Acórdão nº 03B2590 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução09 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e B intentaram, no Tribunal Judicial de Loures, acção declarativa, com processo na forma ordinária, contra C, pedindo, a título principal, a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de 5.800.000$00, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, e, subsidiariamente, que a mesma seja condenada a pagar-lhes a quantia de 1.800.000$00, também com juros que se vencerem até integral pagamento. Para tanto, alegam essencialmente que: - por contrato de 5 de Maio de 1998, a ré prometeu dar-lhes de trespasse e eles, autores, prometeram tomar de trespasse o estabelecimento comercial de café e pastelaria, instalado na fracção autónoma designada pela letra "...", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ..., nº. ..., Bons Dias, Odivelas, de que aquela é proprietária; - o preço do trespasse prometido foi de 7.500.000$00 e, na data da celebração do contrato, os autores entregaram à ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 4.000.000$00, devendo o remanescente do preço (3.500.000$00) ser pago em 11 prestações trimestrais de 300.000$00 cada uma, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 1998 e as outras no dia 5 dos 10 trimestres seguintes, sendo a 12ª e última prestação no valor de 200.000$00; - na mesma data (05/05/98), a ré transmitiu aos autores a posse do estabelecimento, tendo estes iniciado, de imediato, a sua exploração; - em cumprimento do contratualmente estipulado, até ao final de 1999, os autores pagaram à ré a quantia de 1.800.000$00, correspondente a seis das prestações trimestrais; - os autores atrasaram-se no cumprimento da prestação vencida no dia 05/02/2000 e, na sequência da carta que a autora lhes remeteu (e de que está uma cópia a fls. 7 e 8) acordaram com esta a rescisão do contrato-promessa, obrigando-se eles a restituir à ré a posse do estabelecimento comercial e esta a restituir o sinal recebido e todas as quantias que lhe haviam sido entregues por conta do preço do trespasse; - os autores cumpriram a sua parte do acordo, devolvendo à ré a posse do estabelecimento, mas esta recusa-se a restituir as quantias recebidas. Citada, contestou a ré sustentando, em sínteses, que: - realmente, recusa-se a devolver qualquer quantia porque o que se passou foi, simplesmente, que os autores não cumpriram o contrato-promessa que com eles celebrou: primeiro, constituíram-se em mora, já que a prestação vencida em 05/02/2000 não foi paga pontualmente; depois, comunicou aos autores que considerava vencidas todas as restantes prestações e interpelou-os para cumprir, fixando-lhes um prazo que terminaria em 01/03/2000; - não obstante, os autores não pagaram no prazo suplementar fixado e por isso a mora passou a incumprimento definitivo; - exigiu aos autores a restituição do seu estabelecimento comercial e eles anuíram à sua pretensão, não tendo negociado com os autores qualquer acordo de rescisão do contrato-promessa; - também não tem que lhes restituir seja o que for: quanto à quantia entregue a título de sinal, já que são os próprios autores que reconhecem que ela pode fazê-la sua; relativamente às quantias pagas a título de remanescente do preço, uma vez que nos termos do artº. 441º do C.Civil se presume juris et de jure, que tais quantias constituem sinal para todos os efeitos. Proferido despacho saneador, condensados e instruídos os autos, e após audiência de julgamento, foi proferida sentença que: a) julgou improcedente o pedido principal e, em consequência, absolveu a ré desse pedido; b) julgou procedente o pedido subsidiário e, consequentemente, condenou a ré C a pagar aos autores A e B a quantia de 1.800.000$00 a título de restituição do valor pecuniário por ela recebido como começo de cumprimento do contrato prometido, a que acrescerão juros moratórios à taxa legal, a contar da citação e até integral satisfação do crédito. Inconformada, apelou a ré, com êxito, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 15 de Outubro de 2002, revogou a sentença recorrida, julgando, in totum, improcedente a acção. Foi agora a vez de os autores recorrerem, de revista, pugnando pela revogação do acórdão impugnado e sua substituição por outro que condene, assim repondo o decidido na 1ª instância, a ré a devolver-lhes a quantia de 1.800.000$00. Não foram deduzidas contra-alegações. Verificados que são os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir. Os recorrentes findaram as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - artºs. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3, do C.Proc.Civil): 1. O acórdão ora recorrido violou o disposto nos artºs. 238º, nº. 1 e 440º do C.Civil, aplicando analogicamente de forma errada o artº. 441º do C.Civil ao caso em apreço. 2. Não é verdade que as partes tenham deixado de definir contratualmente qual a natureza das prestações entregues à recorrida após o pagamento da quantia de 4.000.000$00. 3. A terminologia usada no contrato (obviamente redigido por um jurista) é clara, correcta e não deixa margem para quaisquer dúvidas: os 4.000.000$00 constituíram um sinal e princípio de pagamento e, a contrario sensu, os 3.500.000$00 constituiriam o remanescente do preço, ao qual as partes não quiseram dar a natureza de reforço de sinal por não o referirem expressamente no contrato. 4. Tal só pode ser interpretado como a sua vontade em restringir a natureza de sinal à quantia de 4.000.000$00. Caso assim não fosse, tê-lo-iam dito expressamente e de forma clara e inequívoca, com termos adequados, tal como aconteceu no restante conteúdo do contrato, de si impecável do ponto de vista jurídico. 5. Na interpretação dos negócios formais não podem as declarações negociais das partes valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artº. 238º, nº. 1, do C. Civil). 6. Ainda que a recorrida tivesse anuído à devolução da totalidade das quantias entregues pelos recorrentes, nunca se poderia concluir desse facto que as partes quiseram atribuir-lhes a natureza de sinal, englobando-as no montante inicialmente entregue (4.000.000$00). 7. A eventual celebração da resolução contratual significaria tão somente que a recorrida, evitando a delonga de uma restituição judicial da posse do estabelecimento, anuiria colocar-se na situação imediatamente anterior à celebração do contrato promessa de trespasse, restituindo aos recorrentes todas as quantias recebidas, constituíssem estas sinal ou não, beneficiando de todo o período de tempo em que não teve de pagar as...

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