Acórdão nº 03B3725 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 20 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A-Sociedade de Locação Financeira SA" intentou, no dia 11 de Setembro de 1995, contra "B-Comércio de Automóveis SA", Companhia de Seguros C e a Companhia de Seguros D, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe 2 073 276$, acrescidos de juros de mora, e só a ré B-Comércio de Automóveis SA a entregar-lhe o veículo automóvel n.º CG, com fundamento no incumprimento por esta última de um contrato de locação financeira e em contrato de seguro caução por esta celebrado a seu favor com a segunda ré e co-assumido pela terceira ré. A ré B invocou, na contestação, a ineficácia da resolução do contrato de locação financeira pela autora, com fundamento na existência de contrato de seguro caução celebrado com a segunda ré e no compromisso da autora de não a operar, bem como a nulidade da cláusula décima-primeira do contrato de locação financeira. As rés C e D invocaram, na contestação, por um lado, que o contrato de seguro caução não garante o incumprimento do contrato de locação financeira, mas sim o incumprimento do contrato de aluguer de longa duração celebrado entre B e a respectiva locatária, e, por outro, a nulidade do segundo por ofensa dos artigos 280º e 281º do Código Civil, sob a afirmação do seu objecto mediato ser um bem de equipamento. A sentença de mérito proferida em sede de condensação foi revogada pela Relação por acórdão de 9 de Junho de 1998, com vista a prosseguir com a elaboração da especificação e o questionário. Instruída a causa e realizado o julgamento, foi proferida, no dia 11 de Janeiro de 2002, nova sentença absolutória da Companhia de Seguros D do pedido e condenada a ré C a pagar à autora 274 212$ correspondentes à renda vencida e não paga até à resolução do contrato, acrescidos de juros vencidos e vincendos, e a ré B a restituir-lhe o veículo automóvel n.º CG. Apelaram a autora, então já sob a nova designação de Banco E, bem como B e C e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Fevereiro de 2003, negou provimento aos recursos interpostos pelas rés e procedente o interposto pela autora e condenou aquelas a pagar a esta 274 212$ e juros de mora no montante de 10 289$, e 1778 898$ relativos às rendas vincendas e valor residual antecipados à data da resolução, acrescidos de 9 878$ de juros de mora e só B a entregar-lhe o referido veículo automóvel. Interpuseram C e D recurso de revista, no qual, em síntese, formularam as seguintes conclusões de alegação: - a decisão recorrida vai contra a definição clara e directa que consta da apólice do contrato de seguro da obrigação de pagamento de doze rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Renault Trafic CG, violando a alínea b) do n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio; - as definições genéricas dos artigos 1º e 2º das Condições Gerais da Apólice foram concretizadas nas referidas condições particulares e, se contradição houvesse entre o objecto da garantia definido pelas primeiras e pelas segundas, prevaleciam estas ao abrigo do princípio da liberdade contratual constante do artigo 405º do Código Civil e por força do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, no confronto entre cláusulas contratuais gerais e cláusulas negociadas; - um declaratário de normal diligência e medianamente instruído colocado na posição de um bom pai de família interpretaria, nos termos do artigo 238º do Código Civil, a declaração constante das condições particulares do contrato de seguro como não abrangendo as rendas do contrato de locação financeira; - a interpretação sugerida pelas recorrentes tem no texto da apólice total correspondência, reforçada pelos elementos auxiliares, designadamente os protocolos e a proposta de seguro; - a decisão recorrida não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em violação do artigo 659º do Código de Processo Civil; - a natureza formal do contrato de seguro não implica a automática e necessária irrelevância de elementos de interpretação para além do texto da apólice, mas apenas estipulações que lhe sejam exteriores; - a vontade das partes plasmada nos protocolos constitui elemento decisivo na interpretação da apólice em análise, já que o objecto da garantia está claramente definido como consistindo no pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo; - a identificação do contrato de aluguer de longa duração por via do seu número e nome do locatário, constantes da proposta de seguro com base nos quais a apólice em causa foi emitida, são elementos de prova determinantes para a boa decisão do processo, ignorados pelo acórdão recorrido; - face ao disposto nos artigos 11º das Condições Gerais do contrato de locação financeira e 801º do Código Civil, a recorrida não pode receber cumulativamente, para além das rendas vencidas, do capital das rendas vincendas e do valor residual antecipados à data da resolução do contrato, e ainda o veículo locado; - tendo em conta o conteúdo da cláusula décima-segunda do contrato de locação financeira e o incumprimento seguido de resolução com recuperação do equipamento locado, aquele contrato apenas prevê o pagamento da renda vencida e não