Acórdão nº 03B1944 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução25 de Setembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A, Lda." intentou, na 9ª Vara Cível do Tribunal de Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado Português, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 65.111.769$00. Fundou-se, para tanto, na omissão por parte do Estado na adopção de medidas politico-legislativas necessárias para a protecção da categoria profissional dos despachantes oficiais portugueses, directamente afectados com a abolição das fronteiras intracomunitárias a partir de 1 de Janeiro de 1993 e, sobretudo, com a supressão dos direitos aduaneiros e dos elementos fixos nas trocas intracomunitárias, relativamente aos produtos sujeitos a transição por etapas até ao dia 31 de Dezembro de 1995, omissão que considera ofender ostensivamente o princípio do Estado de Direito, na vertente da protecção e confiança dos cidadãos na actuação do Estado e protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Omissão em consequência da qual a autora sofreu prejuízos que concretizou e que atingem o montante do valor peticionado. Citado o Estado Português apresentou este contestação em que concluiu pela sua absolvição do pedido, alegando, em suma, que nunca o estatuto ou condição de despachante foi impeditivo do livre exercício de outras actividades profissionais, apenas acautelando a sua qualidade enquanto agente no sector, tendo as opções legislativas para a supressão de direitos aduaneiros e taxas fixas sido políticas e constitucionais e só como tal sufragáveis, sendo certo que as acções de apoio aos agentes e às empresas foram qualitativa e quantitativamente suficientes, e a sua eficácia apenas dependeu do aproveitamento dos seus destinatários. Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, e após audiência de julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu no pagamento à autora da quantia de 38.000.000$00, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação. Apelou o réu da sentença, vindo, na sequência, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 8 de Março de 2001, a julgar procedente o recurso e a revogar aquela sentença, anulando a decisão sobre matéria de facto, com elaboração de novos quesitos se necessário, para esclarecer as deficiências que apontou. Aditados novos quesitos, em cumprimento do referido acórdão, e depois de nova audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido. Inconformada apelou, então, a autora, sem êxito embora, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 5 de Dezembro de 2002, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Interpôs, agora, a mesma autora recurso de revista, pretendendo que seja anulado o acórdão recorrido e condenado o Estado Português a indemnizá-la dos prejuízos causados nos montantes dados como provados. Em contra-alegações pugnou o recorrido pela confirmação do acórdão em crise. Tendo sido arguida pela recorrente, nas alegações de recurso, a nulidade do acórdão, por violação do artºs. 668º, nº. 1, al. d), do C.Proc.Civil, pronunciou-se a Relação nos termos dos artºs. 668º, nº. 4 e 744º do mesmo diploma, concluindo não haver sido cometida qualquer nulidade. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir. A recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - artºs. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3, do C.Proc.Civil): 1. Nos termos do artº. 260º do Tratado de Adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias, os produtos previstos no nº. 1 do artº. 259º ficavam sujeitos a um regime de transição que expirava em 31 de Dezembro de 1995. 2. Na base deste pressuposto, a recorrente reestruturou a sua actividade perspectivando-a até 1995. 3. Porém, sem que nada o fizesse prever, o Estado Português antecipou a liberalização dos produtos agrícolas a troco de uma compensação financeira, suprimindo as formalidades aduaneiras. 4. Com esta acção comissiva, traduzida na supressão dos desembaraços aduaneiros, a recorrente viu a sua actividade abruptamente interrompida. 5. Por causa dessa interrupção, a recorrente sofreu prejuízos pelos quais, nos termos dos artºs. 562º e seguintes do Código Civil, deve ser responsabilizado o Estado Português como consequência directa da sua conduta. 6. A actuação comissiva lícita mas culposa por parte do Estado é susceptível de responsabilização civil em termos extra-contratuais quando causadora de prejuízos face ao artº. 22º da Constituição da República Portuguesa. 7. O acórdão recorrido é nulo por violação do artº. 668º, nº. 1, al. d), do CPP, aplicável por remissão do seu artº. 716º, nº. 1, já que não foram apreciadas as questões relevantes para o mérito da causa e decidindo sobre matéria de que não podia tomar conhecimento. 