Acórdão nº 03A1811 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O "Banco A, S.A.", com sede no Porto, instaurou, em Novembro de 1993, execução para pagamento de quantia certa, com processo comum e forma ordinária, contra - "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL", com sede em ... e - C, de ..., fundando-se em nove letras de câmbio, sacadas e endossadas àquele Banco pela "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" e aceites pela executada C, vencidas em 1992 mas não pagas por qualquer dos obrigados. A executada D. C deduziu, em Abril de 1994, oportunos embargos, alegando, em síntese, que as letras dadas à execução foram preenchidas abusivamente pela sacadora/endossante "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" que as falsificou, tendo actuado de forma dolosa com intenção de a burlar. Alega ainda que o exequente "Banco A, S.A." sabia que a sacadora/endossante tinha falsificado as letras que detinha ilegitimamente e, não obstante, descontou-as, pelo que agiu conscientemente em detrimento da embargante. O "Banco A, S.A." contestou, impugnando o alegado na petição, sustentando que desconhece o negócio subjacente à emissão da letras, negócio que, de resto, não lhe é oponível. Conclui pela improcedência dos embargos. O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença, datada de 22.11.96, que julgou os embargos improcedentes. A Embargante apelou, pedindo a alteração da decisão sobre a matéria de facto e consequente revogação do decidido. Mas a Relação de Guimarães, depois de manter inalterada a matéria de facto apurada pelo Colectivo, confirmou inteiramente o decidido por serem inoponíveis ao Banco as relações da Embargante com a Sacadora. Ainda irresignada pede a Embargante revista, insistindo na procedência dos embargos, como se vê da alegação que coroou com as seguintes Conclusões 1 - A Embargante aceitou letras com vista ao pagamento das prestações previstas nas clausulas sexta e sétima do acordo referido na alínea T) da Especificação. 2 - A Embargante assinou tais letras em branco, estando somente nelas escritos os montantes em algarismos, em todas as letras que subscreveu, tendo-se limitado a apor a sua assinatura e colocado dois traços (=) à esquerda do algarismo das dezenas ou centenas. 3 - Os representantes da "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL", após as letras referidas nas alíneas A) a S) da especificação terem sido aceites pela Embargante na forma descrita nas respostas aos quesitos 6º a 9º, preencheram aquelas letras apondo-lhes as datas de aceite e de vencimento. 4 - Resultam ainda provados os factos constantes das alíneas A) a V) da Especificação, em especial que as letras constantes da execução foram objecto de operação bancária de desconto por parte da "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" junto do "Banco A, S.A." - Embargado - Exequente - alíneas T, U e V da Especificação. 5 - Os demais quesitos 18º a 27º, onde se inclui o 21º, também dado como provado, foram dados por "não provados". 6 - Ora, das respostas negativas de "não provado" não se conclui que se tenha provado o contrário, mas tão só que o facto quesitado não foi provado. 7 - Resulta inequivocamente dos Autos que as letras objecto dos Autos não correspondem a qualquer transacção efectiva concretizada entre a "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" e a Embargante, como resulta de uma simples confrontação do seu montante com o das prestações mencionadas na clausula 7ª do contrato e ainda do facto, provado, de as ter assinado em branco e não com aqueles montantes e datas. 8 - Por outro lado, como resulta de uma simples observação, qualquer pessoa que analise os originais das letras, o que é indiciado pelas fotocópias das mesmas, conclui que a "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" falsificou ainda o montante em algarismos constantes das letras, acrescentando-lhe a seu belo prazer um algarismo das centenas de milhar de escudos, preenchendo ainda o extenso de modo adequado àquela falsificação, deste modo pretendendo ocultá-la e burlar a Embargante em igual montante. 9 - Na verdade, a falsificação das letras é de tal modo evidente e grosseira, que seria impossível qualquer pessoa, prudente e normal, em especial a um funcionário bancário da Embargada "Banco A, S.A.", sempre experimentados, não constatar por simples observação visual aquela falsificação. 10 - Contudo, como se constata dos Autos, em data anterior ao julgamento as letras foram enviadas para exame a requerimento do MºPº no processo crime em acusa. 11 - Mas não foram devolvidas aos Autos, pelo que na data do julgamento não estavam os originais disponíveis para análise do Tribunal Colectivo, do que não foi avisada a embargante e o seu mandatário. 