Acórdão nº 03B2690 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2003
Magistrado Responsável | LUÍS FONSECA |
Data da Resolução | 23 de Outubro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L propuseram acção especial de interdição por anomalia psíquica, contra M que também usa os nomes de ... e de ..., pedindo que seja decretada a interdição da requerida, fixando-se como data do início da incapacidade uma data não posterior a 1/1/1990, ou, caso assim não se entenda, que seja decretada a sua inabilidade a partir da mesma data. Alegam para tanto que a arguida sofre de anomalia psíquica que a torna incapaz de reger a sua pessoa e bens. Citada a arguida, pronunciou-se esta sobre a constituição do conselho de família e da pessoa a quem deveria ser deferida a sua tutela. Nomeado o conselho de família, reuniu este, dando por maioria, parecer favorável ao pedido de interdição. Procedeu-se ao interrogatório e exame da arguida, concluindo os peritos médicos pela capacidade daquela para reger a sua pessoa e bens, não devendo ser interditada por anomalia psíquica. Os autores requereram então que a arguida fosse submetida a exame psiquiátrico em estabelecimento da especialidade, o que foi deferido, concluindo o relatório do referido exame (a fls. 204 e 205 dos autos) que a arguida é capaz de reger a sua pessoa e bens, não devendo ser interditada por anomalia psíquica. Falecida a arguida em 31/1/99, foi requerido e prosseguiram os autos, tendo contestado o seu legal representante, impugnando os factos alegados na petição inicial, concluindo pela improcedência da acção. Houve réplica dos autores. Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos, realizando-se a audiência de julgamento, tendo posteriormente sido junto (a fls. 474 e 475) um outro relatório clínico, relatado pela mesma Ex.ma Perita, no qual se conclui, como no anterior, isto é, não haver razão para determinar a interdição da arguida por anomalia psíquica. Os autores arguiram então a falsidade dos relatórios médicos de fls. 204/205 e 474/475, o que foi indeferido por despacho de 19/6/01, tendo aqueles interposto recurso de agravo desta decisão, o qual foi admitido com subida diferida. Foi proferida sentença onde se julgou a acção improcedente, não se decretando a interdição da arguida M, nem a sua inabilitação. Os autores apelaram, tendo a Relação de Évora, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, negado provimento a ambos os recursos, confirmando as decisões recorridas. Os autores interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso: 1- A arguida nasceu em 30/1/1916, pelo que fez 82 anos em 31/1/98, tendo o relatório de fls. 204 e 205 sido elaborado, necessariamente, depois de 16/1/98, uma vez que na identificação da examinanda (a arguida) lhe é atribuída a idade de 82 anos. 2- O relatório do "EXAME MÉDICO-LEGAL", de fls. 204 e 205 está datado de "SETÚBAL, 18.12.98". 3- A autora do relatório de fls. 204 e 205, datado de 18/12/98, declarou no seu depoimento na 4ª sessão da audiência de julgamento, em 5/2/01, que O EXAME É ANTERIOR À DATA DO RELATÓRIO, CERCA DE UM MÊS, "TALVEZ TENHA OCORRIDO EM NOVEMBRO DE 1998". 4- Mais declarou, então, a autora do relatório que O EXAME OBJECTIVO FOI FEITO EM SETÚBAL E OS EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÒSTICO REALIZARAM-SE EM LISBOA. 5- Como está provado nos autos e se refere nos 8 e 9 e suas alíneas das presentes alegações, os referidos exames complementares de diagnóstico foram requisitados em 18/2/98 e realizados no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, em 1 e 3/4/98, não constando dos autos em que data os resultados de tais exames chegaram ao conhecimento da autora do referido relatório. 6- A arguida foi internada no Lar da Quinta da Ponte em Montemor-o-Novo, em Maio de 1997 - COM TOTAL DESCONHECIMENTO DOS AA. E DO TRIBUNAL - E SÓ DE LÁ SAÍU, JÁ FALECIDA, EM 31/1/99, com excepção de um internamento de uma semana no Serviço Ortopédico do Hospital Distrital de Évora. 7- Este internamento da arguida, no referido Lar, está confessado pelo seu "representante legal", no requerimento que formulou, na acta de fls. 415 e 416, SENDO CERTO QUE NUNCA ANTES O MESMO FORNECEU TAIS ELEMENTOS NO PROCESSO. 8- No seu requerimento de fls. 458, o "representante legal" da arguida declarou que "só então" (em 27/8/98) a Drª N elaborou o Relatório de fls. 204 e 205, o que nunca foi alegado e é desmentido pelas declarações produzidas nos autos pela própria Drª N. 9- Acrescentou o referido "representante legal" que a arguida "APENAS ESTEVE UMA VEZ NA PRESENÇA DA DRª N, PRESENÇA QUE TEVE LUGAR EM "1997 (NOVEMBRO ?). 10- É assim evidente e insanável a contradição entre a versão sustentada pela arguida - através do seu representante legal - e todas as diversas versões apresentadas pela Drª N: a) No relatório de fls. 204 e 205; b) No seu depoimento de fls. 413, 434 e 505; e c) No relatório clínico de fls. 474 e 475. 