Acórdão nº 02S4495 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelEMÉRICO SOARES
Data da Resolução15 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A, com a identificação dos autos, intentou acção com processo comum, emergente do contrato de trabalho, contra B, com sede na Av. 5 de Outubro, em Lisboa, pedindo a condenação desta Ré a pagar à Autora a quantia de 18.026.800$00 (89.917,299€) acrescida de juros a taxa lega desde a citação até efectivo pagamento, para tanto alegando, em síntese que, sendo trabalhadora subordinada da Ré, desde 1984, auferindo ultimamente a retribuição mensal composta por remuneração base de 399.100$00, de 650$00 diários de subsídio de almoço e 15.000$00 mensais de diuturnidades, tal contrato cessou em 22/06/2001, por rescisão por parte da Autora. com justa causa pelo que deve a R. à A. a quantia de 8.026.888$00 a título de créditos vencidos com a cessação do contrato de trabalho e indemnização de antiguidade e, ainda a indemnização de 10.000.000$00 pelos danos não patrimoniais que lhe advieram de conduta ilícita da Ré para com a A.

Contestando a Ré a acção, contrariou os factos alegados pela Autora, impugnou os fundamentos da justa causa da rescisão alegado e em reconvenção pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de 798.200$00, por rescisão sem aviso prévio

Respondeu a A., impugnando os fundamentos do pedido reconvencional deduzido pela Re e concluindo pela sua improcedência

A fls. 241, foi proferido o despacho saneador, com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e da regularidade da instância, seguindo-se-lhe logo a sentença que, conhecendo do mérito da acção e da reconvenção, julgou aquela parcialmente improcedente e esta procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de 1.242.100$00 e juros de mora desde e a A. a pagar à Ré. a quantia de 798.200$00 acrescida de juros desde a notificação da contestação.

Pelo requerimento de fls. 256, pediu a A. a "rectificação o aclaração" dessa sentença por entender que na alínea D) da matéria de facto dada como provada, em vez de constar "o contrato de trabalho cessou em 22/06/01, por rescisão por parte da Autora, com justa causa,..." devia constar "... com invocação de justa causa...", sob pena de se verificar a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 667º do Cód. Proc. Civ

Pelo despacho de fls. 263, foi tal pretensão da A. indeferida, mas não sem se ter ali referido que «no contexto da referida alínea, em que se transcrevem os fundamentos de justa causa, a expressão " contrato de trabalho cessou em 22.06. 01, por rescisão por parte da autora, com justa causa ..." é sinónima da expressão "o contrato de trabalho cessou em 22.06.01, por rescisão por parte da Autora, com invocação de justa causa ..."» Inconformada com aquele saneador/sentença, interpôs a A. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, arguindo no respectivo requerimento a nulidade da mesma sentença alegando, com base no facto constante da alínea D) do quadro factício, a contradição entre a decisão e os seus fundamentos. Quanto ao mérito da causa pediu a parcial revogação da sentença, a procedência dos pedidos de indemnização de antiguidade e pelos danos morais formulados pela Recorrente e a improcedência do pedido reconvencional

Pelo acórdão de fls. 305 a 324, o Tribunal da Relação de Lisboa, depois de indeferir a arguição de nulidade suscitada pela Recorrente julgou improcedente a apelação, confirmando o saneador sentença recorrido

