Acórdão nº 03B2751 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | BETTENCOURT DE FARIA |
Data da Resolução | 20 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou contra B a presente acção ordinária, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 12.746.738$00, acrescida dos respectivos juros moratórios, desde 31.10.96, sendo 3.752.775$00, correspondentes a uma factura relativa a um contrato de empreitada celebrado entre ambas e a parte restante correspondente à retenção de 10% por aquela efectuada sobre os pagamentos efectuadas à autora, no âmbito do referido contrato. Na sua contestação alega a ré que o quantitativo retido o foi em conformidade com o acordado no contrato celebrado, destinando-se a garantir a correcta e pontual execução da empreitada, só podendo ser levantado após a recepção provisória da obra e contra garantia bancária, tendo, em virtude do abandono da obra pela autora, rescindido o contrato em 27.01.97, peticionando, reconvencionalmente, a quantia de 23.827.160$85, correspondente ao excesso dos pagamentos efectuados, em relação aos trabalhos executados pela autora e à multa contratualmente convencionada para o atraso na execução da obra. Na réplica, a autora, reiterando o alegado na petição inicial, veio dizer que abandonou a obra por falta de pagamento. Quanto ao pedido reconvencional alegou que o atraso na obra foi devido única e exclusivamente à ré, dado que só pode iniciar a obra em 31.12.95, porque ali se encontravam outros empreiteiros, sendo que, por outro lado, a sanção cominada para o atraso é manifestamente ilegal, pela sua desproporcionalidade, representando a sua aplicação um abuso de direito. O processo seguiu os seus trâmites legais, posto o que se realizou o julgamento. Neste. foi reduzido o pedido respeitante à referida factura, em transacção devidamente homologada. Na sentença foram julgados improcedentes o pedido e o pedido reconvencional. Apelaram ambas as partes, tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente o pedido da autora, condenando a ré no pagamentos dos juros moratórios da factura em causa e à restituição das quantias retidas e totalmente procedente o da ré, condenando a autora no pagamento da referida multa.. Voltam, agora, a recorrer as duas partes, as quais, nas suas alegações de recurso, apresentam as seguintes conclusões: revista da autora 1 Não houve mora por parte da autora, pois o atraso no cumprimento da obrigação no tempo devido não ocorreu por causa que lhe fosse imputável, mas sim à ré, uma vez que os trabalhos da autora atrasaram-se por se encontrarem mais empresários em obra. 2 Além dos trabalhos constantes do contrato inicial (datado de 27 de Setembro de 1995, pelo preço de 56.740.567$00) e do contrato adicional (datado de 3 de Maio de 1996, pelo preço de 36.130.357$00), a ré solicitou à autora, por ajuste verbal, a execução de outros trabalhos não previstos (pelo preço de 8.624.850$00) - cf. artºs 15º, 16º e 17º da p. i. e nos artºs 8º, 9º e 10º da réplica. 3 A factura nº 6045, datada de 31.10.96, no montante de 3.752.775$00, de fls. 23, em tudo respeita a estes trabalhos não previstos e adjudicados pela ré à autora, verbalmente, como resulta do seu teor, quando aí se refere. 4 O que é confirmado pelas cartas da autora de fls. 168, 171 e 172 e no confessado pela ré no documento de fls. 76 e 77 (análise de contas), onde esta reconhece o valor dos trabalhos extra-contratuais realizados, no valor de 6.645.160$00. 5 E tal factualidade foi aceite pela ré na cláusula 1ª da transacção de fls. 178, na qual a ré reconheceu dever o montante de 3.148.816$00, no que respeita à aludida factura nº 6045, mencionada em J) dos factos assentes. 6 Ora, esta factualidade alegada pela autora, não foi levada à base instrutória, mas tem que ser considerada assente, nos termos do disposto no artº 646º nº 4 do C. P. Civil, por este Supremo Tribunal, que aprecia o resultado interpretativo das declarações negociais, nos termos dos artºs 236º nº 1 e 238º nº 1 do C. Civil. 7 Ora, se ocorreu a execução de trabalhos não previstos para além do contrato inicial e do aditamento, é patente que o prazo inicialmente acordado não poderia ser cumprido. 