Acórdão nº 03B1300 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução22 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou, no dia 25 de Julho de 1990, acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, contra B e C, D, E, F, G, H, I, J, L da freguesia de Mello, M, N e O, P, Q e R, S e T, pedindo a anulação do testamento feito por U no dia 24 de Maio de 1989 com fundamento no vício de vontade em que U foi induzida ao declarar na sua feitura, e V, interveio subsequentemente, a título principal, na posição de autor. Os réus B e C contestaram a acção, impugnando a pretensão formulada pelos autores e estes ofereceram réplica, no sentido da posição afirmada na petição inicial. X substituiu, em incidente de habilitação por morte, o réu E. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, da qual os réus B e C apelaram, com fundamento na não verificação da coacção e a Relação revogou a sentença recorrida, com base na inverificação de coacção exercida pela ré B sobre a testadora U. Os autores interpuseram recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão recorrido está afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão; - a vontade manifestada pela testadora no acto notarial não correspondeu à sua vontade real, mas à que por medo teve de declarar, pelo que se configura a coacção exercida pela beneficiária do acto sobre a sua autora; - a beneficiária do acto extorquido estava em relação directa com a testadora, pelo que não é terceiro e não são exigíveis os requisitos de gravidade do mal e de justificado receio; - a Relação interpretou, por erro, o artigo 256º, segunda parte, do Código Civil e aplicou-o por erro ao caso vertente; - considerou, em erro, que a norma específica de anulação do testamento é o artigo 2199º do Código Civil, mas não o é, por se não tratar de incapacidade acidental, e ignorou o normativo aplicável do artigo 2201º do Código Civil; - apoiou-se erradamente em decisões judiciais e opiniões doutrinais ao entender que a testadora não sofria de psicopatia nem de outra doença psíquica; - a correcta interpretação do conceito de coacção moral impõe que se apliquem os artigos 255º e 2201º do Código Civil; - o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 256º, parte e 2199º do Código Civil; - deve ser suprida a nulidade do acórdão, declarado o sentido da modificação da decisão ou concedida revista por violação de normas de direito substantivo, revogado o acórdão e decretada a anulação do testamento. Responderam os recorridos B e C, em síntese de alegação: - os fundamentos e a decisão do acórdão não estão em contradição; - não constitui coacção o receio derivado de uma cominação suposta mas inexistente; - não estão verificados os requisitos da coacção por parte da recorrida B, pelo que não faz sentido argumentar com a capacidade ou incapacidade acidental da testadora; - é aplicável o artigo 2199º, face ao teor do artigo 257º, ambos do Código Civil, e os factos provados não consubstanciam ameaça à testadora. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. U foi casada com Z e A é filha, fora do casamento, de A', irmão de U. 2. U e Z, ao longo de uma vida de muito trabalho, conseguiram construir uma fortuna, principalmente na área industrial, onde aquele fundou, com outros sócios, a Confeitaria da ... Lda. e ela, mulher de modesta condição social e económica e de poucas letras viveu desafogadamente, mercê do trabalho e do sucesso dele. 3. Em vida de Z, era ele quem de tudo tratava, pagando todas as despesas. 4. U tomou conta e assumiu a educação do seu irmão mais novo, A', desde criança e até à sua formatura em engenharia, e sempre se orgulhou de ter feito dele um "Senhor Engenheiro", o que era visto por ela como obra sua e ele sempre lhe correspondeu com o seu trabalho e esforço. 5. De tal sorte, U ficou ligada ao referido irmão quase-filho, que reteve sempre em seu poder a sua capa de estudante que ele havia usado em Coimbra, e nunca em vida dela a deu a qualquer dos filhos dele, seus sobrinhos, por querer ser com ela sepultada. 6. Na urna em que foi deposta após a sua morte, a capa de estudante do A' acompanhou-a à sepultura, bem como um casaquinho do filho único que tivera, falecido com pouca idade, que também guardava ciosamente. 7. O amor que U tinha ao irmão mais novo, quase confundido com o do seu próprio filho, foi por ela transferido para os filhos dele. 8. U e Z foram por diversas vezes a São Miguel, Açores, para conviver com o irmão dela, A' e com os filhos deste. 9. U era uma mulher orgulhosa do que fazia ou proporcionava e tinha grande vaidade num terreno rústico sito em Mello, sua terra natal, recebido por herança e por ela transformado de giestal em vinha. 10. U sempre se mostrou orgulhosa por ser parente do escritor E e era amiga e confidente de J - "a ...", pessoa da sua maior confiança, a quem telefonava frequentemente para Mello, onde ela residia. 11. U, na altura em que Z fez testamento a seu favor, no dia 9 de Agosto de 1984, no 22º Cartório Notarial de Lisboa, fez no mesmo Cartório Notarial um testamento idêntico quanto aos legítimos herdeiros, embora instituísse o seu marido, caso lhe sobrevivesse, como seu herdeiro universal. 12. Nesse ano de 1984, no mesmo Cartório Notarial de Lisboa, U e Z, no dia 27 de Dezembro, fizeram duas pequenas alterações, cada um de per se, nos seus testamentos de 9 de Agosto. 13. As referidas alterações foram revogadas por escritura de 14 de Janeiro de 1985, outorgada no 22º Cartório Notarial de Lisboa, tanto por ele, Z, como por ela, U, mantendo na íntegra os testamentos de 9 de Agosto de 1984. 14. Z faleceu no dia 22 de Junho de 1986, com testamento a favor de U, e esta foi habilitada como única herdeira dele por escritura lavrada no dia 14 de Março de 1989 pelo notário do 22º Cartório Notarial de Lisboa. 15. U entrou na posse da totalidade dos bens deixados por Z, metade como meeira e metade como herdeira. 16. Os autores levaram U para os Açores, após o que regressou ao Continente, à sua casa, na Avenida de Roma, n.º ..., em Lisboa. 17. U, quando queria fazer alguma coisa, não descansava e importunava toda a gente até a conseguir e, após ter entrado na posse da totalidade dos bens deixados por Z, pediu a um advogado, que o primeiro já tinha consultado várias vezes, para continuar com as acções pendentes em tribunal e propor as que se tornassem necessárias, com vista, sobretudo, a repor a posição social deles no capital social da Confeitaria da ... Lda. 18. U, no dia 16 de Janeiro de 1989, outorgou procuração a favor do advogado B', por causa de ter tomado posse dos referidos bens. 19. Feitas as habilitações nos processos judiciais em curso, U pediu ao advogado B' que lhe fizesse outro testamento, porque desejava alterar alguns pontos do de 9 de Agosto de 1984, que ainda estava em vigor e, com muita determinação, forneceu-lhe as suas linhas mestras. 20. U não queria, por forma alguma, que a Junta de Freguesia de Mello recebesse o que quer que fosse, nem como legatária nem como herdeira do remanescente, e pretendia, como sempre, privilegiar os seus cinco sobrinhos açorianos, filhos do seu falecido irmão, A'. 21. U pretendia manter os legados aos L, a J, a E, a D, a H e à Igreja Nossa Senhora do Coito, em Nabainhos, e não queria que outras pessoas, referidas no testamento de 9 de Agosto de 1984, em vigor, figurassem no que pretendia fazer. 22. U desejava, por outro lado, actualizar os montantes...

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