré (COPI) em San Ramon, Califórnia; (v) em Junho de 1986, a C adquiriu, por fusão, a B e todas as suas subsidiárias, designadamente a CABGOC (1.ª ré), sucedendo-lhe, ela própria e as suas subsidiárias, nos direitos e obrigações detidos por aquelas; (vi) na sequência daquela fusão, a 2.ª ré (COPI) transferiu o autor para a 1.ª ré (CABGOC) em 6 de Agosto de 1986; (vii) o autor regressou a Luanda, trabalhando para a 1.ª ré até à cessação do seu contrato de trabalho; (viii) em 1 de Junho de 1999, o Director dos Recursos Humanos da 1.ª ré informou os trabalhadores portugueses que a 2.º ré concluíra existir um excesso de empregados, cujos postos de trabalho se propunha eliminar ou "angolonizar", tendo, na sequência dessa comunicação, sido o autor convidado a aceitar ser voluntariamente incluído no designado "Programa Especial de Cessação", ao que o autor respondeu desejar ser considerado para efeitos de "cessação involuntária de trabalho", caso a COPI/CABGOC assim o entendesse; (ix) apesar da posição assumida pelo autor, a 3.ª ré (CUKL), agindo em nome das "C"- Companies, remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Julho de 1999, pela qual pôs termo ao contrato de trabalho existente desde 1968, tendo o autor reagido de imediato, reiterando que não tinha optado pela cessação voluntária do seu contrato de trabalho, mas, apesar disso, não foi de novo admitido a trabalhar, mantendo-se o seu despedimento; (x) a partir de Novembro de 1977 e até à cessação do contrato de trabalho, a ré passou a deduzir mensalmente à retribuição paga ao autor uma quantia por ela designada por hypothetical tax e apresentada como o imposto que hipoteticamente o autor teria de pagar no país de origem pela remuneração auferida, mas as referidas quantias jamais foram entregues pelas rés a qualquer um dos Estados em cujo território o autor trabalhou efectivamente, tendo, por conseguinte, as rés embolsado, pura e simplesmente, as quantias assim deduzidas à retribuição do autor, no total de 41 120,4 francos suíços, 19 641 dólares americanos, 8 241,55 libras esterlinas e 9 709 159 escudos portugueses; (xi) em 1986, não foram concedidos ao autor os dias de férias relativos a 1985 e a esse ano, num total de 52 dias, tendo-lhe a ré pago compensação pecuniária de 6915 dólares americanos, a que deduziu 1006 dólares a título de hypothetical tax, quando a compensação devida, incluindo juros, era de 13365,81 dólares, acrescidos dos 1006 dólares indevidamente deduzidos; (xii) a in indemnização por cessação do contrato de trabalho que a 3.ª ré transferiu para a conta bancária do autor no Porto, no montante de 5093500$00, está mal calculada

As rés contestaram (fls. 72 a 161), excepcionando a incompetência absoluta (internacional) do tribunal demandado, a ilegitimidade das rés, a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a prescrição e o pagamento, e, por impugnação, propugnando a improcedência dos pedidos

Após resposta do autor à matéria das excepções deduzidas (fls. 511 a 519) e junção de diversa documentação, realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual, atenta a extensão da matéria em causa, foi distribuído projecto de despacho saneador, matéria assente e base instrutória, para as partes sobre ele se pronunciarem (fls. 977 e 978), o que foi feito pelas rés (fls. 980 a 988 e 995-996) e pelo autor (fls. 991 e 998 a 1000), tendo, em continuação daquela audiência, sido proferido, em 18 de Outubro de 2001 (cfr. acta de fls. 1007 a 1013), despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal demandado, com a seguinte fundamentação: "Como acima se referiu, está assente, porque aceite por ambas as partes, que o autor/trabalhador nunca efectuou o seu trabalho em Portugal e também, porque constitui facto notório, que nenhuma das rés está domiciliada em Portugal, nem aqui tem qualquer estabelecimento ou sucursal, a competência dos Tribunais portugueses apenas poderia resultar da aplicação do disposto no artigo 11.°, conjugado com os artigos 14.° e 15.°, todos do Código de Processo do Trabalho, ou seja, pelo facto de o autor ser português e ter o seu domicílio em Portugal ou de o contrato ter sido celebrado em território nacional

Porém, sendo, como são, todas as rés estrangeiras e não estando domiciliadas em Portugal, a competência internacional deste Tribunal terá que ser determinada pela aplicação da Convenção de Bruxelas, como vem invocado pelas rés

Ora, nos termos do artigo 2.° do Título I da Convenção: «Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado

As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado às regras de competência aplicáveis aos nacionais.» Por força do artigo 3.° da Convenção: «As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II e VI do presente título

Contra elas não podem ser invocados, nomeadamente: (...) em Portugal os artigos 65.° e 65.°-A do Código de Processo Civil e artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho.» Dado que não vem invocado qualquer facto que pudesse levar à atribuição da competência deste tribunal por força das disposições da secção VI, do título I, da Convenção, apenas por força das disposições da secção II, do mesmo título, poderia ocorrer tal atribuição de competência, afastada que está, como se disse, a possibilidade de contra as rés ser invocado o artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho

Ora, de todas as disposições da secção II, apenas da do artigo 5.° poderia resultar a competência internacional deste Tribunal

Dispõe esse normativo o seguinte: «O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado contratante: (...) em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.» Quer dizer, este Tribunal apenas teria competência internacional para conhecer da presente acção se o autor tivesse prestado habitualmente o seu trabalho em Portugal, o que, como se viu, não foi o caso, pois é pacificamente aceite que prestou o seu trabalho ao longo de toda a duração do contrato em Angola, Gabão, Camarões e Estados Unidos da América, sendo irrelevante, neste caso, o lugar onde foi celebrado o contrato

Face ao exposto, julgo procedente a invocada excepção dilatória da incompetência internacional deste tribunal para conhecer da presente acção e, em consequência, absolvo as rés da instância." O autor agravou deste despacho, pedindo a sua revogação por ter feito incorrecta interpretação e aplicação da referida Convenção, porquanto foi contratado em Portugal, no estabelecimento que a 1.ª ré então possuía em Lisboa, tendo iniciado a sua prestação de trabalho em território integrante do território português; que, nos últimos 13 anos de duração do contrato de trabalho, passava em Portugal os 28 dias de folga que se seguiam aos 28 dias de trabalho em Malongo, Angola, assim se cumprindo em Portugal também o contrato do autor; aqui, em Portugal, as rés pagaram a remuneração devida ao autor, em cumprimento da obrigação característica da relação laboral; e aqui, em Portugal, o autor teve a sua residência durante esse período de tempo do contrato. Mais acrescentou que a norma contida no artigo 10.° do actual Código de Processo do Trabalho fez a adaptação das disposições da Convenção citada, ao estabelecer que, na competência internacional dos tribunais do trabalho, estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial deste Código, ou "de terem sido praticadas em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção", o que entende como consagração da regra do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção. Sublinhou que a causa de pedir integra a celebração, em Portugal, do contrato de trabalho, cuja cessação, por acto das rés, o autor pede seja declarada ilegal

Em contra-alegações, as...

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