Acórdão nº 03B639 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | NEVES RIBEIRO |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Razão da revista 1. "A", casado, residente em ..., London w1 H 5 FA, Reino Unido, veio intentar a presente acção de condenação, com processo ordinário, contra B, residente na Rua ..., Lisboa, e contra C, residente no Largo do ..., Lisboa, casados, entre si, sob o regime de separação de bens, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de 61.750.000$00, acrescida de juros de mora vencidos, de 18.524.999$00, e dos vincendos, até integral pagamento. 1.1. Alega, para tanto, que é pai da Ré, tendo os Réus casado, entre si, em regime de separação de bens. Sucede que os Réus pediram um empréstimo ao Autor, no valor de 65.000.000$00 para aquisição de uma fracção habitacional autónoma, em Lisboa. Para esta aquisição foi acordado que o dinheiro emprestado seria restituído em vinte anos, através do pagamento de 240 prestações mensais, no valor de 257.291$50, não sendo pagos quaisquer juros. O Autor acedeu e transferiu para conta dos Réus a quantia total de 61.750.000$0. 2. A filha contestou, sustentando, em resumo, que o Autor, seu pai, lhe doou a quantia de 45.000.000$00 para aquisição de casa, tendo-lhe apenas emprestado a quantia de 16.750.000$00, com um período de indeterminado para pagar, uma vez que a ré se encontrava ainda a estudar e o marido estava desempregado. Conclui pela improcedência da acção. 2.1.Por sua vez, o Réu aceita que ficou responsável também pelo pagamento do empréstimo, pretendendo liquidar o montante em dívida, mediante dação em cumprimento do imóvel em causa ao Autor. Conclui pela improcedência da acção em relação a si. 3. Foi proferida sentença, que, a final, julgou a "acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou os réus a restituírem ao Autor a quantia de 61.750.000$00, acrescida de juros à taxa de 5%, desde a data de trânsito desta sentença, nos termos do artigo 829º-A, nº. 4, do Código Civil, até integral pagamento." (Sic). Houve apelação proposta pelos réus e pelo autor.. 4. A Relação de Lisboa julgou improcedentes os recursos dos réus, e parcialmente procedente o recurso do autor, decidindo que os juros moratórios a pagar por aqueles ao autor, serão contados a partir da citação, sendo a obrigação de capital, no valor de 61.750.000$00, tal com estava fixado na sentença (fls. 549 e, em especial, aclaração fls. 571/571 verso, a requerimento da B). 5. Pede revista a B. II Objecto da revistaO objecto da revista está demarcado pelas conclusões da recorrente. Vamos transcrevê-las, mais por precaução processual do que pelo interesse que revestem para conhecer do que, verdadeiramente - como se verá adiante - deve constituir objecto de um recurso de revista: 1ª. A prova realizada em sede de audiência de julgamento não pode simplesmente ser esquecida e assim elaborar-se um raciocínio, que não só se expressa claramente, como em nada reflecte o factualismo do caso sub judice, além de que o contraria; 2ª. A principal questão que se coloca a este Tribunal é o de finalmente constatar e decidir que a prova foi mal apreciada desde o julgamento, o que levou às mais díspares apreciações e conclusões; 3ª. Num segundo momento, coloca-se o problema da insuficiente e errada apreciação daquela mesma prova, levando assim o Tribunal da Relação de Lisboa a concluir igualmente de forma errónea, porquanto foi enjeitando a prova produzida, para assim chegar a conclusões que em nada reflectem toda factualidade provada, concluindo em oposição com a mesma prova; 4ª. Existem registos de toda a prova testemunhal produzida, sendo evidente que as testemunhas que tiveram conhecimento directo sobre esta matéria, foram aquelas que acompanharam a situação e declararam sob juramento que sempre ouviram os RR., durante esse período, declarar que se tratava de uma doação, no valor de Esc. 45.000.000$00, de modo a que a recorrente ficasse em igualdade de circunstâncias perante os outros filhos do A., relativamente aos quais o mesmo já havia sido feito, evitando-se assim que a recorrente viesse a accionar o instituto da colação; 5ª. As testemunhas do A. apenas conheceram dos factos cinco anos mais tarde, face à data em que os mesmos ocorreram e a pedido do A., para que assim pudessem prestar o seu testemunho, não podendo este tipo de testemunho prevalecer perante aqueles que conheceram dos factos quando os mesmos ocorreram; 6ª. Tendo as testemunhas do A. declarado que este era "um homem de negócios de grande