paga acrescida do valor correspondente à aplicação da cláusula penal de vinte por cento da soma da renda vencida com o capital das rendas vincendas e o do valor residual; como a indemnização estabelecida naquela cláusula é devida a título de cláusula penal, não coberta pela garantia prestada, a responsabilidade das recorrentes deve limitar-se ao pagamento da renda vencida e não paga por B, o que é reforçado pelo artigo 12º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 23 de Maio, pelo facto de os lucros cessantes não serem susceptíveis de garantia por via do contrato de seguro caução; - o acórdão recorrido violou os artigos 8º do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, 7º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 236º, 238, 405º e 801º do Código Civil e 659º do Código de Processo Civil, pelo que as recorrentes devem ser absolvidas do pedido ou reduzir-se a sua condenação ao pagamento da renda vencida e não paga pela B. Respondeu o recorrido Banco E, em síntese de alegação: - como beneficiário, o contrato de seguro garante-lhe, até ao limite do respectivo capital, o pagamento de doze rendas trimestrais que devia receber do tomador B em caso de incumprimento; - a declaração de garantia referente a doze rendas trimestrais significa reportar-se ao contrato em que tenha sido convencionado o seu pagamento, ou seja, o de locação financeira, não havendo dúvida em sede de interpretação; - como as rendas relativas ao contrato de aluguer de longa duração são trinta e seis mensais e o contrato de seguro caução se refere a rendas trimestrais, se ele se destinasse a garantir as primeiras seria nulo por falta de objecto ou contradição de termos; - a referência das condições particulares do contrato de seguro ao aluguer de longa duração é a mera explicitação do fim a que o veículo fora destinado - a referência a F e ao n.º do contrato de aluguer de longa duração serviam como identificação para B e C do destino da viatura para aluguer de longa duração; - se o objecto da garantia fossem as 36 rendas mensais relativas ao contrato de aluguer de longa duração, o nome do respectivo locatário e essa periodicidade de rendas constariam das condições particulares da apólice; - os protocolos em vigor ao tempo da celebração do contrato de locação financeira não lhe são oponíveis porque neles não interveio nem deles teve conhecimento, nem àquele contrato se referem; - se as rendas garantidas fossem as devidas a B pela locatária do contrato de aluguer de longa duração, o contrato de seguro caução nada garantiria à primeira, porque se C honrasse a sua obrigação pelo incumprimento daquela locatária ficava sujeita ao direito de regresso daquela seguradora e por via disso à obrigação de pagamento; - se duvidoso fosse o objecto do seguro, pelos termos dúbios e não sérios previstos no artigo 245º do Código Civil, deliberadamente usados por C, para nada segurar, ocorreria venire contra factum proprium, - as recorrentes comunicaram-lhe por escrito, documento que vale como cláusula particular constante da apólice, que os seguros caução cobriam, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, e que o pagamento era efectuado à primeira interpelação e sem qualquer formalidade. - a indemnização pedida, nos termos da cláusula décima-primeira do contrato de locação financeira, respeita a perdas patrimoniais, pretende o capital com que financiou B, nada tendo a ver com alguma cláusula penal; - como o veículo automóvel lhe não foi entregue no prazo previsto no contrato subsequente à sua resolução, tem direito à sua devolução e ao pagamento pelas recorrentes do valor da renda vencida e das rendas vincendas antecipadas. IIÉ a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora é uma instituição de crédito que tem por objecto a actividade de locação financeira e a ré B-Comércio de Automóveis SA dedica-se à venda de veículos em regime de aluguer de longa duração. 2. No exercício da sua actividade, B-Comércio de Automóveis SA adquiria os veículos a sociedades de locação financeira em regime de leasing e celebrava com os seus clientes dois contratos, um de aluguer, através do qual, assumindo a posição de locadora, dava de aluguer os veículos aos seus clientes, e um de promessa de compra e venda, pelo qual prometia vender ao locatário, e este comprar, os mesmos veículos, efectivando-se o contrato prometido no termo do contrato de aluguer. 3. No dia 15 de Novembro de 1991, B-Comércio de Automóveis SA e a Companhia de Seguros C declararam, por escrito, em documento denominado Protocolo, o seguinte: - o presente protocolo tem por finalidade definir as relações entre as empresas, no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento à B dos veículos...
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Acórdão nº 1247/08.7TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Setembro de 2008
...nele fixados”. Veja-se a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2003 (Salvador da Costa), proferido no processo nº 03B3725, disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf: “[o]s contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração assumem estrutura essencialmente diver......
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