Acórdão nº 03A3883 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Nas Varas Mistas da Comarca de Guimarães, A, em acção com processo ordinário, intentada contra B, pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar à Autora a importância total de 16.720.000$00, com juros, à taxa legal de 7%, a contar da citação. Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte: A Ré, no exercício da sua actividade, procedeu à construção, na freguesia de Costa, em Guimarães, de um conjunto habitacional, Edifícios Belos Ares, lote 1B. Por contrato-promessa outorgado em 18.10.1997, a Ré prometeu vender a C um apartamento do tipo T2, no 2º andar, lado direito, do referido lote. Em 22.02.1998, pelas 16.30 horas, a pedido e acompanhada de sua filha D, a Autora dirigiu-se ao conjunto habitacional para ver aquele apartamento. Ao chegar ao 2º andar, e tendo reparado numa entrada que se lhe afigurava ser o hall dessa fracção, a Autora avançou sem que nada assinalasse ou lhe fizesse prever da existência imediata de uma abertura no solo, não podendo evitar a queda no fosso destinado ao ascensor, caindo da altura de 18 metros, sofrendo ferimentos diversos, os quais a obrigaram a internamentos e tratamentos prolongados, que deixaram sequelas que motivam o seu pedido de indemnização. Na sua contestação, a Ré refere que o dia em que a Autora alega ter ocorrido o acidente é domingo, dia em que não se trabalha em obras de construção civil, que a Autora não lhe solicitou autorização para entrar naquela obra, nem pediu que a acompanhassem naquela visita, terminando a pugnar pela improcedência da acção. A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e provada e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 6406,56, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 15.000, a título de danos não patrimoniais, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento. Tendo a Ré e a Autora recorrido - a segunda subordinadamente -, foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do qual se negou provimento à apelação da Ré e se concedeu parcial provimento à da Autora, fixando-se a indemnização por danos morais em € 17.458. Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. A recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Não obstante toda a matéria de facto apurada apontar para uma conduta por parte da recorrente desrespeitadora do artigo 40º do Dec. Lei nº 41.821, de 11-8-58, o certo é que nunca aquela poderá ser condenada, como o foi pelas instâncias, a pagar qualquer indemnização à apelada, pois "in casu" não se verificam os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar exigidos pelos artigos 483º e 493º, nº 2, do CC e 40º do Dec. Lei 41.821. 2ª - Com efeito, não obstante o que resulta da resposta aos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 40º da base instrutória e que foi relevado pelas instâncias em termos de ilicitude, culpa e nexo de causalidade, o certo é que nunca à actuação e situação descrita podia ser aplicável o citado Dec. Lei e concretamente o seu artigo 40º. 3ª - Trata-se de um Diploma que regulamenta a Segurança no Trabalho da construção civil, pelo que os seus destinatários e, portanto, as pessoas a quem se aplica são os trabalhadores ou operários e não qualquer pessoa (mesmo crianças, como refere o douto acórdão recorrido), pois são aqueles os titulares dos interesses protegidos por tal Diploma legal, sendo certo que a lesão sofrida pela recorrida não ocorreu no círculo de interesses tutelados pelo dito artigo 40º. 4ª - Aliás, se é certo que a ocorrência, em termos objectivos de uma situação que constitui contravenção a uma norma, deve implicar presunção "iuris tantum" de negligência, tal presunção deve ser afastada no caso em que a norma violada não se destina a proteger o interesse em concreto ofendido, pois joga aqui a regra da adequação, que é um dos elementos de causalidade, o que significa que, no caso "sub judice", as lesões sofridas pela recorrida não são consequência adequada da violação da norma em causa, mas antes de factos imputáveis a si própria, designadamente ao visitar uma obra em construção fora do horário de trabalho, sem autorização e conhecimento do respectivo dono e desacompanhada de qualquer responsável pela obra. 5ª - Assim, o artigo 40º do citado Dec. Lei dirige-se não a visitantes, como foi o caso da recorrida, mas aos trabalhadores ou operários e tão só dentro do horário de trabalho, sendo certo que são inúmeras as decisões dos tribunais de trabalho a descaracterizar os acidentes ocorridos fora daquele horário, mesmo que haja desrespeito por normas do diploma em questão. 6ª - Aliás, a anomalia geradora do acidente poderia ter sido provocada por terceiros estranhos à obra em construção, tanto mais que são factos notórios os assaltos e invasões a obras em construção, sobretudo aos fins de semana, e o certo é que o dia em que a autora sofreu o acidente coincidiu com um domingo (alínea E dos factos assentes). 7ª - Donde, sendo inaplicável ao caso o artigo 40º do citado Dec. Lei nº 41.821, nunca a recorrente poderia ser responsabilizada pelo pagamento dos danos sofridos pela recorrida, pelo que, ao condená-la nos termos sub-ditos, o douto acórdão...

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