8 O prazo contratual nunca poderia ser cumprido pela autora, desde logo, porque o início dos trabalhos ocorreu mais de dois meses depois do previsto contratualmente por culpa do dono da obra (ré). 9 Depois, o prazo contratual não poderia continuar a ser cumprido, porque os trabalhos se atrasaram, em virtude de se encontrarem mais empreiteiros na obra. 10 A ré dona da obra desistiu da empreitada. 11 Ora, havendo desistência por parte do dono da obra (ré), esta é que teria de indemnizar a autora, nos termos do artº 1229º. 12 A desistência por parte do dono da obra é uma faculdade discricionária, não carece de fundamento, apresenta-se como insusceptível de apreciação judicial, e não carece de qualquer pré-aviso. 13 A desistência faz extinguir a empreitada e, em face da desistência, a ré não pode exigir qualquer indemnização ao empreiteiro (autora) nem o pagamento de qualquer causa penal porventura fixada. 14 A simples mora do empreiteiro na execução não confere ao dono da obra o direito a resolver o contrato. 15 Não houve incumprimento definitivo do empreiteiro. 16 O empreiteiro a exceptio non adimplenti contractus não entra em mora. 17 A ré não pagou à autora parte do valor da factura nº 6045 de 31.10.96, que esta lhe enviou, no montante de 3.148.816$00, como ficou reconhecido e confessado pela ré, em sede de transacção de fls. 178, pelo que não houve lugar a mora por parte da autora. 18 Mas, mesmo que se entendesse que tinha havido mora por parte da autora - o que não se aceita - , a verdade é que nunca o montante das multas relativas aos três meses reclamados pela ré (artºs 46º a 50º da contestação - reconvenção), poderia ascender a 22.500.000$00. 19 O dono da obra (ré) não alegou nem provou que atraso se verificou em cada uma das fases da obra, nem a qual das fases é que se reporta tal eventual atraso. 20 Enquanto a obra estava a decorrer, a ré nunca imputou à autora a responsabilidade desta nas penalidades de multas contratuais e, nos pagamentos que fez à autora, nunca efectuou a dedução das multas, em referência, como o previa o contrato. 21 Pelo que, também a ré entende, pelo menos tacitamente, justificadas as causas de tais atrasos, nos termos da alínea d) da cláusula 5ª anexo I - fls. 17 - precludindo o seu alegado direito a aplicar penalidades. 22 Interpretando convenientemente essa cláusula contratual, à luz do artº 236º e 238º do C. Civil, o montante global nunca poderia ascender à quantia de 22.500 contos que a ré reclama. 23 Na data de 27.01.97, em que a ré comunica a rescisão unilateral do contrato, a ré já havia pago à autora 89.939.630$00, faltando apenas realizar obra no valor de 3.167.937$00. 24 Pelo que a cláusula penal fixada no contrato é manifestamente desproporcional (artº 812º do C. Civil) e deve ser reduzida de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 159/08.9TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Outubro de 2012
...não pode ficar obrigado a garantir uma recepção impossível da "sua" obra (Acórdão do STJ de 20/11/2003, proferido no Proc. nº 03B2751 e relatado por BETTENCOURT DE FARIA, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet Extinta a empreitada pelo dono da obra, ao abrigo do artº 1229º ......
-
Acórdão nº 390/14.8TBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018
...outro lado, vedado desenvolver qualquer conduta no sentido do integral cumprimento da sua obrigação” (Acórdão do STJ de 20/11/2003, proc. 03B2751, Doutro modo a Ré empreiteira conseguiria, mesmo após a resolução do contrato, através das sucessivas e ulteriores denúncias de eventuais defeito......
-
Acórdão nº 159/08.9TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Outubro de 2012
...não pode ficar obrigado a garantir uma recepção impossível da "sua" obra (Acórdão do STJ de 20/11/2003, proferido no Proc. nº 03B2751 e relatado por BETTENCOURT DE FARIA, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet Extinta a empreitada pelo dono da obra, ao abrigo do artº 1229º ......
-
Acórdão nº 390/14.8TBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018
...outro lado, vedado desenvolver qualquer conduta no sentido do integral cumprimento da sua obrigação” (Acórdão do STJ de 20/11/2003, proc. 03B2751, Doutro modo a Ré empreiteira conseguiria, mesmo após a resolução do contrato, através das sucessivas e ulteriores denúncias de eventuais defeito......