Acórdão nº 03A3322 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução04 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, o Condomínio do prédio sito na ..., em Oeiras, em acção com processo ordinário intentada contra "A, Lda.", pediu que, com a procedência da acção: a) Se declare a nulidade parcial da escritura pública de constituição de propriedade horizontal, lavrada a 26 de Setembro de 1990 no 24º Cartório Notarial de Lisboa, na parte em que individualiza a casa de porteira como fracção autónoma, identificada pela letra "F"; b) Se condene a R. a ver reconhecida a nulidade peticionada na alínea a); c) Se declare que a casa de porteira constitui parte comum do prédio. Para fundamentar a sua pretensão, o Autor invoca a desconformidade entre o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Oeiras e o constante do título de constituição da propriedade horizontal, pois que, naquele projecto, ficou estabelecido que, no rés-do-chão, uma divisão era a casa de porteira e no título ficou consignado que era uma divisão autónoma designada pela letra F para habitação. Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção. Houve réplica. A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada procedente e, consequentemente, se declarou a nulidade parcial da escritura constitutiva da propriedade horizontal do prédio em questão, declarando-se que a fracção designada pela letra F não é fracção autónoma, mas sim parte comum destinada a casa de porteira, e se condenou Ré a restituir ao Condomínio essa fracção, restituição decorrente da nulidade declarada, devendo ser feitas na respectiva Conservatória as rectificações de harmonia com o decidido. Após recurso da Ré, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão a confirmar tal decisão. Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. A recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - A fracção autónoma em discussão encontra-se inscrita a favor de B, por aquisição que teve como causa o acto de compra, registado pela apresentação nº. 7, do dia 24.04.1998. 2ª - Portanto, já não se encontra na esfera jurídica da Recorrente. 3ª - Por essa razão, não pode a Recorrente entregar ao Recorrido uma fracção que já não é sua propriedade. 4ª - Pela própria natureza da relação jurídica, não pode a mesma produzir efeitos, atendendo ao facto de que a Recorrente é parte ilegítima. 5ª - O Tribunal, por conterem os autos todos os elementos necessários à apreciação desta questão, deveria ter-se pronunciado sobre a mesma, absolvendo a Recorrente da Instância. 6ª - O título constitutivo da propriedade horizontal, perfeitamente válido de acordo com os preceitos então aplicáveis, fixou que a fracção "F" se destinava a fracção habitacional geral e não a habitação de qualquer porteira. 7ª - O destino da fracção é o de habitação, não competindo à entidade aprovadora do projecto de construção impor a existência de uma divisão de porteira. 8ª - Essa existência é uma faculdade do construtor, que poderia perfeitamente revogar essa decisão até à constituição da propriedade horizontal, o que aconteceu nos presentes autos. 9ª - A fracção em causa tem todas as condições legalmente exigidas para ser constituída uma fracção autónoma, com saída independente para uma parte comum, e é composta por uma divisão assoalhada, cozinha, casa de banho, corredor e despensa, com a permilagem de 16/10000 e com o valor de 125.000$00. 10ª - À data da constituição da propriedade horizontal a que se referem os autos, não se exigia licença de utilização em vigor, mas sim os documentos que foram exibidos, que se reproduzem. 11ª - A constituição da propriedade horizontal foi feita por escritura pública, com todos os elementos necessários e, portanto, é um acto perfeitamente válido. 12ª - Posteriormente, em 5 de Junho de 1991, surge a licença de utilização que refere que um fogo terá de ser de porteira. 13ª - Baseia-se, pois, na vontade do proprietário, ora Recorrente, a criação dessa casa de porteira. 14ª - Como o proprietário desistiu dessa ideia inicial, e celebrou as escrituras de compra e venda de acordo com a escritura de constituição de propriedade horizontal, sem ter alterado a mesma, competirá agora ao condomínio, ora Recorrido, promover essa alteração, se assim o entender, respeitando, como é evidente, as exigências legais para tal. 15ª - Mas é um processo a que a recorrente é totalmente alheia. 16ª - Os vários compradores das fracções, quando compraram as propriedades respectivas, deviam saber, face ao título, que o prédio não tinha casa de porteira e, portanto, emitiram uma declaração tácita nos termos do artº. 217º do Cód. Civil, segundo a qual davam o seu assentimento à modificação do título. 17ª - Se o título pode ser modificado, conforme dispõe o artº. 1419º do Cód. Civil, e se os condóminos aceitaram outorgar as escrituras sem a casa de porteira, não têm agora legitimidade para vir pedir a anulação parcial de um título, cuja alteração aceitaram. É um abuso de direito. 18ª - Mas, mesmo que se entendesse que teriam essa legitimidade, o que se admite por hipótese académica, sempre terão que pagar a diferença de valor entre uma fracção de um prédio com casa de porteira para uma fracção de um prédio sem casa de porteira. 19ª - A existência de casa de porteira é um espaço que beneficia o condomínio e que tem sido arrendado pelos condóminos e até vendido. 20ª - Se a casa de porteira ficasse assim...

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