rigor", e estando habitualmente assistido por Advogados, não se pode nunca aceitar que o mesmo não soubesse e não quisesse fazer exactamente o que fez e nas condições em que o fez, deixando assim entreaberta a possibilidade de vir, como veio, a reclamar juros que bem sabia não lhe eram devidos; 7ª. Ficou acordado entre as partes que o negócio seria gratuito; 8ª Entende a recorrente, que é da mais elementar justiça, a procedência do presente recurso quanto à sua não condenação no pagamento de juros. Quer por força da não aplicação do disposto no artigo 212º do C. Civil, no caso sub judice, porquanto o mesmo aqui não tem aplicação, por um lado, pelo facto de se tratar de uma doação, a qual não configura a devolução da coisa doada e menos ainda o pagamento de juros, por outro lado, em virtude da natureza gratuita do acordado quanto ao remanescente; 9ª. Ora, a aplicação dos artºs. 804º, 805º e 806º, do Código Civil respeitam a mora do devedor, sendo certo que o mesmo só se constitui em mora, quando se verificarem os pressupostos da existência do vencimento da obrigação, ora no caso sub judice, não só não se verificaram tais pressupostos, como o mesmo nunca foi demonstrado, como era obrigação do A./recorrido, assim não será possível estabelecer o momento a partir do qual a recorrente se constituiu em mora, donde se conclui que não será nunca desde a citação; 10ª. Entende a recorrente, que in casu, não há lugar ao pagamento de quaisquer juros, porquanto a declaração de nulidade implica retomar ao statu quo ante, ou seja, a restituição ao estado anterior à celebração do contrato, como se este nunca tivesse existido, não se compadecendo com o débito de juros de mora derivado de algo inexistente, ou que os juros não integram o que antes fora prestado, razão pela qual não podem ser objecto de restituição (Acs. do STJ, 23/1/92, in BMJ, no 413, pág. 535; e de 12/3/98, BMJ no 475, pág. 616). 11ª. É evidente a má fé quer pré-contratual quer contratual do A/recorrido, porquanto, construiu uma determinada realidade (bem sabendo da sua ilegalidade) e desse modo conseguir que a recorrente formasse a sua vontade com base em erro, ou seja, em pressupostos que aquele conduzia com conhecimento das consequências (a eventual futura declaração de nulidade do contrato de mútuo), apenas para obter o acordo da recorrente, mas que sabia não terem correspondência com a realidade, para posteriormente alterar o acordado e assim pretender alcançar uma vantagem que inicialmente declarara não pretender; 12ª. O que, a manter-se a decisão de que se recorre, o que não se crê, tal consubstanciaria uma claríssima situação de enriquecimento sem causa do A/recorrido, à custa de um empobrecimento da recorrente. A recorrente conclui: o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se integralmente o acórdão recorrido. III A matéria de factoOs factos relevantes de utilidade para conhecer são os seguintes, e assim organizados: 1 - A - o recorrido - é pai de B - a recorrente. 2- Os réus casaram, entre si em 23 de Março de 1991, tendo optado pelo regime da separação de bens; 3 - Já depois de casados, os Réus decidiram comprar um andar, para casa de morada de família; 4 - O andar que os Réus encontraram a seu contento, tinha o preço de Esc. 65.000.000$00, e não dispunham desse valor; 5 - O Autor dispunha de meios financeiros para suportar a aquisição de um imóvel naquele preço; 6 - Com vista a esta aquisição, Autor e Réus acordaram em que o autor disponibilizaria aos réus uma quantia em dinheiro, sem haver lugar ao pagamento de quaisquer juros; 7 - Os réus restituiriam o dinheiro, através do pagamento de duzentas e quarenta prestações mensais, fixas, e sucessivas, no valor de Esc. 257.291$00, cada uma. 8 - A primeira prestação deveria ser paga em momento não concretamente apurado, mas que se situava entre, seis meses a um ano, após a celebração da escritura de compra e venda do imóvel - que ocorreu em Janeiro de 1992. 9 - Dando execução ao propósito dos três, o Autor transferiu, da sua conta bancária, para a conta conjunta de que os Réus eram titulares no ..., agência de Cascais, com o nº ..., os seguintes montantes e nas datas correspondentes: em 21 de Novembro de 1991, a quantia de Esc. 26.000.000$00; em 6 de Janeiro de 1992, a quantia de Esc. 26.000.000$00; em 6 de Janeiro de 1992, a quantia de Esc. 16.250.000$00 ; 10- As transferências aludidas foram efectuadas em execução da decisão de o Autor disponibilizar, em conta à ordem...
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