Acórdão nº 03B2536 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução09 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 24/11/98, A e marido B intentaram contra C acção declarativa com processo comum na forma ordinária, que foi distribuída ao 2º Juízo do Tribunal de Círculo do Funchal. Alegaram, em síntese, a nulidade, por simulação, em indicados termos, da venda, em 13/1/93, à demandada, por seu ex-marido, D, da fracção ou unidade habitacional designada pela letra A localizada na zona poente do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Travessa ..., no Funchal, destinada a encobrir doação ofensiva da legítima dos filhos de ambos, por isso igualmente nula, e ser só dele a quantia depositada em conta bancária conjunta que a Ré levantou e de que se apropriou. Pediram, nessa conformidade, a condenação da demandada a, com cancelamento da inscrição da venda referida e de eventuais registos subsequentes, restituir à herança indivisa do predito D, ou à A. e demais filhos de ambos, E e F, ou a qualquer deles, como herdeiros legitimários daquele D, livre de pessoas e coisas, a referida fracção ou unidade habitacional, e os valores do automóvel de matrícula IM e de conta bancária no ... de que aquele era titular, a liquidar, se necessário, em execução de sentença, e em indemnização aos mesmos herdeiros no montante mensal de 100.000$00. Para o caso de revelar-se impossível a restituição pretendida, pediram a entrega, em lugar da fracção referida, do preço real de eventual venda feita pela demandada, a liquidar também em execução de sentença. Requereram, a final, a intervenção principal provocada, que veio a ser admitida, dos demais herdeiros referidos, acompanhado o último da esposa, G. 2. A demandada ofereceu contestação com 102 artigos, em que se excepcionou, dilatoriamente, erro na forma do processo, por o próprio para discussão da redução por inoficiosidade ser o de inventário e, peremptoriamente, a caducidade, conforme artº. 2178º C.Civ., desta acção, nela se deduzindo também defesa por impugnação, simples e motivada. Houve breve réplica (dita resposta), em que, em termos úteis, se fez notar estar-se perante acção de simulação e não para redução de doação, e, ainda, tréplica, relativa ao que no articulado anterior se declarou constituir alteração do pedido. A chamada E ofereceu sintético articulado próprio, a que os AA responderam de igual modo. Em audiência preliminar, foi junto despacho saneador em que se julgaram improcedentes as excepções deduzidas na contestação, com seguida indicação da matéria de facto assente e controvertida, tendo sido deferida reclamação da Ré contra a base instrutória. Instruída a causa, e após julgamento, foi, em 27/6/2001, proferida sentença da Vara Mista do Funchal que julgou a acção improcedente, por não provada, "dela absolvendo a R" (sic). 3. Em decalque da alegação de direito escrita oferecida pela Ré ao abrigo do artº. 657º CPC, teve-se para tanto, em consideração a resposta restritiva dada ao quesito 5º, de que resulta não ter-se julgado provado o propósito dos intervenientes na aludida escritura de 13/1/93 de enganar e prejudicar os filhos de ambos. Tendo aqueles, no entanto, segundo mais se considerou nessa sentença, prejudicado a Fazenda Nacional, na medida em que não liquidaram o competente imposto sobre a doação, ordenou-se no final na mesma comunicação ao fisco para efeitos de liquidação desse imposto. Considerado construído esse recurso sobre a nele pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, para a qual não encontrou fundamento, a Relação de Lisboa, em 18/4/2002, julgou improcedente a apelação dos AA. Daí o recurso de revista por estes interposto, insistindo em que, mesmo sem alterar a decisão sobre a matéria de facto, a já provada era suficiente (para determinar a procedência da acção), e reclamando a falta de pronúncia sobre a nulidade de venda sem preço, outrossim arguida na apelação (1). Decidindo esse recurso, este Tribunal, em 29/10/02, limitou-se ou cingiu-se a julgar verificada a nulidade do acórdão impugnado por omissão de pronúncia prevista na 1ª parte da al. d) do nº. 1 do artº. 668º e no artº. 716º, pelo que, nos termos do nº. 2 do artº. 731º, todos do CPC, reenviou este processo à Relação para pronúncia sobre a questão da nulidade da sentença por não ter conhecido oficiosamente da nulidade da compra e venda aludida por falta de estipulação do preço, questão essa - "mal ou bem", como então se disse (fls. 7 desse acórdão, a fls. 441 dos autos) - efectivamente suscitada na conclusão 7ª da alegação dos recorrentes oferecida na apelação (respectiva p. 14, a fls. 346 dos autos) (2). 