Novamente inconformada, traz a Recorrente recurso de revista desse acórdão para este Supremo Tribunal, oferecendo oportunamente as suas alegações que finaliza com as seguintes conclusões: 1 - É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão - alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.C. 2 - O poder disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes ao conhecimento dos factos por quem detém poderes disciplinares - n.º 1 do artigo 31º da L.C.T. e Ac. S.T.J. de 08/02/01, in B.M.J. n.º 480, pág. 1665 - prazo de caducidade. 3 - O termo a quo do prazo de caducidade é a data daquele conhecimento e o termo ad quem é a data da recepção da nota de culpa pelo arguido - n.º 11 do artigo 10º da L.C.C.T. - ou a data em que é dado conhecimento ao arguido de que a entidade empregadora vai exercer o poder disciplinar -Acs. do S.T.J. de 16/11/88 e 10/04/91, ín B.M.J. n.º 381, pág. 505 e B.M.J. n.º 406, pág.442, respectivamente. 4 - Invocada a caducidade do exercício do poder disciplinar, toda e qualquer sanção que venha a ser aplicada representa o exercício abusivo do direito de punir, pelo que é abusiva e dá causa a rescisão - artigo 35º, 1, c) da L.C.C.T. 5 - O instituto da caducidade, tal como o da prescrição, é de interesse e ordem pública, por originar certeza e segurança na aplicação do direito e evitar, in casu, que a entidade patronal aguarde o tempo que lhe aprouver e aplique-se a sanção quando mais lhe convier. 6 - A atribuição de uma viatura automóvel também para uso particular, mesmo que só quando o trabalhador está ao serviço, constitui uma regalia que não pode ser suprimida unilateralmente, se tal possibilidade não for prevista no momento da sua atribuição, sob pena de constituir justa causa para rescisão - artigo 35º, 1, e) da L.C.C.T. 7 - É ofensiva da honra e dignidade do trabalhador a retirada da chave da porta da entrada do local de trabalho que lhe havia sido livremente entregue pela entidade patronal, por representar desconfiança e vexame perante os demais trabalhadores, sobretudo quando se trata de pessoal dirigente, constituindo justa causa para o trabalhador rescindir o contrato - alínea f) do n.º 1 do artigo 35º da L.C.C.T. 8 - A retirada do gabinete de trabalho a um director para o atribuir a um assessor da direcção ofende a honra e dignidade daquele, pelo que integra justa causa - alínea f) do n.º 1 do artigo 35º da L.C.C.T. 9 - A decisão unilateral de retirada de uma linha telefónica directa instalada no gabinete privativo de um director representa a supressão de urna regalia e a violação de um direito, por se traduzir tal uso, ao longo dos anos, num proveito económico e na reserva e sigilo da vida privada. A conduta da entidade patronal dá ao trabalhador justa causa para se despedir, nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 35º da L.C.C.T. 10 - O dever de ocupação efectiva não permite à entidade patronal manter um director inactivo durante largos períodos de tempo. Se tal acontece, tem o trabalhador justa causa para se despedir - Ac. do S.T.J. de 07/06/00, in B.M.J. 498, pág. 125. 11 - A alteração da categoria profissional e atribuição ao trabalhador de funções meramente burocráticas, diversas das que integram a categoria profissional de direcção e chefia, tal como estão definidas para o Director de Serviços no CCT aplicável, in BTE 1ª série, n.º 2, de 15/01/99, modificam substancialmente a posição do trabalhador e conferem-lhe justa causa para a rescisão do contrato - Ac. do S.T.J. de 07/06/00 supra citado. 12 - Os comportamentos da R. referidos nas conclusões 6, 7, 8, 9, 10 e 11, pela sua sucessão no tempo, encadeamento lógico e motivação, são intencionais, culposos e traduzem uma perseguição à autora. 13 - Os vexames causados, a desconfiança, a diminuição de regalias, a desocupação efectiva e aplicação de sanção abusiva provocaram a baixa por doença do foro psiquiátrico, agravaram esse estado e causaram à autora grande sofrimento e retardamento da sua cura. 14 - O estado de saúde da autora era do conhecimento da ré quando lhe aplicou a sanção disciplinar, que antes provocou quando adoptou os demais comportamentos, pelo que há nexo causal entre eles e aquele sofrimento, tendo assim a autora direito a ser indemnizada, nos termos dos artigos 483º e 496º do Código Civil. 15 - O aviso prévio consignado no artigo 38.º do L.C.C.T. tem por fim permitir à entidade patronal o preenchimento da vaga aberta, procurando-se preservar, assim, a organização da empresa e evitar prejuízos pelo rompimento abrupto da relação laboral. 16 - Se o trabalhador rescindir um contrato que se encontra suspenso, há mais de seis meses, por iniciativa da entidade patronal, não ocorrem aqueles prejuízos, pelo que o pedido de indemnização da ré por falta de aviso prévio integra abuso de direito, nos termos do que se dispõe no artigo 334.º do Código Civil. 17 - O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 334.º, 483.º e 496.º do Código Civil; 511.º, 668.º,1, c) e 712.º do Código do Processo Civil; alínea g) do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 31.º da L.C.T.; n.º 1 do artigo 9º e n.ºs 5,7,8, 9 e 11 do artigo 10º e alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 35.º da L.C.C.T., pelo que deve ser revogado o acórdão ora posto em crise, julgando-se procedentes os pedidos de indemnização de antiguidade e por danos morais formulados pela recorrente e improcedente o pedido reconvencional, com todas as consequências legais

Contra-alegou a Recorrida, defendendo seja negada a revista e seja confirmada a decisão recorrida

O Dg.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que se acha a fls. 376 a 380, pelo qual manifesta o seu entendimento no sentido de não ser concedida a revista

Notificado o parecer às partes, respondeu apenas a Recorrente, pugnando pela integral procedência do recurso que interpôs

Colhidos que se mostram os legais vistos, cumpre apreciar e decidir: Acolhendo a matéria de facto que havia sido fixada pela tribunal da 1ª Instância, deu o Tribunal recorrido como apurados os seguintes factos: A) A autora foi admitida ao serviço da ré em 01.11.84 para, sob as ordens da respectiva Direcção, lhe prestar a sua actividade profissional remunerada. B) Há cerca de 14 anos que a autora detinha a categoria profissional de Directora de Serviços e internamente era também designada e exercia as funções de Assessora da Direcção. C) Ultimamente, auferia uma retribuição mensal decomposta da seguinte forma: Base - 399.100$00, Subsídio de almoço - 650$00/por dia, Diuturnidades - 15.000$00. D) O contrato de trabalho cessou em 22.06.01, por rescisão...

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