12 - Pelo que, apesar dos indícios que decorrem das fotocópias, não dispunha o Tribunal Colectivo dos originais para assim poder responder em concreto aos factos, designadamente os constantes do quesito 22º e os demais 18º a 20º e 23º a 27º interligados entre si. 13 - Ora, é facto notório que assim não carece de demonstração, que as entidades bancárias observam todo o cuidado nas operações de desconto de letras, pelo que não podia o "Banco A, S.A." ignorar, como não ignorava, nem ignora, aquelas falsificações, aliás resultantes de um igual simples confronto com o contrato subjacente e pela observação, à vista desarmada, das letras. 14 - Ao actuar do modo referido o "Banco A, S.A." visou unicamente obter para si os ganhos correspondentes aos juros, comissões e demais encargos que, à cabeça e antecipadamente, se fez cobrar da "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL", sendo certo que é com boa fé e com boa diligência que deve pautar a sua intervenção numa operação de desconto. 15 - Aliás, como resulta dos documentos juntos pelo "Banco A, S.A." relativas às operações de desconto das letras, o "Banco A, S.A." desconta letras em momento em que outras anteriores já se encontravam vencidas e não pagas. 16 - Por outro lado sendo a "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" uma Cooperativa saltava à vista, para além do acrescentamento evidente do algarismos das centenas de milhar de escudos, que as prestações para pagamento de habitação não podiam atingir montantes tão elevados e em tão curto espaço de tempo. 17 - Por outro lado, atentos os factos alegados, o "Banco A, S.A.", atentas as datas apostas nas letras, a falsificação evidente do seu valor e o seu teor não podia ignorar, tendo até obrigação de concluir pela evidente irregularidade da detenção daquelas letras pela "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL". 18 - E o "Banco A, S.A.", que não podia ignorar aqueles factos, tanto mais que, como é facto notório e que não carece de demonstração, tem acesso a todas as informações sobre agentes económicos entre os quais a "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" e seus Directores. 19 - E era ónus do "Banco A, S.A." demonstrar que usou do mínimo de diligência para se inteirar das condições em que as letras foram adquiridas pela "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" e pelos seus Directores e preenchidas, para isso bastando-lhe ter pedido informações à Embargante, junto do banco domiciliado ou junto de entidades que superintendem no sector do crédito bancário. 20 - Deste modo, com a sua actuação não condizente com a boa fé necessária, o "Banco A, S.A." cometeu falta grave, em detrimento da Embargante, terceira quanto ao contrato de desconto, de modo manifestamente merecedor de censura. 21 - Deste modo, pelo menos por omissão, o "Banco A, S.A." cometeu falta grave na aquisição por endosso das referidas letras. 22 - O que, atento o disposto nos artigos 16º e 17º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e 815º do C. P. Civil, deveria antes levar à procedência dos Embargos. 23 - E ainda, sendo a letra de câmbio um titulo rigorosamente legal só produzirá efeitos como tal se lhe não faltar nenhum dos requisitos essenciais (artº. 1º e 2º da L.U.s/ L.L.). 24 - Assim, entende a Apelante que os Autos contêm elementos objectivos que permitem estas conclusões e que o Tribunal da Relação deveria ter, pelo menos, alterado as respostas àqueles quesitos de "não provado" para "provado" ou anulado o julgamento e ordenado a repetição do julgamento da matéria de facto. 25 - Não decidindo assim, para além de ter violado as disposições legais citadas, violou o disposto no artº. 2º da CRP. 26 - Devendo, assim, ser revogado aquele Acórdão e no sentido das conclusões, pugnando-se pela procedência dos embargos. Respondeu o Banco, refutando as razões da Recorrente e lembrando não poder haver neste recurso alteração da decisão de facto por não verificada a hipótese prevista no artº. 722º do CPC. Colhidos os vistos legais e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação, as de saber se: I - os autos contêm elementos objectivos que suportam as conclusões de que o Banco conhecia ou tinha obrigação de conhecer a falsificação das letras pela descontária "B - Cooperativa de Habitação e Construção, CRL" - conclusões 7ª, 9ª e 13ª a 23ª; II - e de que a Relação devia ter alterado para provado as respostas de não provado aos quesitos 18º a 27º ou anulado e mandado repetir o julgamento - conclusões 10ª a 12ª e 24ª; III - não o fazendo, a Relação violou, além do mais, o disposto no artº. 2º da Constituição da República Portuguesa - 25ª. As conclusões 1ª a 6ª são perfeitamente inócuas, meras afirmações de facto. Mas antes e para tanto é mister ver que a Relação, mantendo a decisão sobre a matéria de facto do Colectivo de Esposende, teve por assentes os seguintes factos - (1) 1 - A embargante C, apôs, pelo seu próprio punho, a sua assinatura de forma transversal, no canto esquerdo, no espaço reservado ao aceite do documento de fls. 5, dos autos de execução para pagamento de quantia certa, forma ordinária, nº. 190/93, desta Secção e Tribunal, aos quais estão apensos os presentes autos (A). 2 - Naquele documento figuram como sacador "B - Cooperativa de Habitação e...

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