8. Com efeito, foi apreciada a responsabilidade emergente da supressão das fronteiras no âmbito da concretização do Mercado Interno em 1992 quando devia ter sido apreciada apenas a responsabilidade resultante da abolição das formalidades aduaneiras relativas aos produtos agrícolas previstas no Tratado de Adesão até 1995. Encontra-se, em definitivo, assente a seguinte matéria fáctica: i) - a autora tem como actividade principal a realização de declarações aduaneiras em conformidade com o regime legal aplicável, a processar-se sob a tutela do Estado, com quadros próprios nas Alfândegas e com um número limite de vagas; ii) - para isso detinha o respectivo alvará emitido pela Direcção-Geral das Alfândegas, tendo depositado a respectiva caução obrigatória para garantia do exercício da sua actividade; iii) - as comunidades Europeias criaram, isto em 1992, o "Programa de Acção VADE MECUM", destinado à reconversão profissional dos Agentes Aduaneiros e Despachantes, tudo com referência ao artº. 13º do Acto Único Europeu; iv) - definindo-se, o mesmo "Programa", como a "previsão de um conjunto de medidas de apoio financeiro submetido às seguintes áreas de intervenção: - financiamento da formação profissional das pessoas ameaçadas pelo desemprego, nas regiões menos desenvolvidas da comunidade subsidiada pelo FSE; - reestruturação das empresas afectadas pela abolição das fronteiras intracomunitárias e criação de empregos de substituição subsidiada pelo FEDER, através da iniciativa comunitária INTERREG; - financiamento complementar, nas mesmas áreas de intervenção do FSE e do FEDER, com recurso a uma verba orçamental, especialmente disponibilizada para o efeito"; v) - no ano de 1993 a verba orçamental comunitária criada neste âmbito ascendeu a trinta milhões de ECU's; vi) - na comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento e ao Comité Económico e Social sobre a adaptação ao Mercado Interno da Profissão de Agentes Aduaneiros e Despachantes de 14/05/92, no prefácio ao programa de acção "VADE MECUM", destinado à reconversão profissional dos Agentes Aduaneiros e Despachantes feito pela comissária Christiane Scrivener e no parecer sobre a proposta de Regulamento (CEE) do Conselho relativa à adaptação ao Mercado Interno da profissão dos Agentes Aduaneiros e Despachantes de 25/11/1992 (J.O.C.E. nº. 19/18 de 25/01/1993), refere-se a consciencialização, por parte das autoridades comunitárias, de que a supressão das fronteiras fiscais e dos controlos aduaneiros intracomunitários, a partir de 01/01/1993, iria provocar necessariamente uma redução drástica da actividade dos Despachantes Oficiais, impondo-se a urgente reconversão dos profissionais e empresas afectadas; vii) - e que a Comunidade Europeia teria um papel subsidiário no estabelecimento e implementação de medidas de reestruturação e reconversão da actividade de Despachante Oficial e, paralelamente, o papel complementar dos Estados membros na implementação das medidas comunitárias estabelecidas; viii) - no Parecer do C.E.S. de 13/05/1987, sobre "Realizar o Acto Único: Nova Fronteira para a Europa", in J.O.C.E. - C 180/1 de 08/07/1987, aquele órgão reconheceu a autonomia do papel essencial dos Estados Membros na realização do Mercado Único Europeu, afirmando ser indispensável que cada Estado Membro tome ao nível interno as necessárias medidas negociadas em matéria de gestão das previsões do Emprego, de Adaptação e Organização do tempo de trabalho e Reciclagem Profissional; ix) - no preâmbulo da Portaria nº. 770/93, de 3 de Setembro, fala-se da necessidade de "ampliar a zona geográfica elegível ao regime de auxílios aprovados pela Portaria 923/92, de 24 de Setembro, passando a abranger a totalidade dos agentes do sector no conjunto do território nacional"; x) - em 1 de Janeiro de 1993 foram abolidas, na Comunidade Europeia, as fronteiras intracomunitárias, com a supressão dos direitos aduaneiros e dos elementos fixos nas trocas intracomunitárias, relativamente aos produtos sujeitos a transição por etapas até 31 de Dezembro de 1995; xi) - sendo que o Estado Português e o seu Governo apresentou o pedido no sentido de suprimir os direitos aduaneiros e outros elementos para os produtos agrícolas objecto de comércio entre Portugal e a Comunidade, nos moldes enunciados pelo Regulamento (CEE) nº. 1380/93 da Comissão, de 4 de Junho de 1993, com efeitos retroactivos a 1 de Abril de 1993; xii) - no dia 2 de Setembro de 1993, numa Assembleia Geral Extraordinária da autora, foi deliberada por unanimidade, a cessação da sua actividade, com referência ao final desse mesmo mês; xiii) - a situação descrita em x) reduziu de forma significativa a actividade intercomunitária dos despachantes; xiv) - em 05/02/93, a actividade dos despachantes oficiais encontrava-se significativamente reduzida; xv) - nessa data, os despachantes oficiais tinham reduzido o pessoal de forma acentuada; xvi) - tendo os mesmos despachantes de suportar as respectivas indemnizações; xvii) - o...

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