11- Também os ofícios de fls. 182 e 184, desmentem de forma irrebatível a versão referida do representante legal da arguida. 12- A deslocação da arguida a Setúbal, em 27/8/98, falsamente alegada a fls. 557, nº 5, teria sido comunicada oficialmente ao Tribunal, como foram as anteriores. 13- Estando assentes e provados os factos constantes das conclusões 1ª, 3ª, 4ª, 6ª e 7ª, é inexorável a conclusão de que o "EXAME MÉDICO LEGAL" a que respeita o relatório de fls. 204 e 205, NUNCA FOI FEITO, porque na data do mesmo constante (18/12/98) - e mesmo cerca de um mês antes, talvez em Novembro de 1998 - sempre teria sido impossível que a Dr.ª N tivesse examinado a arguida em Setúbal, PORQUE A MESMA SE ENCONTRAVA EM MONTEMOR-O-NOVO, DESDE MAIO DE 1998. 14- E impossível teria sido igualmente, concluir sobre o estado de saúde da arguida, nessa data, uma vez que, desde Maio de 1998 até falecer, em 31/1/99, a arguida nunca saiu do Lar com excepção do referido internamento em Évora) e nunca esteve na presença da Dr.ª N. 15- Quando a arguida esteve na presença da Dr.ª N, em 17/12/97 - única vez em que tal aconteceu - foi para se submeter ao "INÍCIO DE OBSERVAÇÃO", como atestam os ofícios de fls. 182 e 184, oportunidade em que foram julgados necessários os exames complementares de diagnóstico, referidos neste último ofício. 16- Sem os resultados desses exames complementares, não era possível, técnica nem cientificamente, examinar a doente e formular conclusões sobre o seu estado de saúde, designadamente mental e psíquico. 17- Tais exames complementares foram pedidos ao Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, em 18/12/98, como provam os ofícios de fls. 196 e 200, e marcados por este Hospital para os dias 1 e 3 de Abril de 1998, como provam os ofícios de fls. 190 e 191. 18- Assim, os resultados desses exames complementares de diagnóstico só podem ter sido conhecidos em data não determinada, mas necessariamente posterior a 1 e 3 de Abril de 1998, pelo que, 19- O EXAME MÉDICO-LEGAL (principal) SÓ PODERIA TER SIDO EFECTUADO A PARTIR DESSA DATA NÃO DETERMINADA, ALUDIDA NA CONCLUSÃO ANTERIOR. 20- E esse exame médico-legal teria também, por imposição legal, que ser feito com observação pessoal da doente depois de serem conhecidos os resultados dos exames complementares de diagnóstico. 21- Daí que, constitui impossibilidade total e absoluta, que o relatório de fls. 204 e 205 respeite ao exame que a arguida diz ter sido efectuado em 17/12/97, na presença da Dr.ª N, quando está provado que, nessa data, a referida perita julgou necessário que a arguida fosse submetida aos exames complementares de diagnóstico que vêm referidos e que foram efectuados em Abril do ano seguinte. 22- Das conclusões anteriores decorre, igualmente, que o "RELATÓRIO CLÍNICO" de fls. 474 e 475, datado de 26/3/01 e elaborado em Setúbal, pela mesma Drª N, está igualmente inquinado de falsidade ideológica, de forma indesmentível. 23- Na verdade, e para além das razões expostas pelos autores, no requerimento de fls. 552 e 554 - já que o exame não podia ser efectuado sem a presença da arguida - o relatório clínico de fls. 474 e 475 não poderia dispor de quaisquer elementos que pudessem fundamentar qualquer conclusão sobre o estado mental e psíquico da arguida, em 17/12/97, uma vez que, nessa data, a perita em causa, se limitou a "INICIAR A OBSERVAÇÃO" da arguida e a solicitar os exames complementares de diagnóstico. 24- De resto o relatório clínico de fls. 474 e 475, CONFESSADAMENTE, PELA SUA AUTORA, não relata qualquer EXAME, visto que, expressamente, afirma ter-se limitado a observar a arguida e nunca a EXAMINÁ-LA nessa ou em qualquer outra data. 25- De resto, como confessa o representante legal da arguida, a fls. 558, nº 12, "é evidente que não se trata de um relatório no verdadeiro sentido do termo", referindo-se ao documento de fls. 474 e 475. 26- Ora, no caso em apreço, a lei impõe que a arguida tivesse sido examinada nos termos previstos pelo art. 951º, nº 4 do CPC de 1961 que coincidem com a versão introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12. 27- Tal exame consiste na averiguação, feita por peritos, de factos que tenham deixado vestígios ou sejam susceptíveis de inspecção ou exame ocular em pessoas ou coisas móveis (art. 568º, nº 2 do CPC de 1961) - arts. 568º e segs. da redacção do DL 183/00, de 10/8. 28- Não existe na tramitação do processo qualquer justificação ou oportunidade para a apresentação do "relatório clínico" de fls. 474 e 475 - que "à socapa" se pretende fazer passar pelo exame médico-legal exigido pelo art. 951º, nº 4 do CPC. 29- Na verdade, o único exame médico-legal que a lei admite na fase do processo previsto na citada disposição legal é aquele a que se refere o relatório de fls. 204 e 205. 30- Tanto o relatório de fls. 204 e 205, como o de fls. 474 e 475, ESTÃO...
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