4. Proferiu, desta vez, o Tribunal da Relação de Lisboa acórdão que julgou a apelação, em parte, procedente: Aderindo, no tocante à simulação, à decisão da 1ª instância, considerou não provado o intuito de enganar terceiros; mas declarou a nulidade do falado contrato de compra e venda por falta de estipulação do preço, e ordenou, "em conformidade com o que foi requerido na petição inicial, o cancelamento da inscrição do imóvel e dos respectivos registos na Conservatória" e a sua "restituição à herança indivisa do D" (sic). Pede, agora, revista a Ré, que, em remate da alegação respectiva, formula estas conclusões: 1ª - Os autos reflectem, documental e adquiridamente, que a venda efectuada pelo D foi simulada - simulação fraudulenta -, uma vez que não foi essa a sua vontade. 2ª - O que o D quis efectivamente fazer foi doar o prédio à ré C, que também aceitou o contrato de doação, por ser essa a sua vontade. 3ª - Com essa venda que dissimulava uma doação, as partes contratantes quiseram enganar e defraudar a Fazenda Nacional, já que, com tal modo de actuação - pacto simulatório -, pretenderam eximir-se ao pagamento do imposto sobre sucessões e doações e à liquidação do próprio imposto de sisa. 4ª - A venda simulada é nula, nos termos do artº. 241º, nº. 1, mas a doação dissimulada é válida, nos termos do nº. 2 desse mesmo artigo, pois, para além de ter sido querida pelas partes, obedece às exigências de forma previstas no artº. 947º, nº. 1, ambos do C.Civ. 5ª - Não demonstrado o intuito de enganar ou prejudicar os filhos, herdeiros legitimários do finado, é, no entanto, suficiente, para efeitos de prova da simulação, a demonstração do fingimento por parte dos simuladores, ao declararem aparentemente fazer um negócio que não quiseram, com o fito apenas de enganar o Estado - rectius, o Fisco. 6ª - Seja no caso de os simuladores pretenderem enganar a Fazenda (Nacional), seja no caso de pretenderem enganar outros terceiros, os efeitos da simulação são actualmente os mesmos. 7ª - Enquanto portadora de um direito próprio, o direito à legítima, a A., herdeira legitimária do falecido D, seu pai, é terceira para arguir a simulação da alienação efectuada pelo de cuius. 8ª - Não só os AA podiam, como puderam, recorrer à prova testemunhal, como o tribunal podia ter recorrido, como recorreu, à prova por presunções, de molde a poder dar como verificada a simulação. 9ª - Se se provou que o D não quis vender, mas tão somente doar à ré C o prédio onde esta há muito reside, é apodíctico que não se pode declarar a nulidade da compra e venda, por falta de fixação do preço - estatuição que perde autonomia - mas pelo facto de ser simulada. 10ª - No caso vertente, o thema decidendum - dito pelos AA constituir difícil e complicada acção de simulação -, que acabou por não ser debatido, nem consequentemente decidido, assenta na declaração da nulidade do negócio simulado, e na subsequente apreciação do negócio dissimulado, que não na declaração da nulidade da compra e venda por falta do preço. 11ª - Declarando-se nula a compra e venda, porque simulada, este Tribunal não poderá deixar de emitir pronúncia sobre a validade ou invalidade da doação, afivelando se a mesma satisfaz os requisitos de ordem formal exigidos pela lei, nos termos dos artºs. 241º, nºs. 1 e 2, e 947º, nº. 1, C.Civ., representando a questão básica do litígio. 12ª - Demonstrada à saciedade a intenção do D doar o imóvel à ex-mulher, parece evidente, a todas as luzes, que a mesma é válida. 13ª - Se a doação é, ou não, inoficiosa, é problema que não incumbe agora resolver, nada devendo ser declarado a esse propósito. 14ª - Decidindo pela nulidade da compra e venda por falta de estipulação do preço sem se pronunciar, como competia, sobre a validade do negócio dissimulado, a decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 240º, 241º, 405º, nº. 1, e 947º, nº. 1, C.Civ. Os AA desistiram do recurso subordinado por eles, por sua vez, deduzido; mas ofereceram contra-alegação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 5. Convenientemente ordenada (3), e com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos, a matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte: (a) - A Ré contraiu casamento com D em 1950 (A). (b) - Desse casamento nasceram 3 filhos: a A. A, E, e F (B). (c) - Esse casamento foi dissolvido por divórcio em Maio de 1979 (A). (d) - Mesmo depois do divórcio, a Ré e predito ex-marido nunca deixaram de viver na mesma casa, ou seja, na fracção predial adiante referida (1º). (e) - D era topógrafo e a Ré trabalhava no Instituto Geográfico e Cadastral do ... (17º). (f) - A gestão do património e dos proventos que a Ré e D tinham não era efectuada separadamente, mas como se de um acervo comum se tratasse (16º). (g) - Em 13/1/93, na Secretaria Notarial do Funchal, D declarou, perante o respectivo notário, vender à ex-mulher C, e esta declarou comprar, pelo preço de 9.000.000$00, já recebido, a fracção ou unidade habitacional designada pela letra A localizada na zona poente do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Travessa ..., da freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 3862, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº. 00668/180191 (E). (h) - Na realidade, nem D quis vender à Ré, nem esta quis comprar-lhe, a fracção referida, não tendo aquele recebido da Ré os...

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